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Aliança contra Fome: participação social e efeito perene são desafios

Iniciativa será lançada paralelamente à Cúpula de Líderes do G20

Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 11/11/2024 — 07:15
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ), 03/03/2023 - Distribuição de almoço realizado pelo projeto Fraternidade na Rua, no centro de acolhimento da organização humanitária Fraternidade sem Fronteiras, na região central da cidade. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Como lega­do na presidên­cia do G20, grupo das 20 maiores econo­mias do mun­do, o Brasil escol­heu como uma das pri­or­i­dades o com­bate à fome, prob­le­ma que atinge mais de 700 mil­hões de pes­soas no mun­do. A ini­cia­ti­va, chama­da de Aliança Glob­al con­tra a Fome e a Pobreza, pre­tende reunir recur­sos e con­hec­i­men­tos que con­tribuam na con­strução de políti­cas públi­cas.

O lança­men­to ofi­cial da Aliança Glob­al con­tra a Fome e a Pobreza está pre­vis­to para ocor­rer de for­ma para­lela à Cúpu­la de Líderes do G20, mar­ca­da para começar no dia 18 de novem­bro. Após o lança­men­to for­mal, ela será admin­istra­da por uma estru­tu­ra inter­na­cional com escritórios pre­vis­tos em Roma, Adis Abe­ba (Etiópia), Bangkok (Tailân­dia), Brasília e Wash­ing­ton.

Espe­cial­is­tas ouvi­dos pela Agên­cia Brasil veem com bons olhos a aliança, mas aler­tam para os desafios que ela pre­cisa super­ar para ser, de fato, efe­ti­va. Duas questões são cen­trais: que os país­es adotem medi­das de lon­go pra­zo, que gerem resul­ta­dos con­tín­u­os, e que haja inclusão da sociedade civ­il na implan­tação das políti­cas.

Sobre o primeiro pon­to, o pro­fes­sor Rena­to Sér­gio Maluf, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Rur­al do Rio de Janeiro (UFRRJ), defende que as ações tragam uma visão mais ampla e sis­temáti­ca de dire­itos humanos. Ele tam­bém é coor­de­nador do Cen­tro de Refer­ên­cia em Sobera­nia e Segu­rança Ali­men­tar e Nutri­cional (Cere­san).

“É impor­tante evi­tar políti­cas imple­men­tadas de maneira assis­ten­cial­ista, com per­spec­ti­va de cur­to pra­zo, emer­gen­ci­ais, que não pri­or­izam ações mais estru­tu­rantes”, diz o pro­fes­sor.

“Pro­gra­mas con­tra fome e pobreza pre­cisam focar na super­ação das desigual­dades. Não é sim­ples­mente trans­fer­ên­cia de ren­da ou doação de ali­men­tos. Você não expli­ca os êxi­tos que o Brasil teve nesse tema sem con­sid­er­ar o papel da recu­per­ação do emprego, a políti­ca de val­oriza­ção do salário mín­i­mo e a intro­dução de vários dire­itos soci­ais”, com­ple­ta Rena­to Maluf.

Rio de Janeiro (RJ), 08/11/2024 - Renato Maluf, professor da UFRRJ. Foto: UFMG/Divulgação
Repro­dução: Rena­to Maluf, pro­fes­sor da UFRRJ — UFMG/Divulgação

Sobre a par­tic­i­pação efe­ti­va da sociedade, Rena­to Maluf lem­bra que ela depende muito dos aspec­tos políti­cos e soci­ais de cada país. Em out­ras palavras, o quan­to de liber­dade cada povo tem na luta e reivin­di­cação por dire­itos.

“A metodolo­gia brasileira nesse cam­po tem um com­po­nente muito impor­tante que é a par­tic­i­pação social. E isso você não trans­fere. Isso depende das dinâmi­cas mais ou menos democráti­cas de cada país. Nós temos aqui uma crença muito esta­b­ele­ci­da do papel dos movi­men­tos soci­ais. Esper­amos que a platafor­ma seja tam­bém estim­u­lado­ra de proces­sos desse tipo de par­tic­i­pação”, anal­isa Maluf.

Para Mar­i­ana Santarel­li, coor­de­nado­ra na FIAN Brasil, orga­ni­za­ção de dire­itos humanos que advo­ga pelo dire­ito à ali­men­tação e nutrição ade­quadas, o grande trun­fo do país na pro­moção da aliança é a exper­iên­cia acu­mu­la­da em décadas no com­bate à fome e à pobreza.

