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À espera de Angra 3, energia nuclear no Brasil quer se mostrar segura

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Usinas têm estruturas específicas para armazenamento de resíduos


Publicado em 29/06/2024 — 08:11 Por Bruno de Freitas Moura – Repórter da Agência Brasil* — Angra dos Reis (RJ)

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O via­jante que pas­sa pela Rodovia Rio-San­tos (um tre­cho da BR-101) e se aprox­i­ma do lim­ite entre as cidades de Angra dos Reis e Paraty, no Sul Flu­mi­nense, tem a opor­tu­nidade de vis­i­tar o Obser­vatório Nuclear. O espaço é uma mis­tu­ra de mirante com vista para a Cen­tral Nuclear Almi­rante Álvaro Alber­to, onde ficam as usi­nas Angra 1, 2 e 3 – esta últi­ma em con­strução – e um cen­tro de infor­mações.

O vis­i­tante encon­tra obje­tos, sim­u­lações e painéis inter­a­tivos pelos quais pode apren­der como fun­cionam as usi­nas nuclear­es. O espaço faz parte de um esforço da Eletronu­clear, estatal que admin­is­tra e opera as usi­nas, para apre­sen­tar a ener­gia nuclear como uma oper­ação limpa e segu­ra.

Entre os obje­tos expos­tos estão uma répli­ca de reator, equipa­men­to da usi­na onde há a fis­são nuclear – divisão do núcleo do urânio. Na répli­ca, é pos­sív­el visu­alizar que o com­bustív­el (pastil­has de urânio) fica empil­ha­do e iso­la­do den­tro de vare­tas, que fun­cionam como uma blindagem.

Cada pastil­ha é um pouco mais grossa que uma moe­da e tem capaci­dade de ener­gia equiv­a­lente a 22 cam­in­hões-tanque car­rega­dos com óleo diesel.

Out­ra demon­stração no cen­tro de infor­mações ilus­tra como a água cap­ta­da no mar é usa­da para res­fri­ar o vapor ger­a­do pela fis­são, porém sem con­ta­to algum com a radi­ação.

Geração

O proces­so de ger­ação de ener­gia con­siste basi­ca­mente em usar o calor emi­ti­do pela fis­são para aque­cer uma quan­ti­dade de água que cir­cu­la pelo reator e ger­ar vapor. Essa água é cap­ta­da em rios, pas­sa por um proces­so de desmin­er­al­iza­ção antes de pas­sar pelo reator e fica em um cir­cuito fecha­do, ou seja, não há per­da, é um proces­so de loop­ing, como nos cha­farizes.

A pressão do vapor ger­a­do aciona as turbinas que ger­am a ener­gia elétri­ca. Para enten­der como o vapor é capaz de “exercer força”, bas­ta pen­sar no que acon­tece com a válvu­la da tam­pa de uma pan­ela de pressão.

Depois de acionar as turbinas, o vapor é con­den­sa­do (pas­sa do esta­do gasoso para líqui­do), e a água vol­ta para o reator. O proces­so de ger­ação de ener­gia é con­sid­er­a­do limpo, uma vez que não se emitem gas­es cau­sadores do efeito est­u­fa.

Combustível

Esse proces­so cria resí­du­os radioa­t­ivos, que pre­cisam ser armazena­dos com segu­rança. “Todas as indús­trias ger­am resí­du­os, nós tam­bém ger­amos. Só que temos a obri­ga­to­riedade de faz­er a guar­da de todo esse mate­r­i­al”, expli­ca o chefe da Divisão de Geren­ci­a­men­to de Rejeitos e Com­bustív­el Usa­do, Rodri­go Vieira da Fon­se­ca.

Um dos prin­ci­pais resí­du­os são as pastil­has de urânio. Após usadas, elas con­tin­u­am pro­duzin­do calor e irra­di­ação. Por isso, quan­do são tro­cadas, pre­cisam ficar anos em pisci­nas de res­fri­a­men­to den­tro da própria usi­na.

Neste ano, pela primeira vez, as usi­nas de Angra ini­cia­ram o proces­so de trans­porte do urânio usa­do das pisci­nas para Unidade de Armazena­men­to Com­ple­men­tar a Seco de Com­bustív­el Irra­di­a­do (UAS). Na práti­ca, isso rep­re­sen­ta que há uma lib­er­ação de espaço nas pisci­nas.

A UAS fica em um ter­reno a céu aber­to a cen­te­nas de met­ros do pré­dio da usi­na. Para serem trans­portadas e armazenadas no novo des­ti­no, são blindadas em grandes toneis de aço preenchi­dos com con­cre­to, chama­dos de Hi-Storm.

