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Agentes de saúde sofrem com violência nos territórios do país

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Estudo foi realizado pela Fundação Oswaldo Cruz


Pub­li­ca­do em 08/10/2023 — 10:50 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil * — Rio de Janeiro

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Estu­do real­iza­do pela Fun­dação Oswal­do Cruz do Ceará (Fiocruz Ceará) apon­ta o impacto da vio­lên­cia e da covid-19 nos agentes comu­nitários de saúde (ACS) do Nordeste brasileiro, abrangen­do qua­tro cap­i­tais (For­t­aleza, Recife, João Pes­soa e Teresina) e qua­tro cidades da região (Cra­to, Bar­balha, Juazeiro do Norte e Sobral). Os mais de 20 pesquisadores de cer­ca de 13 insti­tu­ições do Brasil e do exte­ri­or farão, até o final deste ano, o desen­volvi­men­to das infor­mações em todos os municí­pios.

A ideia é con­tin­uar cole­tan­do dados de for­ma con­tínua, disse à Agên­cia Brasil a coor­de­nado­ra da pesquisa, Anya Vieira Mey­er, da Fiocruz Ceará. Na últi­ma quar­ta-feira (4), comem­o­rou-se o Dia Nacional do Agente Comu­nitário de Saúde e dos Agentes de Com­bate às Endemias. A pesquisado­ra da Fiocruz Ceará está em Boston para avalizar os dados jun­to com cien­tis­tas da Uni­ver­si­dade de Har­vard, Esta­dos Unidos.

O estu­do entre­vis­tou 1.944 ACS de oito cidades nordes­ti­nas. Os primeiros resul­ta­dos de 2021 rev­e­lam que a vio­lên­cia afe­tou a saúde men­tal de 64,7% dos ACS e 41,1%, a saúde físi­ca. Em relação à covid-19, o estu­do demon­strou que 77,6% dos ACS tra­bal­haram na lin­ha de frente con­tra a doença e 83,8% não rece­ber­am treina­men­to con­tra a covid-19. Para 80,7%, a vio­lên­cia não influ­en­ciou na atu­ação dos agentes durante a pan­demia. Do total de entre­vis­ta­dos, 40,4% avaliaram que o proces­so de tra­bal­ho em equipe mel­horou durante a covid-19, enquan­to para 37,9%, hou­ve pio­ra.

Dados alarmantes

De maneira ger­al, Anya indi­cou que os dados são muito alar­mantes. Em relação à saúde men­tal, cer­ca de 40% dos ACS estão em risco de transtornos men­tais comuns, como ansiedade e depressão, em todos os municí­pios pesquisa­dos. O uso de medica­men­tos para con­t­role dess­es transtornos alcança entre 15% e 20% dos agentes. “A gente notou decrésci­mo de uma série de ativi­dades que eles fazi­am na comu­nidade, por con­ta desse adoec­i­men­to”. Muitos agentes deixaram de exercer algu­mas ações dev­i­do à questão da vio­lên­cia. Em função da covid-19, dimin­uíram as vis­i­tas domi­cil­iares, as ações de pro­moção à saúde nas residên­cias e, tam­bém, nas esco­las. “Todas essas ativi­dades caíram nesse perío­do”.

Em Fortaleza

Em For­t­aleza, onde o lev­an­ta­men­to foi ini­ci­a­do em 2019, para apu­rar o impacto da vio­lên­cia e, em 2021, da covid-19, os dados rev­e­laram que nas comu­nidades mais vul­neráveis, ou mais des­fa­vore­ci­das, a doença afe­tou de for­ma mais forte a ação dos ACS locais, que reduzi­ram ness­es locais as ativi­dades, tam­bém por con­ta do medo a vio­lên­cia. Na cap­i­tal cearense, os dados rev­e­lam que antes da covid-19, 32% dos ACS apre­sen­tavam risco de transtornos men­tais comuns. Em 2021, esse per­centu­al pulou para 50%. “A questão da saúde men­tal, que é um prob­le­ma para todos, afe­ta de modo par­tic­u­lar os agentes, que estão na comu­nidade e inter­agem dire­ta­mente com o públi­co e com o ter­ritório que, infe­liz­mente, é vio­len­to”, disse a coor­de­nado­ra.

Infor­mou que das 30 cidades mais vio­len­tas do mun­do, seis são cap­i­tais do Nordeste do Brasil. “Por isso, a ideia de tra­bal­har (no estu­do) com dados do Nordeste”. O rank­ing é feito pela orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) Con­sel­ho Cidadão para a Segu­rança Públi­ca e a Justiça Penal, do Méx­i­co. “A gente sabe que, de fato, isso tem afe­ta­do os ACS, as comu­nidades em ger­al, os ter­ritórios, a vida das pes­soas. E para eles (agentes) que estão na comu­nidade no dia a dia, baten­do de por­ta em por­ta, tra­bal­han­do, isso pesa ain­da mais na vida deles”, afir­mou Anya.