“Por incrív­el que pareça, a gente vê que, mes­mo nos país­es do Norte Glob­al, não há políti­cas tão efi­cientes voltadas para a garan­tia do dire­ito à ali­men­tação. Somos uma refer­ên­cia, incluí­mos o dire­ito à ali­men­tação na Con­sti­tu­ição Fed­er­al, que tem uma lei orgâni­ca de segu­rança ali­men­tar e nutri­cional, um sis­tema para garan­tir esse dire­ito e que faz inves­ti­men­to com seu orça­men­to próprio. Isso não é uma real­i­dade em boa parte do mun­do”, disse Mar­i­ana, que tam­bém é mem­bro do Con­sel­ho Nacional de Segu­rança Ali­men­tar e Nutri­cional (Con­sea).

Cesta de políticas

O pon­to cen­tral da Aliança Glob­al con­tra a Fome é a disponi­bil­i­dade de uma ces­ta de políti­cas, que con­tém em torno de 50 pos­si­bil­i­dades de ação con­tra a fome e a pobreza. A ideia é que elas sejam adap­tadas aos con­tex­tos nacionais especí­fi­cos. Estão divi­di­das em dez cat­e­go­rias mais amplas.

São elas: pro­teção social (como pro­gra­mas de ali­men­tação esco­lar), aces­so aos serviços bási­cos (como água potáv­el), aces­so a ativos pro­du­tivos (posse de ter­ra, por exem­p­lo), infraestru­tu­ra (mobil­i­dade e infor­mação, por exem­p­lo), crédi­to e serviços finan­ceiros, apoio a pequenos agricul­tores, nutrição, pro­gra­mas inte­gra­dos (como resil­iên­cia climáti­ca), instru­men­tos trans­ver­sais (como reg­istro de agricul­tores) e finan­cia­men­to (refor­mas fis­cais).

A platafor­ma é pen­sa­da para ser um tra­bal­ho colab­o­ra­ti­vo. Todos os mem­bros podem editá-la, incluir exem­p­los de políti­cas bem-suce­di­das e sug­erir a imple­men­tação de uma nova políti­ca. Nesse últi­mo caso, é pre­ciso que a sug­estão este­ja enquadra­da em cin­co critérios. São eles: ser instru­men­to de políti­ca bem definido, com escopo claro; poder ser real­mente imple­men­ta­do pelos gov­er­nos; traz­er dados que com­pro­vem efe­tivi­dade; ter foco prin­ci­pal­mente nas pes­soas em situ­ação de pobreza e fome; e con­tribuir para alcançar os Obje­tivos de Desen­volvi­men­to Sus­ten­táv­el 1 (errad­i­cação da pobreza) e 2 (fome zero e agri­cul­tura sus­ten­táv­el).

Rio de Janeiro (RJ), 08/11/2024 - Mariana Santarelli, coordenadora na FIAN Brasil, organização de direitos humanos que advoga pelo direito à alimentação e nutrição adequadas. Foto: Thiago Lontra/FIAN Brasil
Repro­dução: Mar­i­ana Santarel­li, coor­de­nado­ra na FIAN Brasil — Thi­a­go Lontra/FIAN Brasil

“Para se com­bat­er a fome a pobreza, você pre­cisa que isso seja feito por meio de políti­cas de Esta­do. Pode pare­cer nor­mal para quem está no Brasil. Mas não é, por exem­p­lo, quan­do você pen­sa nos país­es do con­ti­nente africano, em que é muito comum ter agên­cias inter­na­cionais e ONGs fazen­do esse papel de imple­men­tação. Esse é um grande difer­en­cial dessa aliança em relação a out­ras cri­adas antes”, anal­isa Mar­i­ana Santarel­li.

Dados sobre fome global

O prin­ci­pal estu­do sobre a fome no mun­do é da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas para Agri­cul­tura e Ali­men­tação (FAO). O indi­cador usa­do pela FAO é o de sub­nu­trição, definido como a condição de um indi­ví­duo cujo con­sumo habit­u­al de comi­da é insu­fi­ciente para man­ter uma vida nor­mal, ati­va e saudáv­el.