A primeira fase de trans­fer­ên­cia teve iní­cio no dia 26 de abril e deve ter­mi­nar em 30 de setem­bro, quan­do serão trans­feri­dos ape­nas os ele­men­tos de Angra 2. A movi­men­tação dos com­bustíveis de Angra 1 para a UAS será em 2025 e em 2026.

“O com­bustív­el usa­do é muito bem con­tro­la­do, de for­ma que os riscos são, prati­ca­mente, mín­i­mos. Tan­to o con­t­role de aces­so das pes­soas, como a própria embal­agem onde estão armazena­dos fornecem essa pro­teção, essa blindagem, de maneira que ninguém fique expos­to”, detal­hou Rodri­go Fon­se­ca à Agên­cia Brasil. A reportagem con­heceu o com­plexo de usi­nas a con­vite da Eletronu­clear.

De acor­do com a estatal, o tipo de armazena­men­to na UAS é sim­i­lar ao usa­do em 70 usi­nas amer­i­canas, sem qual­quer reg­istro de vaza­men­to de mate­r­i­al radioa­t­i­vo. O pro­je­to garante a segu­rança em casos de ter­re­mo­tos, tor­na­dos e inun­dações, entre out­ros aci­dentes.

A primeira fase de trans­fer­ên­cia preencherá a UAS com 15 unidades de Hi-Storm. Após a trans­fer­ên­cia do urânio uti­liza­do em Angra 1, o número será 48. O UAS tem capaci­dade para 72, o que rep­re­sen­ta capaci­dade para até 2045.

Rodri­go Fon­se­ca ressalta que o urânio usa­do não pode ser con­sid­er­a­do um rejeito, pois ain­da há ener­gia nas pastil­has. Inclu­sive, acres­cen­ta Fon­se­ca, alguns país­es têm proces­sos de reci­clagem do mate­r­i­al. O Brasil ain­da não apli­ca essa solução.

Rejeitos

A oper­ação das usi­nas nuclear­es gera rejeitos, como fer­ra­men­tas e uni­formes con­t­a­m­i­na­dos por radi­ação. No cotid­i­ano de Angra 1 e 2, há rig­oroso proces­so de iden­ti­fi­cação de mate­ri­ais con­t­a­m­i­na­dos, para que não haja poluição ambi­en­tal e risco às pes­soas den­tro e fora da cen­tral nuclear.

Esse mate­r­i­al é iso­la­do em tonéis de aço e em pequenos con­têineres para serem lev­a­dos à Cen­tral de Geren­ci­a­men­to de Rejeitos (CGR), um depósi­to for­ma­do por três galpões. Atual­mente há cer­ca de 7,9 mil vol­umes esto­ca­dos no espaço.

O chefe do Depar­ta­men­to de Rejeitos e Pro­teção Radi­ológ­i­ca, John Wag­n­er Ama­rante, con­ta que três princí­pios são obser­va­dos para man­ter a segu­rança do mate­r­i­al con­t­a­m­i­na­do: blindagem, dis­tân­cia e tem­po. “Todo mate­r­i­al radioa­t­i­vo, com o pas­sar do tem­po, tende a ativi­dade cair”.

Os con­teú­dos são mon­i­tora­dos reg­u­lar­mente, e alguns itens, quan­do con­sid­er­a­dos livres de radi­ação, são descar­ta­dos.

Ama­rante reforça que, ape­sar de ter “sub­pro­du­to radioa­t­i­vo”, as usi­nas nuclear­es, difer­ente­mente de out­ras indús­trias especí­fi­cas, “não causam con­t­a­m­i­nação do ar, nem do lençol freáti­co”.

Os galpões de armazena­men­to de rejeitos no com­plexo de Angra têm capaci­dade para até 2030. A Comis­são Nacional de Ener­gia Nuclear (Cnen), órgão reg­u­lador da ativi­dade nuclear no país, tem a respon­s­abil­i­dade de cri­ar reser­vatórios defin­i­tivos para os rejeitos, sejam de usi­nas ou out­ras indús­trias que usam a ativi­dade nuclear, como a med­i­c­i­na e ali­men­tí­cia.

A Cnen coman­da o pro­je­to Cen­tro Tec­nológi­co Nuclear e Ambi­en­tal (Cen­te­na), que cuidará dos resí­du­os defin­i­tivos. De acor­do com descrição do plano, é pre­vis­to um perío­do de oper­ação da insta­lação de 60 anos e de vig­ilân­cia, após seu fechamen­to, de 300 anos.