Destaque

A prefeitu­ra car­i­o­ca, por meio da Sec­re­taria Munic­i­pal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS), desta­cou o papel dos agentes comu­nitários de saúde e do agente de com­bate às endemias (ACE) em bene­fí­cio da saúde da pop­u­lação, den­tro dos ter­ritórios da cidade. Ape­sar de desem­pen­harem funções difer­entes, ambos tra­bal­ham de for­ma integra­da e lidam dire­ta­mente com a comu­nidade, com o mes­mo propósi­to de enten­der as neces­si­dades e ori­en­tar a pop­u­lação. Atual­mente, a SMS con­ta com 7.692 agentes comu­nitários e 2.810 agentes de endemias.

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, o secretário munic­i­pal de Saúde, Daniel Soranz, avaliou que os ACS e os ACE são tra­bal­hadores essen­ci­ais para o SUS. “São o prin­ci­pal elo entre as comu­nidades e as unidades de saúde. Fazem a imen­sa maio­r­ia de pro­ced­i­men­tos de pro­moção de saúde e pre­venção de doenças”. Soranz lem­brou que ess­es dois agentes foram fun­da­men­tais, nos últi­mos anos, para aumen­tar a expec­ta­ti­va de vida da pop­u­lação brasileira.

Hoje, 75% de todas as ges­tantes da cidade do Rio de Janeiro são acom­pan­hadas por um agente comu­nitário de saúde. “Mais de 80% dos domicílios da cidade recebem, pelo menos, uma visi­ta de agente de vig­ilân­cia em saúde no Rio. A gente con­sid­era essa cat­e­go­ria como uma das mais impor­tantes dos profis­sion­ais de saúde. Eles pre­cisam ser recon­heci­dos como profis­sion­ais de saúde, porque muitos locais ain­da não os con­sid­er­am assim. É uma con­quista, é jus­to e eles mere­cem”.

Daniel Soranz adiantou que a SMS pre­tende ampli­ar a rede de agentes no municí­pio. ”A pre­visão, no próx­i­mo ano, é que a gente ten­ha mais 400 agentes de saúde, entre agentes de endemias e agentes comu­nitários, atuan­do no municí­pio do Rio de Janeiro”, rev­el­ou o secretário.

Agentes

Dev­i­do ao con­ta­to diário com as famílias, muitos agentes acabam crian­do vín­cu­los e relações de afe­to com as comu­nidades. É o caso da Maria Apare­ci­da Gou­veia, que tra­bal­ha no Cen­tro Munic­i­pal de Saúde Rocha Maia, em Botafo­go, zona sul do Rio. Nas cam­pan­has de vaci­nação, por exem­p­lo, a agente se trans­for­ma tam­bém em per­son­agens infan­tis, para dis­trair as cri­anças. Para isso, ela faz uso das aulas de teatro e dos tra­bal­hos em fes­tas, que exer­cia antes de ser uma ACS.

“Então, para mim, essa inte­gração com as cri­anças é muito bacana. Elas ado­ram. Aca­ba sendo uma atração para os adul­tos tam­bém. Eu já fui paciente da unidade, então con­heço alguns usuários. Nos ter­ritórios em que eu não tin­ha vín­cu­lo com as pes­soas, come­cei a cri­ar, faz parte da min­ha função. Amo tra­bal­har com essas pes­soas. Enten­do muito a importân­cia do meu tra­bal­ho e acho que chegar com um sor­riso no ros­to é sem­pre muito impor­tante”, asse­gurou a agente.

O agente de endemias Gilber­to de Souza atua há 12 anos na comu­nidade Vila Canoas, em São Con­ra­do e tra­bal­ha na vig­ilân­cia, pre­venção e con­t­role de doenças como dengue, zika, chikun­gun­ya e febre amarela. Ele é capaz tam­bém de perce­ber quan­do as questões rela­cionadas ao meio ambi­ente podem estar asso­ci­adas às condições deter­mi­nantes e condi­cio­nantes da saúde e da qual­i­dade de vida das pes­soas.

