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Agência Brasil explica o que são cuidados paliativos

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Expressão é entendida, muitas vezes, de forma errada


Pub­li­ca­do em 21/11/2022 — 06:32 Por Cami­la Maciel — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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É comum que a expressão “cuida­dos palia­tivos” seja enten­di­da muitas vezes de for­ma erra­da, como uma sen­tença de morte, quan­do não há nada mais a ser feito. Essas for­mas de se referir a essa assistên­cia, tão impor­tante em situ­ações de doenças que ameaçam a con­tinuidade da vida, reduzem a com­preen­são abrangente que o cuida­do per­mite.

Espe­cial­is­tas ouvi­dos pela Agên­cia Brasil desta­cam que essa abor­dagem dev­e­ria estar pre­sente des­de o momen­to do diag­nós­ti­co de uma doença grave e que uma boa comu­ni­cação entre pacientes, médi­cos e famil­iares é o mel­hor cam­in­ho para a toma­da de decisão ness­es proces­sos.

Rena­ta Fre­itas, dire­to­ra do Hos­pi­tal do Câncer IV, do Insti­tu­to Nacional do Câncer (Inca), unidade espe­cial­iza­da em cuida­dos palia­tivos, avalia que a própria lín­gua por­tugue­sa prej­u­di­ca o entendi­men­to. “A gente con­hece como palia­ti­vo aqui­lo que não tem jeito. Por exem­p­lo: ‘ele fez só um palia­ti­vo, depois vem alguém aqui e con­ser­ta’. É a nos­sa ideia do que sig­nifi­ca esse ter­mo, mas é uma expressão impor­ta­da. No exte­ri­or, não existe essa cono­tação de que não há nada mais a faz­er”, expli­ca.

Para Karen Holzbech­er, que acom­pan­ha a mãe, Amalia, de 86 anos, não foi fácil rece­ber o encam­in­hamen­to para os cuida­dos palia­tivos. “Meu coração esta­va super aper­ta­do, porque eu não que­ria tomar uma decisão e diz­er: ‘eu quero que seja feito isso’”, lem­brou. A con­ver­sa com os profis­sion­ais de saúde e com a família aju­daram a enten­der aque­le momen­to. “Eu pedi a Deus para que ilu­mi­nasse tudo, mas eu achei que foi a mel­hor solução. O médi­co foi muito queri­do. Ele falou para mim que ela pode­ria ficar na mesa de cirur­gia, além de ter que usar fral­da a vida toda.”

Há dois anos, Amalia Holzbech­er, diag­nos­ti­ca­da em 2019 com câncer no reto, é acom­pan­ha­da men­salmente pelo Inca na unidade respon­sáv­el pelos cuida­dos palia­tivos. “Eu sem­pre incluo ela nas decisões, em todas. Eu acho que isso faz bem e é muito impor­tante que a pes­soa se sin­ta ouvi­da. A pes­soa não mor­reu, enten­deu?”, afir­ma Karen. Em uma roti­na acom­pan­ha­da pelas fil­has, Amalia tem mobil­i­dade com a aju­da de uma ben­gala. “Eu brin­co. Ela diz: ‘eu que­ria uma água’. Eu falo: ‘vai lá na geladeira pegar’. Para loco­mover, né? Ela vai e faz. Quer diz­er para o prob­le­ma que tem, ela está mar­avil­hosa”, rela­ta.

Conceito

Em 2002, a Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde (OMS) atu­al­i­zou a definição de cuida­dos palia­tivos a par­tir do con­ceito surgi­do em 1990. “Cuida­dos palia­tivos con­sis­tem na assistên­cia pro­movi­da por uma equipe mul­ti­dis­ci­pli­nar, que visa à mel­ho­ria da qual­i­dade de vida do paciente e seus famil­iares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da pre­venção e alívio do sofri­men­to, por meio de iden­ti­fi­cação pre­coce, avali­ação impecáv­el e trata­men­to de dor e demais sin­tomas físi­cos, soci­ais, psi­cológi­cos e espir­i­tu­ais”, diz o tex­to da orga­ni­za­ção.

O geri­atra Toshio Chi­ba, chefe do Serviço de Cuida­dos Palia­tivos do Insti­tu­to do Câncer do Esta­do de São Paulo (Ice­sp), desta­ca que os cuida­dos palia­tivos se apli­cam des­de o diag­nós­ti­co, com decisões como a escol­ha do trata­men­to, de inva­si­bil­i­dade, sobre o que faz­er quan­do a doença não for passív­el de trata­men­to cura­ti­vo, entre out­ras. Ele acres­cen­ta que ess­es cuida­dos, emb­o­ra não este­jam dire­ciona­dos à cura, são capazes de con­ter a pro­gressão da doença e tam­bém de per­mi­tir con­for­to e qual­i­dade de vida ao paciente.

