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“A gente foi defenestrada da política pública”, diz secretária LGBTQIA

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Symmy Larrat afirma que cenário atual é de terra arrasada


Pub­li­ca­do em 25/01/2023 — 12:55 Por Viní­cius Lis­boa — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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A trav­es­ti paraense Sym­my Lar­rat foi nomea­da ontem (24) para a Sec­re­taria Nacional dos Dire­itos das Pes­soas LGBTQIA+, do Min­istério dos Dire­itos Humanos e Cidada­nia. Essa será a segun­da pas­sagem da ativista pela admin­is­tração fed­er­al em menos de 10 anos.

O cenário encon­tra­do por ela, entre­tan­to, é total­mente difer­ente daque­le em que tra­bal­hou na primeira vez, entre 2015 e 2016, quan­do assum­iu a Coor­de­nação-Ger­al de Pro­moção dos Dire­itos LGBT da Sec­re­taria de Dire­itos Humanos da Presidên­cia da Repúbli­ca. A sigla LGBTQIA+ inclui pes­soas lés­bi­cas, gays, bis­sex­u­ais, trav­es­tis, tran­sex­u­ais, queer, inter­sexo e assex­u­ais, entre out­ras cat­e­go­rias.

“A gente tin­ha um prossegui­men­to a um perío­do de ampli­ação da políti­ca públi­ca”, lem­bra em entre­vista à Agên­cia Brasil, na Sem­ana da Vis­i­bil­i­dade Trans. “Hoje, a gente chega em um cenário de ter­ra arrasa­da, em que a gente [pop­u­lação LGBTQIA+] foi defen­estra­da da políti­ca públi­ca”.

A secretária afir­ma que até mes­mo os dados disponíveis no Disque 100, serviço que recebe denún­cias de vio­lações aos dire­itos humanos, mostram a invis­i­bi­liza­ção da pop­u­lação LGBTQIA+ — um “apaga­men­to” que, segun­do ela, tam­bém ocor­reu em áreas como o fomen­to à cul­tura. “A gente não tem mui­ta infor­mação, porque a gente foi apa­ga­da”.

Pioneira

A Secretária Nacional LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos, Symmy Larrat.
Repro­dução: Secretária Nacional LGBTQIA+ do Min­istério dos Dire­itos Humanos, Sym­my Lar­rat. — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Primeira trav­es­ti a ocu­par um car­go no segun­do escalão do gov­er­no fed­er­al, Sym­my Lar­rat afir­ma sen­tir cer­to incô­mo­do com o pio­neiris­mo – uma amostra, segun­do ela, de que ain­da é necessário um lon­go cam­in­ho para inclusão de pes­soas trans em espaços de prestí­gio.

“Falar que é a primeira demar­ca, mas não é algo muito cômo­do pra gente. Dói diz­er que somos as primeiras”, recon­hece ela, que tam­bém foi a primeira trav­es­ti a pre­sidir a Asso­ci­ação Brasileira de Lés­bi­cas, Gays, Bis­sex­u­ais, Trav­es­tis, Tran­sex­u­ais e Inter­sex­os (ABGLT), depois que deixou o gov­er­no fed­er­al.

Após a eleição de 2022, Sym­my colaborou com o Grupo Téc­ni­co de Dire­itos Humanos do Gabi­nete de Tran­sição. O relatório final sobre o tema acu­sou o gov­er­no ante­ri­or de “revi­sion­is­mo do sig­nifi­ca­do históri­co e civ­i­liza­tório dos dire­itos humanos”, além de restrição à par­tic­i­pação social e a baixa exe­cução orça­men­tária, o que cul­mi­nou, entre out­ros prob­le­mas, na descon­tinuidade de políti­cas para a pop­u­lação LGBTQIA+.

