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Treze de 19 presídios inspecionados pelo CNJ em Goiás têm superlotação

Repro­dução: © Luiz Silveira/Agência Brasil

Relatório também aponta indícios de tortura e maus-tratos


Publicado em 11/04/2024 — 06:32 Por Gilberto Costa — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Relatório do Con­sel­ho Nacional de Justiça (CNJ) indi­ca que há super­lotação em 13 dos 19 esta­b­elec­i­men­tos pri­sion­ais inspe­ciona­dos pelo órgão em maio e jun­ho do ano pas­sa­do no esta­do de Goiás. O doc­u­men­to foi pub­li­ca­do neste mês na inter­net.

Em alguns presí­dios, a taxa de ocu­pação é mais do que o dobro da capaci­dade pre­vista – como ocorre na Unidade Pri­sion­al Region­al de São Luís de Montes Belos, na Unidade Pri­sion­al Region­al de Rio Verde, na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia e na Pen­i­ten­ciária Coro­nel Odenir Guimarães.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Detalhe de fotos que estão no relatório do CNJ, após inspeções em Aparecida de Goiânia Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Repro­dução: Fotos do relatório do CNJ mostram super­lotação na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia — Luiz Silveira/Agência CNJ

Nes­sas duas últi­mas unidades pri­sion­ais, a capaci­dade pro­je­ta­da é para 906 pre­sos, como esta­b­elece o Con­sel­ho Nacional de Políti­ca Crim­i­nal e Pen­i­ten­ciária (CNPCP). Mas estavam con­fi­nadas 1.940 pes­soas na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia e 1.840 na Pen­i­ten­ciária Coro­nel Odenir Guimarães.

Na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia, “em algu­mas celas a situ­ação de super­lotação é ain­da mais agrava­da. A títu­lo de exem­p­lo, em um dos espaços havia 76 pes­soas, mas somente 22 colchões”, descreve o relatório.

Na unidade, o exces­so de pre­sos con­traria nor­mas e princí­pios. O local se des­ti­na, “des­de sua origem, à custó­dia de pre­sos pro­visórios, [mas] em todos os blo­cos foi relata­da a pre­sença de pes­soas sen­ten­ci­adas.” Além dis­so, há home­ns e mul­heres pre­sos no com­plexo, o que é proibido pela Lei de Exe­cução Penal.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Inpeção nos presídios de Goiânia, em 21/05/2023 - Inspeção da equipe do DMF na Casa de prisão Provisória em Aparecida de Goiânia.Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Repro­dução: Inspeção do CNJ na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia — Luiz Silveira/Agência CNJ

Na Unidade Pri­sion­al Region­al de São Luís de Montes Belos, a capaci­dade máx­i­ma é para 66 pes­soas, mas havia 149 pre­sos. A Unidade Pri­sion­al Region­al de Rio Verde deve com­por­tar até 147 pes­soas, mas o CNJ fla­grou 299 pre­sos amon­toa­d­os.

Tam­bém havia super­lotação (veja tabela abaixo) na Unidade Pri­sion­al Region­al de Anápo­lis (taxa de ocu­pação de 196,49%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Novo Gama (180,65%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Alexâ­nia (162,67%), na Pen­i­ten­ciária Fem­i­ni­na Con­sue­lo Nass­er (155,74%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Cal­das Novas (147,28%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Mor­rin­hos (147,24%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Mineiros (144,63%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Val­paraí­so de Goiás (140,48%), na Unidade Pri­sion­al Region­al de Planalti­na de Goiás (136,1%) e na Unidade Pri­sion­al Region­al Fem­i­ni­na de Israelân­dia (115,69%).

 
LOTAÇÃO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS
Unidade Vagas Total ger­al Taxa de ocu­pação
Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia 906 1.940 214,13%
Pen­i­ten­ciária Coro­nel Odenir Guimarães 906 1.840 203,09%
Pen­i­ten­ciária Fem­i­ni­na Con­sue­lo Nass­er 61 95 155,74%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Novo Gama 62 112 180,65%
Unidade Pri­sion­al Espe­cial de Planalti­na de Goiás 388 186 47,94%
Unidade Pri­sion­al Espe­cial Núcleo de Custó­dia 88 25 28,41%
Unidade Pri­sion­al Region­al Cen­tral de Triagem 212 199 93,87%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Águas Lin­das de Goiás 133 124 93,23%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Alexâ­nia 75 122 162,67%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Anápo­lis 285 560 196,49%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Cal­das Novas 184 271 147,28%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Mineiros 127 175 144,63%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Mor­rin­hos 127 187 147,24%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Planalti­na de Goiás 446 607 136,10%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Rio Verde 147 299 203,40%
Unidade Pri­sion­al Region­al de São Luís de Montes Belos 66 149 225,76%
Unidade Pri­sion­al Region­al de Val­paraí­so de Goiás 168 236 140,48%
Unidade Pri­sion­al Region­al Fem­i­ni­na de Israelân­dia 51 59 115,69%
Unidade Pri­sion­al Region­al Fem­i­ni­na de Luz­iâ­nia 100 74 74%

