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Agressões contra crianças aumentaram na pandemia, diz especialista

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Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal Jr./Arquivo/Agência Brasil

Maus-tratos devem ser denunciados a órgãos como os conselhos tutelares


Pub­li­ca­do em 16/04/2021 — 06:00 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

O Con­sel­ho Estad­ual de Defe­sa da Cri­ança e do Ado­les­cente (CEDCA) infor­mou que pub­li­cará em seu site nota téc­ni­ca sobre todos os pro­ced­i­men­tos que devem ser ado­ta­dos em casos de agressão con­tra menores de idade. O tex­to será sub­meti­do à assem­bleia ple­na do con­sel­ho para aprovação.

O pres­i­dente da insti­tu­ição, Car­los André Mor­eira dos San­tos, disse que o tema é pau­ta pri­or­itária da insti­tu­ição. “Além de ser um órgão delib­er­a­ti­vo e fis­cal­izador, o con­sel­ho estad­ual é um órgão de con­t­role social que vai acol­her as denún­cias e cobrar das autori­dades com­pe­tentes, para que sejam tomadas as dev­i­das providên­cias”, acres­cen­tou.

Pes­soas com sus­pei­ta de que uma cri­ança está sendo víti­ma de maus-tratos podem denun­ciar o caso aos con­sel­hos tute­lares, às polí­cias Civ­il e Mil­i­tar, ao Min­istério Públi­co e tam­bém pelo canal Disque 100, da Sec­re­taria de Dire­itos Humanos da Presidên­cia da Repúbli­ca.

O pro­fes­sor da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca do Rio de Janeiro (PUC Rio), Daniel Mon­ner­at, espe­cial­iza­do em psiquia­tria infan­til, expli­cou que, difer­ente­mente de pacientes adul­tos, uma cri­ança víti­ma de vio­lên­cia pode apre­sen­tar quadros de depressão e ansiedade. Além de per­da de inter­esse em ativi­dades antes praze­rosas e humor deprim­i­do, ess­es quadros podem ser car­ac­ter­i­za­dos por aumen­to de irri­tabil­i­dade, iso­la­men­to social, alter­ações de sono e no apetite.

Mon­ner­at esclare­ceu que as cri­anças podem pas­sar a com­er mais ou menos, como uma ati­tude com­pen­satória para suprir a ansiedade, por exem­p­lo, de estarem sofren­do agressões ver­bais ou físi­cas. Ess­es são, segun­do o espe­cial­ista, os prin­ci­pais pon­tos que devem ser obser­va­dos.

“A cri­ança pode apre­sen­tar, indi­re­ta­mente, ess­es sinais ou sin­tomas, mostran­do que é pre­ciso inves­ti­gar e esclare­cer se essas agressões podem estar acon­te­cen­do ou não”. Para o pro­fes­sor, quan­to mais nova uma cri­ança e mais cedo é víti­ma de agressão, mais difi­cul­dade, muitas vezes ela tem de ver­balizar o que este­ja sofren­do. É pre­ciso que pais e respon­sáveis ten­ham sen­si­bil­i­dade para enten­der os sinais e sin­tomas de uma pos­sív­el agressão con­tra os menores.

Acompanhamento

De acor­do com o médi­co, o trata­men­to psiquiátri­co para uma cri­ança víti­ma de maus-tratos tem de ser par­tic­u­lar­iza­do, caso a caso. “Porque não sabe­mos se essa cri­ança que está sofren­do algu­ma agressão moral ou físi­ca já apre­sen­ta­va algum diag­nós­ti­co psiquiátri­co prévio”.

Ele disse que, de qual­quer maneira, o acom­pan­hamen­to tende a ser mul­ti­profis­sion­al. Ou seja, envolve acom­pan­hamen­to psiquiátri­co, “med­ican­do ou não a cri­ança, de acor­do com os sin­tomas mais ou menos exu­ber­antes que pos­sam inter­ferir de maneira mais inci­si­va na roti­na de vida dela” e bus­can­do apoio de psicól­o­gos e pedi­atras. Acres­cen­tou que sinais obser­va­dos no exame físi­co ou na con­sul­ta podem servir para que se faça uma inter­venção que per­mi­ta inter­romper aque­le proces­so de agressão ao qual o menor este­ja sendo sub­meti­do.