Des­de o últi­mo dia 20, o Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia (MDHC) pro­move a cam­pan­ha vir­tu­al “Con­stru­ir para Recon­stru­ir” com o intu­ito de mar­car a sem­ana do Dia da Vis­i­bil­i­dade Trans, cel­e­bra­do no Brasil em 29 de janeiro. A ação, que tem Sim­my Lar­rat como por­ta-voz, acon­tece nas redes soci­ais e con­ta com uma série de pub­li­cações desta­can­do os avanços legais em âmbito nacional, além de exem­p­los inter­na­cionais de refer­ên­cia para o Brasil. O dia 29 de janeiro foi escol­hi­do para lem­brar uma mobi­liza­ção ocor­ri­da, em 2004, na Câmara dos Dep­uta­dos, para a cam­pan­ha “Trav­es­ti e Respeito”, que lev­ou a um inédi­to ato de pes­soas trans no Con­gres­so Nacional.

Con­fi­ra os prin­ci­pais tre­chos da entre­vista con­ce­di­da pela secretária à Agên­cia Brasil:

Agên­cia Brasil: Qual é o retra­to da situ­ação que você encon­trou ao chegar ao gov­er­no fed­er­al?
Sym­my Lar­rat: A gente pas­sou por um proces­so de mui­ta invis­i­bil­i­dade. E o que a gente encon­tra é isso. A gente não tem mui­ta infor­mação, porque a gente foi apa­ga­da do cenário. O que a gente está fazen­do é plane­jar o que podemos con­stru­ir de políti­cas públi­cas, a par­tir do que a gente entende como vis­i­bil­i­dade dessa pop­u­lação.

Agên­cia Brasil: Como você com­para­ria a situ­ação que encon­tra­da na sua out­ra pas­sagem pelo gov­er­no fed­er­al com o cenário de hoje?
Sym­my: A gente tin­ha um prossegui­men­to a um perío­do de ampli­ação da políti­ca públi­ca. Mas tam­bém fui coor­de­nado­ra em um perío­do de mui­ta perseguição. Já esta­va se preparan­do um golpe neste país. Hoje, a gente chega em um cenário de ter­ra arrasa­da, em que a gente foi defen­estra­do da políti­ca públi­ca. Mas, mes­mo com essa perseguição moral do cam­po do ódio, a gente tem um sen­ti­men­to de que a gente pode avançar, porque a gente vem em um cenário de com­posição políti­ca ampla, de retoma­da da democ­ra­cia no país.

Agên­cia Brasil: A sec­re­taria ain­da está em con­strução? Como está esse tra­bal­ho?
Sym­my: A gente está em um momen­to de com­posição. Difer­ente­mente de out­ras sec­re­tarias, nós somos uma sec­re­taria que não exis­tia. A nos­sa equipe ain­da está sendo nomea­da. Juridica­mente, havia um pra­zo que a gente tin­ha que esper­ar. As estru­turas novas lev­am um tem­po para exi­s­tir de fato no sis­tema da Esplana­da. A gente pas­sou por um perío­do de muito plane­ja­men­to e ain­da esta­mos nes­sa parte de plane­ja­men­to, mas a nos­sa equipe começa a chegar. Hoje [ontem] mes­mo fui nomea­da com o nome ofi­cial da sec­re­taria.

Agên­cia Brasil: Qual vai ser o primeiro pas­so da sec­re­taria?
Sym­my: O primeiro pas­so é plane­jar e iden­ti­ficar a fun­do onde a gente foi apa­ga­da, para retomar e plane­jar como faz­er isso. Ago­ra, tem algu­mas emergên­cias que a gente está iden­ti­f­i­can­do des­de a tran­sição, que é a retoma­da da par­tic­i­pação social, que é algo que já está em encam­in­hamen­to. A gente espera ter a retoma­da do Con­sel­ho Nacional [dos Dire­itos das Pes­soas LGBTQIA+] nos próx­i­mos dias, e a elab­o­ração das nor­ma­ti­vas necessárias para a imple­men­tação da decisão do STF acer­ca da homo­trans­fo­bia, que, na nos­sa visão, são emer­gen­ci­ais nesse proces­so. São deman­das muito latentes a que a gente pre­cisa dar encam­in­hamen­to no próx­i­mo perío­do, e a gente já vem con­stru­in­do as pontes necessárias para que isso acon­teça.