Fonte: Relatório de Inspeções — Esta­b­elec­i­men­tos Pri­sion­ais do Esta­do de Goiás (2023), p.49. 

Castigos e sanções

O CNJ tam­bém ver­i­fi­cou “diver­sos indí­cios de tor­tu­ra e maus-tratos.” O relatório traz fotos de “pes­soas com feri­das visíveis, hematomas e mar­cas de munição de elastômero [balas de bor­racha].”

Segun­do o doc­u­men­to, “foram unís­sonos os relatos de existên­cia de ‘cas­ti­gos’ e sanções com emprego de vio­lên­cia, tor­tu­ra, maus-tratos e out­ros trata­men­tos cruéis e degradantes, além da pri­vação de dire­itos”. “Denún­cias rece­bidas em todos os esta­b­elec­i­men­tos pri­sion­ais apon­tam para alar­mantes episó­dios de tor­tu­ra, envol­ven­do supostas práti­cas como eletro­choque, afoga­men­to, sufo­ca­men­to, des­maio, golpes em gen­itálias, tapas e, até mes­mo, empala­men­to”, com­ple­ta o doc­u­men­to.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Detalhe de fotos que estão no relatório do CNJ, após inspeções em Aparecida de GoiâniaFoto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Repro­dução: Detal­he de fotos de relatório do CNJ que mostra super­lotação, tor­tu­ra e maus-tratos em presí­dios de Goiás — Luiz Silveira/Agência CNJ

Um dos exem­p­los das tor­turas sofridas pelos pre­sos é desta­ca­do na Unidade Pri­sion­al Espe­cial de Planalti­na de Goiás, no entorno do Dis­tri­to Fed­er­al (DF), a cer­ca de 60 quilômet­ros de Brasília. A inspeção do CNJ tomou con­hec­i­men­to de “muitos informes” de que “have­ria um espaço denom­i­na­do ‘galpão’, onde ocor­re­ri­am supostas práti­cas de tor­tu­ra e maus-tratos.”

A equipe da visi­ta ver­i­fi­cou que no local foram insta­l­adas câmeras recen­te­mente. “Con­tu­do, somente e especi­fi­ca­mente nesse espaço, obser­vou-se que os equipa­men­tos não estavam pro­gra­ma­dos para arqui­var ima­gens.”

O relatório assi­nala a difi­cul­dade dos pre­sos de denun­cia­rem as condições a que estão sub­meti­dos. “Inspi­ra espe­cial pre­ocu­pação a frag­ili­dade dos flux­os inter­nos para rece­bi­men­to e inves­ti­gação de denún­cias de tor­tu­ra, maus-tratos e out­ros trata­men­tos cruéis, desumanos e degradantes. A ausên­cia de con­ta­to com o mun­do exte­ri­or e a fal­ta ou insu­fi­ciên­cia de assistên­cia jurídi­ca agravam o quadro de inco­mu­ni­ca­bil­i­dade e silen­ci­a­men­to de even­tu­ais vio­lações à inte­gri­dade físi­ca e psi­cológ­i­ca das pes­soas pri­vadas de liber­dade nos esta­b­elec­i­men­tos pri­sion­ais.”

O CNJ ressalta que os blo­queios de comu­ni­cação tam­bém são de fora para den­tro dos presí­dios. “Cumpre destacar, ain­da, que foram comuns os relatos de imped­i­men­to de aces­so por órgãos de con­t­role social vin­cu­la­dos à Políti­ca Nacional de Dire­itos Humanos e ao Sis­tema Nacional de Pre­venção e Com­bate à Tor­tu­ra, bem como por insti­tu­ições da sociedade civ­il, que cumprem papel fun­da­men­tal no con­t­role exter­no dos esta­b­elec­i­men­tos pri­sion­ais, deven­do ser respeitadas e for­t­ale­ci­das. O cenário con­stata­do parece, ao con­trário, ser de crim­i­nal­iza­ção dess­es órgãos.”