Gilber­to de Souza afir­mou que o tra­bal­ho inte­gra­do com a equipe do CMS Vila Canoas, bem como a relação com a comu­nidade, facili­ta a obtenção de resul­ta­dos pos­i­tivos. “Ativi­dades como vis­i­tas domi­cil­iares, palestras, cam­in­hadas e pan­fle­tagem nas ruas são real­izadas de for­ma plane­ja­da com a equipe. Con­struí tam­bém um bom rela­ciona­men­to com a asso­ci­ação de moradores, o que con­sidero muito impor­tante para aju­dar a trans­mi­tir infor­mações e ori­en­tações à pop­u­lação. Hoje, me sin­to bas­tante inte­gra­do à comu­nidade de Vila Canoas e sou muito real­iza­do no que faço, pois recon­heço a importân­cia do meu tra­bal­ho.”

Bruna Maluf, por sua vez, ori­en­ta famílias no con­domínio onde mora há qua­tro anos, em Ira­já, zona norte do Rio, e tra­bal­ha na Clíni­ca da Família Pedro Fer­nan­des Fil­ho. Segun­do Bruna, o con­ta­to próx­i­mo com as famílias cria vín­cu­los com as mães e, inclu­sive, com as cri­anças, o que facili­ta em perío­dos de vaci­nação e na cobrança da atu­al­iza­ção da cader­ne­ta. “A gente expli­ca a importân­cia da vaci­na para a cri­ança, a neces­si­dade de cumprir o cal­endário dire­it­in­ho, con­ver­sa com a mãe e aca­ba con­seguin­do con­vencê-la que a cri­ança pre­cisa da vaci­na cor­re­ta­mente, nas datas que a téc­ni­ca de enfer­magem colo­ca na cader­ne­ta.”

Para Bruna, foi pri­mor­dial morar no ter­ritório para ter esse con­ta­to mais próx­i­mo com os pacientes. Em entre­vista à Agên­cia Brasil, ela disse que está se for­man­do em téc­ni­ca de enfer­magem e  que a exper­iên­cia como ACS aju­da no cur­so e vice-ver­sa. “Aju­da demais o con­hec­i­men­to”.

Saúde coletiva

Na avali­ação da pesquisado­ra da Fiocruz e da Rede de Pesquisa em Atenção Primária à Saúde da Asso­ci­ação Brasileira de Saúde Cole­ti­va (Abras­co), Angéli­ca Fer­reira Fon­se­ca, a atenção primária em saúde con­sti­tui a prin­ci­pal frente de expan­são dos dire­itos à saúde no Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS). “Se hoje há uma pre­sença mais mar­cante nos municí­pios brasileiros, isso, em grande parte, se deve à expan­são da atenção primária em saúde, onde atu­am os ACS e os ACE. É por meio do tra­bal­ho deles que o SUS tem a pos­si­bil­i­dade de estar pre­sente no ter­ritório, nas comu­nidades. É o SUS se fazen­do pre­sente no cotid­i­ano da pop­u­lação brasileira, sobre­tu­do no cotid­i­ano da pop­u­lação mais vul­neráv­el, onde a atenção primária em saúde tem a sua atu­ação mais mar­cante.”

Angéli­ca disse que os agentes lev­am a ação do SUS às famílias de uma for­ma não sim­pli­fi­ca­da, enfrentan­do desafios de edu­cação em saúde, porque esse é o eixo fun­da­men­tal do tra­bal­ho do ACS. “Ele con­cretiza as ações de edu­cação em saúde e per­mite você ter um olhar mais amp­lo para o que é o cuida­do em saúde. Não ficar cen­tra­do ape­nas no aspec­to cura­ti­vo. É traz­er a dimen­são social, a vida real das pes­soas para o SUS”. Por estar pre­sente no ter­ritório, é mais fácil ao ACS perce­ber situ­ações de saúde que, às vezes, estão desaperce­bidas pela família. Situ­ações de sofri­men­to psíquico, de carên­cia mate­r­i­al podem ser lev­adas pelo agente para os serviços de saúde e para o SUS. Do mes­mo modo, são ess­es agentes que estão em con­ta­to com os vários seg­men­tos da pop­u­lação que são pri­or­itários para o SUS, como cri­anças, pes­soas idosas e ges­tantes.

Sobre o agente de com­bate a endemias (ACE), a pesquisado­ra da Abras­co e da Fiocruz expli­cou que é tam­bém o tra­bal­hador que está no ter­ritório, fazen­do uma ponte fun­da­men­tal entre as pes­soas com o ambi­ente. “A gente sabe que os prob­le­mas de saúde se con­stituem em uma rede intrin­ca­da de fatores. O fator ambi­en­tal é fun­da­men­tal. O mes­mo ocorre com os fatores de edu­cação e cul­tur­al. Ess­es tra­bal­hadores, por estarem no ter­ritório, têm a pos­si­bil­i­dade de tornar o SUS pre­sente.”

* Colaborou Vini­cius Lis­boa

Edição: Valéria Aguiar

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