Agên­cia Brasil: O con­sel­ho já está com sua com­posição defini­da?
Sym­my: O con­sel­ho não é pub­li­ca­do com os nomes, e, sim, é pub­li­ca­do o decre­to da con­sti­tu­ição do con­sel­ho. Até porque esta­mos con­sti­tuin­do um con­sel­ho novo, a gente não está voltan­do para o que era ante­ri­or­mente. A gente vai ampli­ar o escopo do con­sel­ho. A gente con­sti­tui um con­sel­ho que, inclu­sive em seu nome, traz as LGBTQIA+. Não é mais só com­bate à dis­crim­i­nação. É um con­sel­ho que vai sair com­ple­ta­mente do armário.

Agên­cia Brasil: As nor­ma­ti­vas sobre a homo­trans­fo­bia vão ori­en­tar o com­bate a esse crime?
Sym­my: O gov­er­no tem que diz­er como as unidades da fed­er­ação têm que atu­ar. A gente tem que diz­er como é o atendi­men­to, como é a tip­i­fi­cação, que cam­pos têm que exi­s­tir na denún­cia. São nor­ma­ti­vas no cam­po do atendi­men­to, do sis­tema, da inves­ti­gação, quais encam­in­hamen­tos têm que se dar. É uma ori­en­tação para que a gente con­si­ga isso, na estru­tu­ra da segu­rança públi­ca e da justiça. O gov­er­no fed­er­al tem que pas­sar uma ori­en­tação para todo o sis­tema de segu­rança do país.

Agên­cia Brasil: As maiores con­quis­tas da pop­u­lação LGBQTIA+ no Brasil se der­am via Judi­ciário. Como o Poder Exec­u­ti­vo pode for­t­ale­cer essas con­quis­tas e garan­ti-las de pos­síveis ataques?
Sym­my: As prin­ci­pais decisões do STF [Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al] acon­te­ce­r­am nesse perío­do, sobre­tu­do a per­mis­são de reti­fi­cação de nome e gênero [2018] e a crim­i­nal­iza­ção da homo­trans­fo­bia [2019]. Primeiro, o gov­er­no desse perío­do se colo­cou como con­trário. E, segun­do, ele não criou na sua área de respon­s­abil­i­dade os cam­in­hos para que isso acon­te­cesse. A nos­sa pos­tu­ra tem que estar jus­ta­mente aí. Se tem a crim­i­nal­iza­ção da homo­trans­fo­bia, o nos­so papel de gestão é diz­er como ela vai ser exe­cu­ta­da. Não teve, até hoje, nen­hu­ma nor­ma­ti­va que explique aos esta­dos como eles devem faz­er. Assim como na reti­fi­cação não hou­ve um diál­o­go com o sis­tema de justiça para que a gente diga como vamos dar con­ta de pro­mover o aces­so da pop­u­lação a esse serviço. É nesse lugar que quer­e­mos atu­ar.

Agên­cia Brasil: O cus­to e a buro­c­ra­cia para reti­fi­cação são queixas con­stantes da pop­u­lação trans. Está sendo dis­cu­ti­da uma for­ma de tornar o proces­so mais fácil?
Sym­my: A gente tem que ini­ciar um diál­o­go. A nor­ma­ti­va foi fei­ta exclu­si­va­mente pelo Con­sel­ho Nacional de Justiça. O nos­so papel é dialog­ar com esse sis­tema, porque isso é respon­s­abil­i­dade de out­ro poder. O que a gente pode pen­sar é em como facil­i­tar o aces­so das pes­soas a essas deman­das e a essas exigên­cias. E é isso que a gente vai faz­er. Então, a gente vai esta­b­ele­cer o diál­o­go com o sis­tema de justiça para enten­der como a gente pode facil­i­tar. E tem out­ras coisas que podem ser feitas via Exec­u­ti­vo: se a gente olha a rede de assistên­cia social, a gente sabe que existe isenção para cer­tos doc­u­men­tos, e isso não está sendo aces­sa­do pela pop­u­lação trans­gên­era. Então, a gente tem que debater ess­es dois aspec­tos.