Comida estragada

Além da super­lotação e das denún­cias de tor­tu­ra, o relatório reg­is­tra a “indisponi­bil­i­dade de água potáv­el” em alguns presí­dios. Na Unidade Pri­sion­al Region­al de Mor­rin­hos, por exem­p­lo, a água potáv­el é disponi­bi­liza­da somente durante o almoço e o jan­tar.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Inpeção nos presídios de Goiânia, em 21/05/2023 - Inspeção da equipe do DMF na Casa de prisão Provisória em Aparecida de Goiânia.Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Repro­dução: Refeição forneci­da a pre­sos na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia — Luiz Silveira/Agência CNJ

Há prob­le­mas com fornec­i­men­to reg­u­lar e sufi­ciente de insumos bási­cos de higiene, limpeza e de ves­ti­men­tas. O relatório aler­ta para o fornec­i­men­to de “ali­men­tação em quan­ti­dade e qual­i­dade inad­e­quadas.” No Com­plexo de Apare­ci­da de Goiâ­nia, um dos pre­sos entre­vis­ta­dos pela inspeção do CNJ “rela­tou que, dev­i­do a ali­men­to estra­ga­do desen­volveu prob­le­ma gas­troin­testi­nal e ago­ra usa bol­sa de colosto­mia.”

O doc­u­men­to ressalta ain­da que a vis­to­ria local­i­zou pes­soas pre­sas “sem aces­so à saúde inte­gral”, sofren­do “agravos em saúde oca­sion­a­dos pelas condições de encar­ce­ra­men­to” e viven­cian­do “episó­dios recor­rentes de desas­sistên­cia.”

Na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia, a equipe do CNJ ouviu “rela­to de abor­to sofri­do den­tro da unidade, de mul­her que indi­cou estar grávi­da há 3 meses, mas o teste só foi feito após o abor­to, não ten­do sido real­iza­do mais nen­hum pro­ced­i­men­to, emb­o­ra este­ja sentin­do dor e com san­gra­men­to, práti­ca está em total vio­lação a dire­trizes de saúde mater­no-infan­til do Min­istério da Saúde.”

Oito cidades

A mis­são do CNJ no esta­do de Goiás foi real­iza­da entre os dias 29 de maio e 2 de jun­ho de 2023, coor­de­na­da pelo cor­rege­dor nacional de Justiça, min­istro Luis Felipe Salomão (STJ), e pelo desem­bar­gador Mau­ro Pereira Mar­tins, então con­sel­heiro super­vi­sor do Depar­ta­men­to de Mon­i­tora­men­to e Fis­cal­iza­ção do Sis­tema Carcerário e do Sis­tema de Exe­cução de Medi­das Socioe­d­uca­ti­vas (DMF). A ex-min­is­tra Rosa Weber, então pres­i­dente do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al e do CNJ, acom­pan­hou a mis­são.

Brasília (DF) 10/04/2024 - CNJ acompanha inspeções em Aparecida de GoiâniaGoiânia, 29/05/2023. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Repro­dução: Inspeção do CNJ na Casa de Prisão Pro­visória de Apare­ci­da de Goiâ­nia — Luiz Silveira/Agência CNJ

O relatório é resul­ta­do do tra­bal­ho de força-tare­fa de cor­reição extra­ordinária for­ma­da por 22 mag­istra­dos e 27 servi­dores do CNJ. A equipe per­cor­reu 20% dos presí­dios do esta­do de Goiás, em oito cidades: Anápo­lis, Apare­ci­da de Goiâ­nia, Mineiros, Rio Verde, Águas Lin­das, Novo Gama, Planalti­na de Goiás e Val­paraí­so – as qua­tro últi­mas no Entorno do DF.

À época da inspeção, Goiás tin­ha a oita­va maior pop­u­lação pri­sion­al no Brasil, com 21 mil pes­soas em pri­vação de liber­dade em 88 esta­b­elec­i­men­tos. Con­forme o CNJ, 73,69% das pes­soas pri­vadas de liber­dade eram negras (pre­tas e par­das). Em Goiás, havia 298 pes­soas pre­sas para cada 100 mil habi­tantes.

Agên­cia Brasil entrou em con­ta­to por tele­fone e e‑mail com a asses­so­ria de impren­sa do gov­er­no de Goiás para pedir uma man­i­fes­tação a respeito do relatório. Até o fechamen­to des­ta reportagem, não obteve retorno.

O CNJ fez vis­to­rias semel­hantes no esta­do do Ceará (dezem­bro de 2021), do Ama­zonas (maio de 2022) e de Per­nam­bu­co (agos­to de 2022).

Edição: Juliana Andrade

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