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100 dias: governo enfrenta agendas difíceis na segurança pública

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal jr/Agência Brasil

Tentativa de golpe e crise dos yanomami marcam começo do mandato


Pub­li­ca­do em 09/04/2023 — 09:50 Por Pedro Peduzzi — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Nos 100 primeiros dias de gov­er­no, um tur­bil­hão de even­tos fez do Min­istério da Justiça e Segu­rança Públi­ca pro­tag­o­nista de boa parte das prin­ci­pais agen­das do gov­er­no fed­er­al. Além de lidar com situ­ações como a ten­ta­ti­va de golpe no dia 8 de janeiro; a inter­venção no gov­er­no do Dis­tri­to Fed­er­al; a crise human­itária envol­ven­do o povo yanoma­mi; os ataques no Rio Grande do Norte e o com­bate ao tra­bal­ho escra­vo em viní­co­las do Rio Grande do Sul, a pas­ta con­seguiu, segun­do espe­cial­is­tas, apre­sen­tar “avanços sig­ni­fica­tivos”, em espe­cial para a segu­rança públi­ca.

Tan­tas coisas acon­te­cen­do ao mes­mo tem­po acabaram por causar uma sen­sação de que as autori­dades da área de justiça e segu­rança atu­aram mais de for­ma reati­va do que ati­va – o que não é exata­mente uma ver­dade, con­forme disse à Agên­cia Brasil o pres­i­dente do Fórum Brasileiro de Segu­rança Públi­ca (FBSP), Rena­to Sér­gio de Lima.

Segun­do Lima, o gov­er­no fed­er­al “fez muito” ao lon­go dos 100 primeiros dias, na con­dução das políti­cas de segu­rança públi­ca, mas as ações acabaram ofus­cadas diante dos “fac­tu­ais” que tiver­am mais vis­i­bil­i­dade do que “os feitos” ini­ci­ais do gov­er­no.

Na avali­ação do espe­cial­ista, os acon­tec­i­men­tos foram “atro­pelando a agen­da e as ações”, o que acabou tor­nan­do “tur­bu­len­tos” os 100 primeiros dias de gov­er­no. Assim sendo, “o debate sobre os temas acabou per­den­do espaço” em meio a um cenário que “apre­sen­ta as ações [imple­men­tadas] como se fos­sem reações [a fac­tu­ais]”, disse Lima.

“O gov­er­no pre­cisa ago­ra recu­per­ar a dianteira que teve no primeiro dia, com o decre­to de armas, para poder pen­sar a divul­gação e o detal­hamen­to de políti­cas como, por exem­p­lo, as do Plano Amazô­nia mais Segu­ra (Amas) e do Pro­gra­ma Nacional de Segu­rança Públi­ca com Cidada­nia (Pronasci)”, com­ple­tou.

“O gov­er­no começou o ano com o decre­to de armas, uma impor­tante ini­cia­ti­va”, lem­brou Rena­to Sér­gio de Lima, referindo-se ao decre­to pres­i­den­cial que sus­pendeu novas autor­iza­ções de porte para armas, pelos CACs – cole­cionadores, ati­radores e caçadores.

O mes­mo decre­to foi elo­gia­do e con­sid­er­a­do “primeiro acer­to” pela pro­fes­so­ra de Ciên­cias Crim­i­nais do Insti­tu­to Brasileiro de Ensi­no, Desen­volvi­men­to e Pesquisa (IDP) Car­oli­na Cos­ta.

Para a advo­ga­da, a revisão das nor­mas que flex­i­bi­lizaram a com­pra de arma­men­tos e o Estatu­to do Desar­ma­men­to têm impor­tante papel para a reg­u­lação e o con­t­role de armas no país. Ela desta­cou a importân­cia da revisão ocor­rer no momen­to atu­al, após o gov­er­no Bol­sonaro ter pro­movi­do “uma flex­i­bi­liza­ção com­ple­ta­mente desme­di­da”, visan­do armar a pop­u­lação brasileira.

“A retoma­da do con­t­role dos arma­men­tos e da com­er­cial­iza­ção destes no Brasil é algo bas­tante urgente, espe­cial­mente para redução dos índices de vio­lên­cia e da sen­sação de inse­gu­rança da pop­u­lação que, diante do aumen­to do número de armas em cir­cu­lação, se vê inse­gu­ra e em risco, espe­cial­mente quan­do pen­samos em mul­heres e cri­anças”, disse.

Ten­do como refer­ên­cia números do Mon­i­tor da Vio­lên­cia, Rena­to Lima, do FBSP, diz que o número de homicí­dios no Brasil cresceu mais de 6% no últi­mo trimestre do ano pas­sa­do.