“Já exis­tem dados de que quan­to mais pre­co­ce­mente uma equipe de cuida­do entrar na assistên­cia ao paciente e à sua família den­tro desse cenário, dessa lin­ha de cuida­do da doença, maior a pos­si­bil­i­dade não só de aumen­tar a qual­i­dade de vida do doente, como tam­bém de impacto na sobre­v­i­da”, expli­ca a dire­to­ra do Inca. Ela lem­bra que o cuida­do palia­ti­vo está dire­ta­mente rela­ciona­do à decisão com­par­til­ha­da. “Eu não pos­so diz­er para o out­ro o que é qual­i­dade de vida para ele”.

Nesse sen­ti­do, um plano de cuida­do bus­ca iden­ti­ficar questões como: quais são os val­ores do paciente, quais as crenças dele, quais as condições obje­ti­vas dele. “Levan­do-se em con­sid­er­ação que, nor­mal­mente, as questões de cog­nição, de entendi­men­to, acabam pio­ran­do com o agrava­men­to da doença é impor­tante que essas con­ver­sas sejam ini­ci­adas logo no iní­cio do acom­pan­hamen­to para que isso seja reg­istra­do em pron­tuário e aqui­lo fique ano­ta­do: quais são os dese­jos daque­le paciente”, acres­cen­ta Rena­ta.

Chi­ba lem­bra que é pre­ciso sen­si­bil­i­dade ao abor­dar essas questões. “Não pre­cisa ser num even­to só, pode ser algo proces­su­al ou em eta­pas, con­hecen­do a pes­soa, con­hecen­do a família dessa pes­soa para abor­dar de uma for­ma ade­qua­da e poder aju­dar nas decisões. Não para ator­men­tar, falan­do das duras real­i­dades, e empurrar a decisão para a família ou para o próprio paciente”, aler­ta o espe­cial­ista.

Lucas, que acom­pan­ha a mãe Alda Oliveira da Con­ceição, de 76 anos, tam­bém aten­di­da no Inca, con­ta que a sen­si­bil­i­dade dos profis­sion­ais foi fun­da­men­tal para a família. “Em momen­to algum eles usaram o ter­mo ‘ter­mi­nal’ ao se referir ao trata­men­to da min­ha mãe. Isso me deixou muito alivi­a­do e ela se sen­tiu bem mais con­fortáv­el para lidar com a situ­ação”, afir­ma. A doença foi diag­nos­ti­ca­da há 12 anos e, segun­do o fil­ho, vem pro­gredin­do, mas hoje a mãe “não se queixa de dores ou muitos incô­mo­d­os”. Ela está há dois anos em cuida­dos palia­tivos e recebe “vis­i­tas sem­anais de profis­sion­ais diver­sos e ded­i­ca­dos”.

Procedimentos

O médi­co do Ice­sp expli­ca que alguns princí­pios aju­dam a definir a con­du­ta jun­to aos pacientes. “Respeito à autono­mia, a gente bus­ca faz­er com que haja o mín­i­mo de male­fí­cios das inter­venções, evi­tar trata­men­tos fúteis: ‘Ah, vamos faz­er porque tem no mer­ca­do esse exame ou aque­le pro­ced­i­men­to’. Não. Vamos nos basear em evidên­cia”, pon­dera.

Para Chi­ba, no entan­to, não se tra­ta de um cardá­pio de fast food a ser apre­sen­ta­do pelos profis­sion­ais para que a família deci­da. “[Tra­ta-se] de escol­her o recur­so ade­qua­do para prop­i­ciar qual­i­dade de vida ao paciente por meioi de uma comu­ni­cação bem ade­qua­da e decidir de for­ma proa­t­i­va jun­to com os famil­iares”.

Ele reforça a importân­cia de uma boa comu­ni­cação. “Não é empurrar para os famil­iares só porque é dire­ito deles ou do paciente decidir. A gente pre­cisa ter uma con­ver­sa sufi­cien­te­mente esclare­ce­do­ra para ten­tar faz­er o mel­hor e que seja ade­qua­da para aque­la situ­ação per­son­al­iza­da, não dá para colo­car basea­da em con­du­ta médi­ca”, diz.

O geri­atra lamen­ta que essa abor­dagem ain­da seja incip­i­ente. “Todo mun­do tem algu­ma história para con­tar, na UTI ou no pron­to-socor­ro, em que a gente leva os famil­iares e não é ouvi­do, e vamos adotan­do as con­du­tas do jeito que não era esper­a­do ou com­preen­di­do. O proces­so de comu­ni­cação da doença, ou da fase agu­da de uma doença que neces­si­ta dessas con­du­tas, como pron­to-atendi­men­to, a UTI ou uma enfer­maria, está, muitas vezes, desprovi­da dessa atenção, que chamamos de cuida­dos palia­tivos”.

Cuidado multidisciplinar

Rena­ta reforça que os cuida­dos são feitos por equipe volta­da para uma abor­dagem mul­ti­di­men­sion­al. “Acred­i­tan­do que não exis­tem só os aspec­tos de sofri­men­to físi­co rela­ciona­dos àquela doença, há toda uma dimen­são psi­cológ­i­ca, espir­i­tu­al, social que vem jun­to com as dimen­sões físi­cas daque­le sofri­men­to e que essa abor­dagem deve ser fei­ta por uma equipe mul­ti­profis­sion­al des­de o diag­nós­ti­co”.

