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“Abusamos do direito de errar”, diz biólogo sobre Baía de Guanabara

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mario Moscatelli trabalha há mais de 20 anos para restaurar a região


Pub­li­ca­do em 17/09/2023 — 09:47 Por Léo Rodrigues – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Há mais de 20 anos, o pesquisador, biól­o­go e ativista Mário Moscatel­li deu os primeiros pas­sos de um tra­bal­ho visan­do a restau­ração de uma área de mangue no bair­ro Jardim Gra­ma­cho, em Duque de Cax­i­as, na Baix­a­da Flu­mi­nense. O pro­je­to era desafi­ador, já que a degradação do ecos­sis­tema local havia sido influ­en­ci­a­da por décadas de fun­ciona­men­to do lixão de Gra­ma­cho, que só foi desati­va­do em 2012.

Para levar adi­ante seu obje­ti­vo, o biól­o­go con­seguiu artic­u­lar parce­rias com órgãos públi­cos, enti­dades do ter­ceiro setor e empre­sas pri­va­dos. Hoje, o suces­so do pro­je­to – que já recu­per­ou 130 hectares de flo­res­ta – traz bene­fí­cios dire­tos para a Baía de Gua­n­abara.

“São exten­sas áreas de manguezais que estão tra­bal­han­do gra­tuita­mente para a região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro. Elas tiram nitrogênio e fós­foro das águas con­t­a­m­i­nadas por esgo­to, tiram car­bono da atmos­fera”, diz.

A recu­per­ação de áreas como essa tem sido apon­ta­da como estratég­i­ca para o enfrenta­men­to de prob­le­mas ambi­en­tais, con­tribuin­do inclu­sive para o com­bate ao aque­c­i­men­to glob­al. Em jul­ho, um estu­do real­iza­do na Uni­ver­si­dade do Esta­do do Rio de Janeiro (UERJ) con­cluiu que um con­jun­to de manguezais situ­a­dos em baías flu­mi­nens­es – da Ilha Grande, de Sepeti­ba, de Gua­n­abara e de Jacarepaguá – evi­tam a lib­er­ação de 25 mil­hões de toneladas de car­bono para a atmos­fera.

Manguezais da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim e Estação Ecológica da Guanabara, região hidrográfica da Baía de Guanabara.
Repro­dução: Manguezais da Área de Pro­teção Ambi­en­tal (APA) de Guapi-Mir­im e Estação Ecológ­i­ca da Gua­n­abara, região hidro­grá­fi­ca da Baía de Gua­n­abara — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Moscatel­li tem uma car­reira ded­i­ca­da a causas ambi­en­tais. Todo o seu envolvi­men­to na recom­posição do manguezal está dire­ta­mente lig­a­do à luta por uma Baía de Gua­n­abara limpa e sus­ten­táv­el. Ele acom­pan­hou de per­to os vari­a­dos pro­je­tos desen­volvi­dos des­de os anos 1990 e obser­va que din­heiro não fal­tou. “Nós abusamos do dire­ito de errar”, afir­mou em entre­vista para a Agên­cia Brasil.

Para o biól­o­go, má gestão de recur­sos públi­cos e obras inefi­cazes, que não cumpri­ram as promes­sas, mar­cam os esforços de despoluir a Baía de Gua­n­abara. Ele elen­ca as prin­ci­pais causas para a situ­ação críti­ca do cor­po hídri­co. “Esta­mos falan­do do cresci­men­to urbano des­or­de­na­do e da fal­ta de sanea­men­to uni­ver­sal­iza­do”, expli­ca, ao men­cionar tam­bém a poluição indus­tri­al.

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Há pouco mais de duas sem­anas, o gov­er­no flu­mi­nense lançou o pro­gra­ma Gua­n­abara Azul para incen­ti­var a bioe­cono­mia e para esta­b­ele­cer uma nova gov­er­nança capaz de enfrentar os prob­le­mas. Moscatel­li avalia que a ini­cia­ti­va indi­ca uma von­tade políti­ca, o que é essen­cial para lidar com os desafios, mas cobra ações práti­cas para que não se repi­ta a exper­iên­cia de out­ros pro­je­tos: uma imen­sa pro­dução de relatórios que não se des­do­bram em bene­fí­cios.

“Nós sabe­mos que a Baía de Gua­n­abara está doente. Sabe­mos tam­bém quais são os agentes dessa degradação. Ou seja, con­hece­mos o doente, o crime e o crim­i­noso. Pre­cisamos de ações conc­re­tas e tam­bém uma fis­cal­iza­ção espar­tana con­tra os delin­quentes ambi­en­tais. Eles se sen­tem mui­ta à von­tade para degradar porque, na relação de cus­to-bene­fí­cio, o cus­to tem sido muito pequeno em relação ao bene­fí­cio. Quan­do tiv­er dono de empre­sa sendo pre­so, empre­sa sendo fecha­da e pagan­do mil­hões de reais rever­tidos para recu­per­ação ambi­en­tal, aí essa tur­ma vai se enquadrar. Não por con­sciên­cia, mas por medo”.