Ele tam­bém cor­rela­ciona esse aumen­to às facil­i­dades cri­adas durante o gov­er­no Bol­sonaro para o aces­so da pop­u­lação a armas.

“Isso sinal­iza para um 2023 pre­ocu­pante, porque, se a tendên­cia se con­fir­mar, ter­e­mos aumen­to dos homicí­dios, muito em função de questões que não foram tratadas durante o gov­er­no ante­ri­or, como por exem­p­lo a imple­men­tação do SUSP [Sis­tema Úni­co de Segu­rança Públi­ca]”, acres­cen­tou. De acor­do com o espe­cial­ista, a ini­cia­ti­va tende a rece­ber bons inves­ti­men­tos gov­er­na­men­tais.

Pronasci

Os dois espe­cial­is­tas desta­cam a retoma­da do Pro­gra­ma Nacional de Segu­rança Públi­ca com Cidada­nia (Pronasci) como uma das mais impor­tantes políti­cas públi­cas do atu­al gov­er­no.

Lança­do no dia 15 de março, o novo Pronasci já tem R$ 700 mil­hões pre­vis­tos para inves­ti­men­to em ações soci­ais de segu­rança públi­ca, em pre­venção, con­t­role e repressão da crim­i­nal­i­dade. A primeira edição do pro­gra­ma foi lança­da em 2007 durante o segun­do manda­to do pres­i­dente Lula.

Os eixos do Pronasci estão alin­hados com o Plano Nacional de Segu­rança Públi­ca, que tem como obje­ti­vo reduzir a taxa de homicí­dios para abaixo de 16 mortes por 100 mil habi­tantes até 2030, e de baixar as taxas envol­ven­do mortes vio­len­tas de mul­heres e de lesão cor­po­ral segui­da de morte.

Exe­cu­ta­do pela União em coop­er­ação com esta­dos, Dis­tri­to Fed­er­al e municí­pios – medi­ante pro­gra­mas, pro­je­tos e ações de assistên­cia téc­ni­ca e finan­ceira –, o novo Pronasci inclui em seus eixos a pre­venção e enfrenta­men­to da vio­lên­cia con­tra a mul­her e com­bate ao fem­i­nicí­dio.

Os out­ros qua­tro eixos do pro­gra­ma tratam do fomen­to às políti­cas de segu­rança públi­ca com cidada­nia em ter­ritórios com altos indi­cadores de vio­lên­cia e com gru­pos soci­ais mais vul­neráveis; fomen­to às políti­cas de cidada­nia com foco no tra­bal­ho e ensi­no for­mal e profis­sion­al­izante para pre­sos e egres­sos do sis­tema pri­sion­al; apoio às víti­mas da crim­i­nal­i­dade; e, final­mente, com­bate ao racis­mo estru­tur­al e a todos os crimes dele deriva­dos – com ações afir­ma­ti­vas para a pop­u­lação negra ali­adas ao enfrenta­men­to da pobreza, da fome e das desigual­dades.

Polícia e cidadãos

Na cer­imô­nia de lança­men­to do pro­gra­ma, o pres­i­dente Lula disse que o Pronasci for­t­alece a área de segu­rança, garan­ti­n­do a pre­sença do Esta­do não ape­nas com polí­cia, mas com ações de pro­moção da cidada­nia.

“Com a recu­per­ação desse pro­gra­ma a gente pas­sa para sociedade a ideia de que o papel do Esta­do é cuidar das pes­soas antes de come­terem qual­quer deli­to, e cuidar depois que a pes­soa comete, mas na per­spec­ti­va de faz­er com que volte a ter uma con­vivên­cia social e tran­quila”, disse Lula.

“Sobre­tu­do, temos que tra­bal­har na per­spec­ti­va de sal­var a per­ife­ria deste país. É na per­ife­ria que está grande parte da nos­sa juven­tude; grande parte das pes­soas com poten­cial cul­tur­al e profis­sion­al extra­ordinário, que não têm condições de sobre­viv­er porque são pegas de sur­pre­sa por bala per­di­da ou são pegas por ocu­pação poli­cial”, acres­cen­tou.

No even­to de lança­men­to do Pronasci, o min­istro Flávio Dino disse acred­i­tar que tais ações vão garan­tir a redução da vio­lên­cia “e uma maior inte­gração entre políti­cas soci­ais e as ações da polí­cia”.

Já a coor­de­nado­ra do pro­gra­ma, Tamires Sam­paio, disse que o Pronasci “con­strói uma noção de que, for­t­ale­cen­do agentes e equipa­men­tos de segu­rança e garan­ti­n­do que a pop­u­lação ten­ha aces­so à edu­cação e à cul­tura, vamos garan­tir que os índice de vio­lên­cia e de crim­i­nal­i­dade no país vão diminuir”.