País­es da Europa, Esta­dos Unidos, Japão, Cor­eia do Sul e África do Sul já têm repositórios de rejeitos radioa­t­ivos.

No Brasil, o pro­je­to está em fase de escol­ha de local de implan­tação. A Agên­cia Brasil procurou a Cnen para obter detal­h­es sobre o anda­men­to, mas não rece­beu retorno.

Caso não haja uma solução da Cnen até 2028, a Eletronu­clear bus­cará uma solução no próprio ter­reno da cen­tral nuclear, “seja por con­strução de novo galpão ou encon­tran­do nova tec­nolo­gia de armazena­men­to”, expli­ca Ama­rante.

Laboratório ambiental

Na cen­tral nuclear, fun­ciona um lab­o­ratório de mon­i­toração ambi­en­tal. Reg­u­lar­mente são feitos testes para ver­i­ficar se há algum tipo de con­t­a­m­i­nação no solo, ar, mar, fau­na e flo­ra, em uma área que vai de Angra dos Reis à viz­in­ha Paraty.

“Não foram encon­tra­dos val­ores sig­ni­fica­tivos que induzam a acred­i­tar que há impactos no meio ambi­ente”, afir­ma, sobre a oper­ação da cen­tral nuclear o super­vi­sor de Pro­teção Radi­ológ­i­ca, Jayme Rodrigues.

As usi­nas Angra 1 e 2 cap­tam 110 mil litros de água do mar por segun­do. Para ter ideia do vol­ume e da veloci­dade: é como se enchesse uma pisci­na olímpi­ca em 30 segun­dos. Essa água pas­sa por um cir­cuito que atua na con­den­sação do vapor ger­a­do pelo reator. Após o proces­so de res­fri­a­men­to, a água do mar é lib­er­a­da nova­mente ao oceano, sem qual­quer con­ta­to físi­co com mate­r­i­al ou sub­stân­cias con­t­a­m­i­nadas.

O deságue é na Pra­ia do Lab­o­ratório, na cos­ta de Angra dos Reis, a 1,2 quilômetro das usi­nas. Por causa do proces­so, a água encon­tra o mar cer­ca de 10º Cel­sius © mais quente que a tem­per­atu­ra do oceano, sendo que não pode, de for­ma algu­ma, super­ar 40º C.

O lab­o­ratório faz anális­es detal­hadas da pra­ia, para con­ferir que a difer­ença de tem­per­atu­ra não este­ja afe­tan­do a vida marí­ti­ma. Como não há morte de espé­cie de peix­es, o impacto ambi­en­tal é con­sid­er­a­do não sig­ni­fica­ti­vo.

Uma vez que a água que deixa as usi­nas não é con­t­a­m­i­na­da, a pra­ia é lib­er­a­da para uso de ban­his­tas. Con­s­ta no local ape­nas uma sinal­iza­ção da peque­na cor­renteza for­ma­da.

Engenharia e treinamento

O super­in­ten­dente adjun­to de Angra 2, Dou­glas Ribeiro Salmon, expli­ca que a segu­rança da oper­ação nuclear é basea­da em uma con­junção de fatores, como engen­haria de blindagem – com pré­dios reforça­dos con­tra vaza­men­tos, maquinário com manutenção con­stante e treina­men­to de mão de obra espe­cial­iza­da.

“O pro­je­to de engen­haria é muito forte, os sis­temas são redun­dantes, a parte eletrôni­ca, os equipa­men­tos têm especi­fi­cação muito alta. Isso tem que estar alin­hado com o treina­men­to e a preparação téc­ni­ca”, ressalta.

As duas usi­nas con­tam com sim­u­ladores das salas de coman­do, que repro­duzem exata­mente o fun­ciona­men­to do “cére­bro” das insta­lações.

Fukushima

Depois do aci­dente na usi­na nuclear de Fukushi­ma, no Japão, em março de 2011, cau­sa­do por um ter­re­mo­to segui­do por tsuna­mi, a Cen­tral Nuclear Almi­rante Álvaro Alber­to criou um pro­je­to para implan­tar novas medi­das de segu­rança nas unidades.

Em 2011, ondas atin­gi­ram ger­adores de ener­gia, o que cau­sou inter­rupção do proces­so de res­fri­a­men­to da usi­na japone­sa.

Em Angra, após estu­dar as fal­has de Fukushi­ma, foi cri­a­do uma espé­cie de quar­tel-gen­er­al de emergên­cia, com ger­adores a diesel, reser­va de diesel e out­ros equipa­men­tos que ficam no alto do Mor­ro do Urubu, per­to das usi­nas. Há uma lig­ação com a cen­tral nuclear, de for­ma que um aci­dente não impeça que o proces­so de res­fri­a­men­to seja inter­rompi­do e cause aci­dentes.