Agên­cia Brasil: Qual foi o pre­juí­zo desse apaga­men­to da pop­u­lação LGBTQIA+ na área da cul­tura e o que pode ser feito para revert­er isso?
Sym­my: O pre­juí­zo é gigan­tesco, porque é a cul­tura e a edu­cação que con­seguem faz­er uma mudança, uma dis­pu­ta de sociedade. É através dess­es ele­men­tos. Para nós, foi uma per­da gigan­tesca não estar ocu­pan­do esse espaço. Mas algu­mas estraté­gias eu acho inter­es­santes: a primeira é a retoma­da da par­tic­i­pação social em todas essas áreas. A cul­tura tin­ha um comitê téc­ni­co LGBTQIA+, que aju­da­va, den­tro da estru­tu­ra dos min­istérios, a iden­ti­ficar onde a gente podia avançar, colab­o­rar e exi­s­tir. E a out­ra é a mudança na con­dução desse proces­so. Quan­do a gente vê uma min­is­tra como a Mar­gareth Menezes, que sem­pre fez cam­pan­has con­tra a vio­lên­cia con­tra a pop­u­lação LGBTQIA+ no perío­do do car­naval, a gente tem a con­fi­ança de que essa pos­tu­ra vai ser alter­a­da com mui­ta bre­v­i­dade.

Agên­cia Brasil: Há uma pre­ocu­pação con­stante de ativis­tas e pesquisadores sobre a saúde men­tal da pop­u­lação LGBTQIA+. Esse é um dos pon­tos pri­or­itários?
Sym­my: A saúde men­tal sem­pre foi um tema muito impor­tante, mas é um tema que tem que vir trans­ver­salmente. Quan­do a gente fala de cul­tura, a gente tam­bém está falan­do de saúde men­tal, por exem­p­lo. E no que con­cerne ao atendi­men­to de pon­ta, eu acho que a gente tem que retomar um inves­ti­men­to em algu­mas áreas que aten­di­am no cam­po da saúde men­tal, como o proces­so tran­sex­u­al­izador, a vol­ta do inves­ti­men­to em cen­tros de acol­hi­men­to à pop­u­lação LGBTQIA+, e debater o atendi­men­to da pop­u­lação em todos os espaços de saúde. Debater no cam­po da saúde, é debater a saúde inte­gral, em todos os aspec­tos da saúde, inclu­sive a saúde men­tal.

Agên­cia Brasil: Que men­sagem você gostaria que seu pio­neiris­mo, como primeira pes­soa trans a ocu­par um car­go no segun­do escalão do gov­er­no fed­er­al, deix­as­se para a pop­u­lação tran­sex­u­al?
Sym­my: Primeiro, as pes­soas têm que saber que quan­do a gente é a primeira, a gente só afir­ma esse dis­cur­so para demar­car um lugar. Eu, par­tic­u­lar­mente, gostaria que a gente não fos­se a úni­ca, e que a gente não ocu­passe só as pas­tas LGBTQIA+. Eu quero que as nos­sas pau­tas ocu­pem todos os out­ros espaços. Eu quero que, daqui a alguns anos, a gente comece a perce­ber que a gente não é mais a primeira nem a úni­ca, mas, sim, várias nesse lugar. Falar que é a primeira demar­ca, mas não é algo muito cômo­do pra gente. Dói diz­er que somos as primeiras. A gente pre­cisa pro­mover uma ocu­pação dessas pes­soas em diver­sos lugares, para que a gente olhe para trás e recon­heça a primeira, mas veja que somos muitas ness­es lugares. É nesse lugar que a gente quer chegar.

Edição: Lílian Beral­do

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