Brasília (DF) 08-04-2023 - A Coordenadora do Pronasci, Tamires Sampaio posa para fotografia em seu gabinete no Ministério da Justiça, após entrevista para Agência Brasil. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil
Repro­dução: Coor­de­nado­ra do Pronasci, Tamires Sam­paio , por Joéd­son Alves/Agência Brasil

Comunidade

Para Car­oli­na Cos­ta, do IDP, o Pronasci se dis­tingue das políti­cas de repressão, uma vez que pri­or­iza mecan­is­mos de polí­cia comu­nitária, visan­do à aprox­i­mação entre forças poli­ci­ais e comu­nidade.

“Em um con­tex­to de extrema vio­lên­cia, em que comu­nidades vul­neráveis se sen­tem ain­da mais despro­te­gi­das por con­ta de uma atu­ação extrema­mente desprepara­da da polí­cia, o Pronasci rep­re­sen­ta uma exce­lente ini­cia­ti­va para que pos­samos retomar o diál­o­go entre as forças de segu­rança e a comu­nidade”, disse ela à Agên­cia Brasil.

No iní­cio de abril, a visi­ta do min­istro Flávio Dino ao Com­plexo da Maré, no Rio de Janeiro, mostrou von­tade políti­ca no sen­ti­do de aprox­i­mar autori­dades e comu­nidades vul­neráveis.

A ini­cia­ti­va, no entan­to, acabou sendo crit­i­ca­da por opos­i­tores do gov­er­no fed­er­al, sob o argu­men­to de que a visi­ta rep­re­sen­taria uma “conivên­cia” do min­istro com “crim­i­nosos que atu­am na favela”.

Em respos­ta, Flávio Dino disse con­sid­er­ar “esdrúx­u­la” a afir­mação, sus­ten­tan­do que ela seria resul­ta­do de pre­con­ceito con­tra os moradores da comu­nidade.

Política de drogas

Out­ra políti­ca públi­ca do gov­er­no fed­er­al desta­ca­da pelos espe­cial­is­tas con­sul­ta­dos pela reportagem é a Estraté­gia Nacional de Políti­cas de Dro­gas, con­duzi­da pela Sec­re­taria Nacional de Dro­gas.

Para a pro­fes­so­ra de Ciên­cias Crim­i­nais do IDP, a definição de uma estraté­gia para reor­ga­ni­za­ção dessa políti­ca é “abso­lu­ta­mente necessária, e fica ain­da mais for­t­ale­ci­da graças à par­tic­i­pação da sociedade civ­il nas dis­cussões.

“Uma ini­cia­ti­va que está em cur­so, e que será divul­ga­do em breve, é a retoma­da do Con­sel­ho Nacional de Políti­ca sobre Dro­gas, com uma par­tic­i­pação mais efe­ti­va da sociedade civ­il. Uma dis­cussão aber­ta sobre os rumos da políti­ca de dro­gas no Brasil é algo abso­lu­ta­mente impor­tante no con­tex­to brasileiro, sobre­tu­do se anal­is­ar­mos as [altas] taxas de encar­ce­ra­men­to por trá­fi­co de dro­gas”, com­ple­men­tou a advo­ga­da.

Participação

As políti­cas públi­cas citadas por Car­oli­na Cos­ta estão sendo tratadas de for­ma trans­ver­sal pelas autori­dades, em espe­cial com relação à orga­ni­za­ção do plane­ja­men­to, bem como da exe­cução e da avali­ação. O gov­er­no, inclu­sive,  tem pro­movi­do even­tos em que o tema é debati­do de for­ma ampla, com a par­tic­i­pação dos min­istérios da Saúde; da Igual­dade Racial; da Justiça e Segu­rança Públi­ca; de sec­re­tarias e orga­ni­za­ções inter­na­cionais, além de rep­re­sen­tantes da sociedade civ­il e par­la­mentares.

“Durante o gov­er­no Bol­sonaro, as políti­cas eram bas­tante estanques: muito iso­ladas e sem par­tic­i­pação social. No atu­al gov­er­no temos out­ra per­spec­ti­va, com retoma­da da par­tic­i­pação da sociedade civ­il e com a atu­ação de difer­entes min­istérios”, argu­men­tou a advo­ga­da.

“Quan­do a políti­ca públi­ca é pau­ta­da de for­ma trans­dis­ci­pli­nar, essa par­tic­i­pação aca­ba sendo quase nat­ur­al, além de muito mais incen­ti­va­da. Quan­to mais par­ceiros e par­ceiras nós tiver­mos para con­dução de políti­cas públi­cas, maior será a efe­tivi­dade e maior será a par­tic­i­pação democráti­ca nes­sas políti­cas públi­cas”, com­ple­men­tou Car­oli­na.

Edição: Nádia Fran­co

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