O pres­i­dente do Depar­ta­men­to Cien­tí­fi­co de Segu­rança da Sociedade Brasileira de Pedi­a­tria (SBP), Mar­co Gama, afir­mou que as prin­ci­pais causas de morte em cri­anças aci­ma de 1 ano até os 19 anos de idade no país são vio­lên­cia e aci­dentes. “Não são as doenças infec­to­con­ta­giosas”. Adver­tiu que, em ger­al, as pes­soas não têm essa visão. O pedi­atra avaliou, por out­ro lado, que as mortes por vio­lên­cia e aci­dentes são evitáveis, mas fal­tam ações para que ess­es números sejam reduzi­dos.

No perío­do de 2010 a agos­to de 2020, 103,149 mil cri­anças e ado­les­centes de até 19 anos de idade mor­reram víti­mas de agressões no Brasil. Os óbitos por agressões e suas causas podem ser con­feri­dos no Sis­tema de Infor­mações sobre Mor­tal­i­dade, do Min­istério da Saúde, obe­de­cen­do a Clas­si­fi­cação Inter­na­cional de Doenças (CID-10).

Até 4 anos

Os números anal­isa­dos pela SBP mostram que, entre 2010 e agos­to do ano pas­sa­do, 2,083 mil cri­anças mor­tas por maus-tratos estavam na faixa etária de zero a 4 anos de idade. Essa era a idade do meni­no Hen­ry Borel, víti­ma de supos­ta vio­lên­cia em casa que o lev­ou à morte, no últi­mo dia 8 de março.

Emb­o­ra os números rel­a­tivos a 2020 ain­da sejam pre­lim­inares, a análise da déca­da rev­ela que as agressões por meio de dis­paro de out­ra arma ou de arma não especi­fi­ca­da lid­er­am os óbitos entre cri­anças e jovens, total­izan­do 76,528 mil casos. Na faixa até 4 anos, esse tipo de agressão cau­sou 386 mortes nos últi­mos dez anos. Em segui­da, apare­cem as agressões por meio de obje­to cor­tante ou pen­e­trante, com 10,066 mil mortes entre cri­anças e ado­les­centes de até 19 anos.

De acor­do com o Sis­tema de Infor­mações sobre Mor­tal­i­dade, do Min­istério da Saúde, as agressões por meios não especi­fi­ca­dos foram as causas de 451 mortes de cri­anças até 4 anos no perío­do inves­ti­ga­do, seguidas por agressões por meio de obje­to con­tun­dente (254), por out­ras sín­dromes de maus-tratos (190) e por agressões por meio de obje­to cor­tante ou pen­e­trante (164).

Violência é doença

Mar­co Gama esclare­ceu que emb­o­ra a mor­tal­i­dade seja alta, o número de víti­mas de agressão é muito supe­ri­or. Em 2018, por exem­p­lo, foram 140 mil cri­anças e ado­les­centes agre­di­dos. “Isso é sub­no­ti­fi­ca­do”, disse. O total de cri­anças de zero a 4 anos de idade foi de 32 mil, “tam­bém sub­no­ti­fi­ca­do”, nesse ano. “É um número cres­cente, a cada ano que pas­sa, de cri­anças sendo mais agre­di­das”.

Segun­do o pedi­atra, um con­ceito que a sociedade pre­cisa enten­der é que vio­lên­cia para a cri­ança é uma doença crôni­ca, “porque ela tem uma história, tem exame clíni­co, lab­o­ra­to­r­i­al e de imagem, tem trata­men­to e encam­in­hamen­to”. O médi­co lem­brou que o prob­le­ma dessa doença, prin­ci­pal­mente em sua parte crôni­ca, é que ela vai se per­pet­uan­do em muitas famílias. O fil­ho de um pai vio­len­to, se não morre em decor­rên­cia das agressões, aca­ba se tor­nan­do tam­bém vio­len­to. “Nes­sa família, a vio­lên­cia é uma coisa crôni­ca, que vai se per­pet­uan­do enquan­to não for inter­romp­i­da”.

Muitas vezes, a cri­ança é tira­da dos pais e devolvi­da aos avós, que são os agres­sores ini­ci­ais do proces­so e aí começa tudo de novo, obser­vou Gama. Ele asse­gurou que ninguém nasce vio­len­to. A cri­ança vai, ao lon­go do sofri­men­to de vários tipos, se tornar um adul­to vio­len­to e até um homi­ci­da. “Como pode não se tornar, como essa cri­ança que fale­ceu”, disse o pedi­atra, referindo-se ao meni­no Hen­ry Borel cuja mãe, Monique Medeiros, e o namora­do dela, vereador Dr. Jair­in­ho, foram pre­sos, inves­ti­ga­dos pela morte da cri­ança.