De acor­do com a médi­ca, entre as pes­soas envolvi­das estão médi­co, enfer­meiro, téc­ni­co de enfer­magem, psicól­o­go, assis­tente social, fisioter­apeu­ta, nutri­cionista, fonoaudiól­o­go, far­ma­cêu­ti­co, o pes­soal de capela­nia, vol­un­tários e o pes­soal admin­is­tra­ti­vo.

Diante das condições de cada serviço, ela ressalta que há uma equipe mín­i­ma. “Seria médi­co, enfer­meiro, psicól­o­go e um assis­tente social, mas o ide­al é que os serviços ten­ham aces­so a ess­es diver­sos profis­sion­ais para que a atenção seja real­mente inte­gral”, reforça.

Segun­do Rena­ta, exis­tem basi­ca­mente três for­matos para os cuida­dos palia­tivos. “O inte­gra­do é quan­do o grupo de cuida­do palia­ti­vo entra com a equipe que, den­tro da oncolo­gia, a gente chama de ter­apias mod­i­fi­cado­ras da doença, que são a inter­venção cirúr­gi­ca, a radioter­apia, a quimioter­apia. A equipe que está fazen­do trata­men­to da doença oncológ­i­ca atua jun­to com a de cuida­do palia­ti­vo des­de o diag­nós­ti­co”.

Em relação ao for­ma­to da ofer­ta pre­coce, a OMS ori­en­ta que ele seja ofer­e­ci­do até oito sem­anas do diag­nós­ti­co. “Você tem ali um perío­do para dar ao paciente aces­so à equipe de cuida­do palia­ti­vo tam­bém”, esclarece.

Existe ain­da a ofer­ta basea­da na neces­si­dade assis­ten­cial, que con­sid­era o fato de que muitos dos serviços não vão ter equipe sufi­ciente para cuidar das pes­soas des­de o iní­cio. Ess­es gru­pos, então, orga­ni­zam indi­cadores a par­tir dos sin­tomas. Os doentes com alta deman­da são encam­in­hados aos cuida­dos palia­tivos, e aque­les com poucos sin­tomas são trata­dos pela equipe gen­er­al­ista.

Atendimento no Inca

Os pacientes admi­ti­dos no Inca, no Rio de Janeiro, podem ser aten­di­dos em três unidades de acor­do com a topografia do tumor. “O HC3, por exem­p­lo, é a unidade que cui­da de pacientes com câncer de mama, o HC2 a unidade que cui­da de víti­mas de câncer ginecológi­co e o HC1, que fica na Praça da Cruz Ver­mel­ha, é o que con­tém mais clíni­cas, cabeça e pescoço, tórax e abdô­men”, diz a dire­to­ra.

O paciente é trata­do pela equipe de oncolo­gia e tam­bém recebe suporte mul­ti­profis­sion­al. Quan­do não são mais aplicáveis ter­apias mod­i­fi­cado­ras da doença, ele é encam­in­hado para o HC 4. “Não existe mais bene­fí­cio de se man­ter aque­la ter­apia, seja quimioter­apia ou novos pro­ced­i­men­tos cirúr­gi­cos, então ele é encam­in­hado à equipe espe­cial­iza­da em cuida­do palia­ti­vo, que fica no Hos­pi­tal do Câncer 4.”

Ao ser admi­ti­do no HC 4, é avali­a­da a fun­cional­i­dade do paciente, por exem­p­lo se ele tem mobil­i­dade, para decidir se irá ao hos­pi­tal para con­sul­tas ambu­la­to­ri­ais ou se terá uma equipe de assistên­cia domi­cil­iar. “No momen­to em que, durante esse acom­pan­hamen­to, ele tem algum agrava­men­to da situ­ação clíni­ca ou algum sin­toma mal con­tro­la­do e a equipe perce­ba que não vai con­seguir mane­jar isso pelas con­sul­tas do ambu­latório ou pela própria con­sul­ta domi­cil­iar é sug­eri­do então que seja inter­na­do”, expli­ca Rena­ta.

Após os ajustes medica­men­tosos, o paciente retor­na à assistên­cia de origem, ambu­la­to­r­i­al ou domi­cil­iar. “É nor­mal que um paciente ini­cie o acom­pan­hamen­to no ambu­latório e depois seja encam­in­hado à assistên­cia domi­cil­iar, con­forme seu esta­do ao lon­go da doença”, acres­cen­ta. A inter­nação hos­pi­ta­lar tam­bém é um mod­e­lo assis­ten­cial para pacientes que este­jam em fim de vida e que ten­ham man­i­fes­ta­do esse dese­jo, ou por meio da deman­da famil­iar. “A gente faz assistên­cia domi­cil­iar em fim de vida tam­bém no domicílio”, diz Rena­ta.

Edição: Graça Adju­to

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