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Admitir indígena na ABL é admitir 200 línguas diferentes, diz Krenak

Repro­dução: © Wikimedia/Coletivo Gara­pa

Escritor e filósofo se disse “muito surpreso” com escolha de seu nome


Pub­li­ca­do em 07/10/2023 — 08:37 Por Bruno de Fre­itas Moura – Repórter da Agên­cia Brasil* — Rio de Janeiro

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O mais novo imor­tal da Acad­e­mia Brasileira de Letras (ABL), o escritor, filó­so­fo e ativista Ail­ton Kre­nak con­sid­era sur­preen­dente a eleição dele para uma insti­tu­ição que res­guar­da a lín­gua por­tugue­sa. Kre­nak será o primeiro indí­ge­na a ocu­par uma cadeira na ABL. Ele foi eleito na noite de quin­ta-feira (5), com 23 votos.  

“A acad­e­mia é de lín­gua por­tugue­sa, então, admi­tir o Ail­ton lá é admi­tir mais ou menos 200 lín­guas difer­entes”, disse à Agên­cia Brasil e Rádio Nacional.

“Isso não é brin­cadeira, é como se a acad­e­mia tivesse se abrindo para uma mul­ti­pli­ci­dade de diál­o­gos que impli­caria traduzir os tex­tos para dezenas de lín­guas nati­vas”, obser­va o escritor que com­ple­tou 70 anos no últi­mo dia 29.

Ail­ton Kre­nak se disse “muito sur­pre­so” com a escol­ha de seu nome para a cadeira de número 5 da acad­e­mia: “eu fiquei muito sur­pre­so com a min­ha admis­são neste lugar que, his­tori­ca­mente, nun­ca se abriu para a diver­si­dade das cul­turas dos povos orig­inários”.

Um fato que con­fir­ma a sur­pre­sa é que o escritor não acom­pan­hou a votação na sede da ABL. Ele esta­va em um táxi, quan­do rece­beu a lig­ação do pres­i­dente da acad­e­mia, Mer­val Pereira, com a notí­cia de que fora eleito.

Para o mineiro de Itabir­in­ha, na região do Vale do Rio Doce, o resul­ta­do da eleição rompe uma tradição na ABL. “A acad­e­mia é uma insti­tu­ição da luso­fo­nia, da lín­gua por­tugue­sa, ela vigia o bom desen­volvi­men­to da lín­gua por­tugue­sa. O Brasil é um país col­o­niza­do onde eu nasci, onde out­ros par­entes nasce­r­am de várias etnias”, diz.

Direito na Constituição

Autor das obras Ideias para adi­ar o fim do mun­do (2019), A vida não é útil (2020), Futuro ances­tral (2022) e Lugares de origem (2021), entre out­ras, Kre­nak é ativista socioam­bi­en­tal e pelos dire­itos dos povos indí­ge­nas. Um dos mar­cos na tra­jetória dele foi o dis­cur­so que fez na Assem­bleia Con­sti­tu­inte, em Brasília, em 1987.

Rep­re­sen­tan­do a União das Nações Indí­ge­nas, ele subiu à tri­buna de ter­no claro e pin­tou o ros­to de pre­to em uma críti­ca ao que clas­si­fi­ca­va como pos­tu­ra anti-indí­ge­na nas dis­cussões par­la­mentares. Foi uma voz ati­va para que a car­ta magna brasileira garan­tisse os dire­itos indí­ge­nas à cul­tura e à ter­ra.

A eleição para a ABL acon­te­ceu jus­ta­mente no dia em que a Con­sti­tu­ição com­ple­tou 35 anos. Pas­sadas essas três décadas e meia, Kre­nak avalia que a Con­sti­tu­ição Cidadã é fun­da­men­tal para os povos orig­inários. Ele ressalta o papel do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) para o cumpri­men­to dos dire­itos garan­ti­dos pela lei. “Se não fos­se assim, os povos indí­ge­nas teri­am sido trit­u­ra­dos”.

Exemplo

Pre­ocu­pa­do com o lega­do para rep­re­sen­tantes de comu­nidades indí­ge­nas, o novo imor­tal diz que não deixa uma men­sagem, mas sim, exem­p­lo.

“A gente não deixa men­sagem, deixa exem­p­lo. Quem con­vive comi­go, out­ros jovens indí­ge­nas, cri­anças, meus netos, eles têm o meu exem­p­lo, eles que escol­ham o que querem faz­er”.

Novas gerações

A tra­jetória de Kre­nak inspi­ra out­ros artis­tas de ori­gens indí­ge­nas. Um deles é a ativista e artista visu­al Daiara Tukano. “Ele é um pen­sador de Brasil e sua flecha é afi­a­da”, disse à Agên­cia Brasil.

Para Daiara, o acol­hi­men­to de Kre­nak pela ABL sig­nifi­ca “muito mais que a chega­da da primeira pes­soa indí­ge­na nesse grupo his­tori­ca­mente fecha­do e dom­i­na­do por home­ns bran­cos”.

“Ail­ton tem a rara qual­i­dade de ser um cor­po cole­ti­vo de ter­ritório e pen­sa­men­to. Cam­in­ha acom­pan­han­do as histórias de muitos povos e embal­a­do nas vozes dos rios, das flo­restas e da própria natureza. Sua pro­dução é mais que literária: car­rega a força da oral­i­dade que bate na alma ao declarar que o aman­hã não está à ven­da, que a vida não é útil e o futuro é ances­tral”, disse a artista plás­ti­ca, inspi­ra­da em nomes de obras do novo imor­tal.

“Ele está espal­han­do sementes que con­seguem segu­rar a ter­ra no seu lugar, que nos per­mitem pen­sar em out­ros futur­os”, con­clui Daiara, que espera ver mais rep­re­sen­tantes de mino­rias eleitos para a ABL, para que a pop­u­lação brasileira “de fato, se recon­heça”.

“Que pos­sam vir não ape­nas os indí­ge­nas. Eu quero ver o mestre Antônio Bis­po, com o pen­sa­men­to quilom­bo­la, con­tra­colo­nial, a Con­ceição Evaris­to, uma mul­her negra, uma filó­so­fa”, con­clui.

A eleição des­ta sem­ana na ABL foi mar­ca­da pelo fato de ter dois can­didatos rep­re­sen­tantes de mino­rias. O tam­bém indí­ge­na Daniel Munduruku ficou em ter­ceiro lugar, com qua­tro votos. A his­to­ri­ado­ra Mary Del Pri­ore obteve 12.

A posse de Kre­nak ain­da não está mar­ca­da, mas deve ocor­rer em 2024, segun­do infor­mações da ABL. A cadeira número cin­co, era ocu­pa­da por José Muri­lo de Car­val­ho, mor­to em 13 de agos­to de 2023.

 

*Colaborou Cris­tiane Ribeiro, repórter da Rádio Nacional

Edição: Denise Griesinger

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