Mar­co Gama afir­mou que não só o número de óbitos por maus-tratos é grande, mas tam­bém o de seque­la­dos, envol­ven­do seque­las físi­cas, de retar­do do desen­volvi­men­to físi­co, psíquico, cog­ni­ti­vo. “Tem cri­ança que não con­segue ter bom nív­el de apren­diza­do dev­i­do à vio­lên­cia que sofreu. É um proces­so gigan­tesco que acon­tece todos os dias”.

Para ele, o caso do meni­no Hen­ry Borel gan­hou vis­i­bil­i­dade pelo fato de ser de família de classe média. O pedi­atra lem­brou, entre­tan­to, que a vio­lên­cia acon­tece em todas as class­es soci­ais, todas as etnias, todas as religiões, e os pais são de todos os níveis de esco­lar­i­dade. “Todos são vio­len­tos”.

Pandemia

Na análise do pres­i­dente do Depar­ta­men­to Cien­tí­fi­co de Segu­rança da SBP, emb­o­ra não haja ain­da estatís­ti­cas ofi­ci­ais, “segu­ra­mente” o número de vio­lên­cia con­tra cri­anças e jovens cresceu durante a pan­demia de covid-19. Mar­co Gama obser­vou que a cri­ança pode­ria pedir socor­ro a um viz­in­ho, à pro­fes­so­ra ou a um cole­ga na esco­la, a um padrin­ho com quem ten­ha prox­im­i­dade afe­ti­va. Mas, com o iso­la­men­to social impos­to pela pan­demia, a cri­ança que sofre maus-tratos está lim­i­ta­da ou pre­sa no ambi­ente domi­cil­iar.

As estatís­ti­cas mostram que, em 2018, 83% dos agres­sores foram o pai ou a mãe e que mais de 60% das agressões foram cometi­das den­tro das residên­cias. “A pan­demia prop­i­ciou o con­jun­to ide­al para o agres­sor”. O mes­mo ocor­reu em relação às mul­heres, com a expan­são de fem­i­nicí­dios, desta­cou. “As agressões aumen­taram durante a pan­demia e as chances de defe­sa das cri­anças dimin­uíram”.

Gama defend­eu a cri­ação de uma rede téc­ni­co-cien­tí­fi­ca para com­bat­er os maus-tratos con­tra as cri­anças e ado­les­centes, “porque vio­lên­cia, como doença, é caso médi­co, mas como agressão, é caso de polí­cia”. É pre­ciso, segun­do o pedi­atra, tratá-la nas duas instân­cias, inter­romper esse proces­so e cuidar pre­co­ce­mente das víti­mas.

Para Mar­co Gama, a rede de pro­teção aos menores tem de ser mais efe­ti­va, mais ágil e con­hecer mel­hor a vio­lên­cia. Essa rede envolve­ria a SBP, a Justiça, a Polí­cia Civ­il, o Min­istério Públi­co. A SBP tem um pro­je­to nesse sen­ti­do, que começou a ser elab­o­ra­do. Gama citou o caso da orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) Ded­i­ca, da Asso­ci­ação dos Ami­gos do Hos­pi­tal de Clíni­cas de Curiti­ba, que há 13 anos atende cri­anças e ado­les­centes que vivem em situ­ação de vio­lên­cia.

A pres­i­dente da SBP, Luciana Rodrigues Sil­va, obser­vou que “o Brasil pre­cisa estar prepara­do para, por meio da efe­ti­va imple­men­tação das políti­cas de pre­venção à vio­lên­cia na infân­cia e na ado­lescên­cia, garan­tir ações artic­u­ladas entre edu­cação, saúde, segu­rança e assistên­cia social”.

Luciana comen­tou que o trata­men­to humil­hante, os cas­ti­gos físi­cos e qual­quer con­du­ta que ameace ou ridic­u­lar­ize a cri­ança ou o ado­les­cente, quan­do não letais, podem ser extrema­mente danosos à for­mação da per­son­al­i­dade e como indi­ví­du­os para a sociedade, bem como inter­fer­em neg­a­ti­va­mente na con­strução da sua poten­cial­i­dade de lutar pela vida e no equi­líbrio psi­cos­so­cial. “Nascer e crescer em um ambi­ente sem vio­lên­cia é impre­scindív­el para que a cri­ança ten­ha a garan­tia de uma vida saudáv­el, tan­to físi­ca quan­to emo­cional”.

Edição: Graça Adju­to

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