Expectativas

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, preside sessão deliberativa para tentar votar o projeto de lei (PL 3261/2019) que atualiza o marco legal do saneamento básico no país.
Repro­dução: O pres­i­dente da Câmara, Rodri­go Maia, pre­side sessão delib­er­a­ti­va que aprovou o mar­co legal do sanea­men­to bási­co no país — Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Em 2020, o Con­gres­so Brasileiro aprovou o novo Mar­co Legal do Sanea­men­to, abrindo cam­in­ho para que os serviços até então sob gestão da Com­pan­hia Estad­ual de Águas e Esgo­tos (Cedae) fos­sem repas­sa­dos à ini­cia­ti­va pri­va­da. O leilão ocor­reu com a fix­ação de novas metas. As empre­sas vence­do­ras vão explo­rar a ativi­dade por 35 anos e se com­pro­m­e­ter­am com uma série de medi­das para uni­ver­salizar o sanea­men­to bási­co até 2033.

A con­ces­sionária Águas do Rio assum­iu os tra­bal­hos em 33 cidades flu­mi­nens­es, incluin­do parte da cap­i­tal. Out­ra parte da cidade do Rio de Janeiro e mais dois municí­pios ficaram com o con­sór­cio Ingá. Emb­o­ra seja defen­sor da mudança, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduar­do Paes, chegou a aler­tar no ano pas­sa­do que os resul­ta­dos só apare­cerão se o poder públi­co fis­calizar dev­i­da­mente a imple­men­tação dos com­pro­mis­sos assum­i­dos.

“Será o paraí­so se cumprir as metas. Vamos ter as pra­ias limpas, vamos ter as fave­las com sanea­men­to, vamos res­gatar as lagoas e a Baía de Gua­n­abara”, disse.

Segun­do o biól­o­go, a expec­ta­ti­va é de que ocor­ram mel­ho­ras com o cumpri­men­to das metas esta­b­ele­ci­das. No entan­to, ele avalia que só isso não é sufi­ciente. “A con­ta não vai fechar se as prefeituras não fis­calizarem o uso e a ocu­pação do solo. Porque as con­ces­sionárias vão estru­tu­rar uma mal­ha de cole­ta de esgo­to que ficará sem­pre atrás do cresci­men­to urbano des­or­de­na­do”, diz.

Para ele, é pre­ciso que as prefeituras sejam pres­sion­adas para garan­tir a orde­nação do uso do solo, que é uma atribuição legal. “Simul­tane­a­mente, os gov­er­nos fed­er­al e estad­ual devem colo­car recur­sos para a políti­ca habita­cional aten­den­do deman­das das class­es menos favore­ci­das. Temos um déficit muito grande de habitações e os inves­ti­men­tos são esporádi­cos, não são con­tín­u­os. Então a fal­ta de orde­nação do solo e inex­istên­cia de uma políti­ca habita­cional efe­ti­va ger­am o cresci­men­to urbano des­or­de­na­do. A rede de cole­ta de esgo­to não con­segue acom­pan­har esse cresci­men­to. E quem paga a con­ta é o ambi­ente”.

Melhoras pontuais

Des­de a aprovação do novo Mar­co Legal do Sanea­men­to em, algu­mas inter­venções já foram real­izadas. Há dois meses, as con­ces­sionárias rece­ber­am a licença do Insti­tu­to Estad­ual do Ambi­ente (Inea) para dar iní­cio a novas obras. Elas envolvem os Sis­temas de Cole­tores de Tem­po Seco (CTS) que terão como obje­ti­vo reter o esgo­to lança­do irreg­u­lar­mente em redes de águas plu­vi­ais, evi­tan­do que a poluição alcance a Baía de Gua­n­abara e o com­plexo lagu­nar de Jacarepaguá, na zona oeste da cap­i­tal. Foram pre­vis­tos inves­ti­men­tos de R$ 2,7 bil­hões.

Praia do Flamengo na zona sul do Rio de Janeiro
Repro­dução: Pra­ia do Fla­men­go na zona sul do Rio de Janeiro — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Algu­mas inter­venções pare­cem ter dado resul­ta­do. Em jul­ho, notí­cias envol­ven­do as condições de bal­ne­abil­i­dade da Pra­ia do Fla­men­go sur­preen­der­am a pop­u­lação car­i­o­ca. Segun­do as medições do Inea, ela esteve própria para o ban­ho em 89% das cole­tas do mês. Um cenário inimag­ináv­el há um ou dois anos.

“Nós tive­mos algu­mas boas notí­cias na Pra­ia de Botafo­go, na Pra­ia do Fla­men­go e na Ilha de Paque­tá. É uma respos­ta às inter­venções da nova con­ces­sionária. Eu vejo tre­chos sendo mel­ho­ra­dos. Mas para ver uma difer­ença glob­al em toda a Baía de Gua­n­abara pre­cisamos de mui­ta coisa. Pen­so que é algo para 15 anos. Mas para isso é pre­ciso ação”.

Edição: Denise Griesinger

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