“Foi cri­a­da uma estru­tu­ra jus­ta­mente para poder faz­er frente a um even­to qual­quer que fuja das bases de pro­je­tos nos quais foram con­ce­bidas as usi­nas”, expli­ca o assis­tente da Super­in­tendên­cia de Coor­de­nação da Oper­ação, Ronal­do Car­doso. Ele acres­cen­ta que os pré­dios das usi­nas são reforça­dos com con­cre­to e aço. “Se cair um avião ali, não vai acon­te­cer nada.”

Comunidade

A despeito dos pro­ced­i­men­tos de segu­rança, a existên­cia de riscos de aci­dente faz com que a Eletronu­clear real­ize recor­rentes sim­u­lações de emergên­cia, envol­ven­do fun­cionários, moradores de vilas res­i­den­ci­ais e comu­nidades viz­in­has.

Os exer­cí­cios sim­u­la­dos de reti­ra­da de habi­tantes con­tam com até 1,2 mil pes­soas, incluin­do agentes da usi­na, da prefeitu­ra, defe­sa civ­il, agên­cia reg­u­lado­ra e órgãos ambi­en­tais. De fato, nun­ca foi pre­ciso faz­er uma oper­ação de evac­uação, segun­do a empre­sa. Os grandes bair­ros habita­dos mais próx­i­mos da Cen­tral Nuclear Almi­rante Álvaro Alber­to ficam a cer­ca de 3,5 quilômet­ros.

O chefe da Asses­so­ria de Plane­ja­men­to de Emergên­cia, Fran­cis­co Vil­hena, recon­hece que o fato de a cen­tral nuclear ter aces­so rodoviário ape­nas pela BR-101 é um fator de atenção con­stante, uma vez que são comuns casos de desliza­men­tos na estra­da durante chu­vas fortes.

Segun­do Vil­hena, em casos que desliza­men­tos não iden­ti­fi­ca­dos, é fei­ta uma avali­ação do cenário de risco e, como pre­caução, a usi­na pode ser desli­ga­da. “Você man­tém a tran­quil­i­dade até que a estra­da seja des­ob­struí­da”, diz.

Entre fun­cionários da Eletronu­clear há a per­cepção de que parte da pre­ocu­pação que algu­mas pes­soas têm com a ener­gia nuclear é moti­va­da pela questão de Cher­nobyl, usi­na da anti­ga União Soviéti­ca que sofreu uma explosão em 1986, após um teste mal­suce­di­do e liber­ou uma enorme nuvem radioa­t­i­va que se espal­hou por out­ros país­es da Europa.

Como con­se­quên­cia dire­ta, 31 pes­soas mor­reram. Mas dezenas ou até cen­te­nas de mil­hares perder­am a vida para doenças como o câncer, rela­cionadas aos altos níveis de radi­ação.

Licenciamento

O licen­ci­a­men­to ambi­en­tal para oper­ação da cen­tral nuclear é emi­ti­do pelo Insti­tu­to Brasileiro do Meio Ambi­ente e dos Recur­sos Nat­u­rais Ren­ováveis (Iba­ma), que faz acom­pan­hamen­to con­stante do fun­ciona­men­to das usi­nas.

Em março de 2023, o insti­tu­to apli­cou duas mul­tas a Angra 1 por causa do descarte irreg­u­lar de sub­stân­cia radioa­t­i­va e por des­cumpri­men­to de condi­cio­nante esta­b­ele­ci­da na licença de oper­ação, que foi a comu­ni­cação tar­dia do vaza­men­to.

A grande neces­si­dade de cuida­do con­stante com a oper­ação da usi­na e com o des­ti­no dos rejeitos radioa­t­ivos faz com que gru­pos de ambi­en­tal­is­tas sejam con­trários ao fun­ciona­men­to da cen­tral nuclear. Um dos cole­tivos mais atu­antes da região é Sociedade Angrense de Pro­teção Ecológ­i­ca (Sapê).

Por meio de cam­pan­has, os ativis­tas põem em dúvi­da a eficá­cia dos planos de emergên­cia, citam a questão de haver ape­nas uma rodovia de aces­so e exigem a cri­ação de depósi­to defin­i­ti­vo para os rejeitos radioa­t­ivos.

*A reportagem da Agên­cia Brasil via­jou ao Com­plexo Nuclear em Angra dos Reis/RJ a con­vite da Eletronu­clear

Edição: Nádia Fran­co

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