No relatório pub­li­ca­do este ano, ref­er­ente a 2023, a pro­porção da pop­u­lação mundi­al sub­nu­tri­da foi de 9,1%, o que rep­re­sen­ta entre 713 mil­hões e 757 mil­hões de pes­soas. O per­centu­al se man­teve prati­ca­mente igual nos últi­mos três anos, o que indi­ca estag­nação no com­bate ao prob­le­ma. A África é a região com a maior por­cent­agem da pop­u­lação enfrentan­do fome (20,4%), segui­da pela Ásia (8,1%), Améri­ca Lati­na e Caribe (6,2%), Ocea­nia (7,3%), Améri­ca do Norte e Europa (abaixo de 2,5%).

Dados sobre fome no G20

Os país­es per­ten­centes ao G20 tam­bém têm níveis bem difer­entes de sub­nu­trição. A FAO com­parou os dados do triênio 2004/2006 aos do triênio 2021/2023. A África do Sul foi a úni­ca que apre­sen­tou pio­ra: pas­sou de 1,7 mil­hão de sub­nu­tri­dos para 4,9 mil­hões. A Índia chama atenção pelo número alto, mes­mo com redução: foi de 246,5 mil­hões para 194,6 mil­hões.

O Brasil (de 11,7 mil­hões para 8,4 mil­hões) e o Méx­i­co (de 4,4 mil­hões para 3,9 mil­hões) con­seguiram baixar seus números, enquan­to Argenti­na (1,4 mil­hão) e Arábia Sau­di­ta (1,1 mil­hão) tiver­am resul­ta­dos iguais nos dois perío­dos.

O total de sub­nu­tri­dos na Ale­man­ha, França, Itália, no Reino Unido, na Rús­sia, nos Esta­dos Unidos, no Canadá, na Aus­trália e Cor­eia do Sul foram con­sid­er­a­dos inex­pres­sivos pela FAO, abaixo de 2,5% da pop­u­lação de cada país, e por isso não tiver­am números abso­lu­tos repor­ta­dos.

A Turquia e a Chi­na se destacaram por baixar a quan­ti­dade de sub­nu­tri­dos a níveis con­sid­er­a­dos inex­pres­sivos: eram 2,6 mil­hões e 94,6 mil­hões sub­nu­tri­dos, respec­ti­va­mente, no triênio 2004/2006. E não tiver­am dados repor­ta­dos em 2021/2023, por terem índices abaixo de 2,5%.

Adesões

O primeiro país do G20 que aderiu à Aliança Glob­al foi a Ale­man­ha, ao assumir com­pro­mis­sos de con­tribuir com a pro­moção da agri­cul­tura sus­ten­táv­el e com o reforço das redes de segu­rança social, como políti­cas de salário mín­i­mo.

A Orga­ni­za­ção dos Esta­dos Amer­i­canos (OEA) se jun­tou ao grupo, ao anun­ciar que dese­ja­va “alin­har ações e desen­volver soluções ino­vado­ras, assim como com­par­til­har práti­cas e exper­iên­cias que con­tribuam para o com­bate à pobreza e à desigual­dade”.

A Fun­dação Rock­e­feller foi a primeira enti­dade filantrópi­ca a se jun­tar à ini­cia­ti­va. E anun­ciou que con­tribuirá com recur­sos finan­ceiros, assistên­cia téc­ni­ca, apoio à capac­i­tação e con­hec­i­men­to para apoiar país­es que imple­men­tarão pro­gra­mas de ali­men­tação esco­lar.

Na sequên­cia, veio a adesão das Insti­tu­ições Finan­ceiras Inter­na­cionais (IFI), con­jun­to de orga­ni­za­ções de caráter mul­ti­lat­er­al, que incluem: Ban­co Africano de Desen­volvi­men­to (AFDB), Ban­co Asiáti­co de Inves­ti­men­to em Infraestru­tu­ra (AIIB), Ban­co de Desen­volvi­men­to da Améri­ca Lati­na e Caribe (CAF), Ban­co Europeu de Inves­ti­men­to (EIB), Ban­co Inter­amer­i­cano de Desen­volvi­men­to (BID), Fun­do Inter­na­cional de Desen­volvi­men­to Agrí­co­la (Fida), Fun­do Mon­etário Inter­na­cional (FMI), Novo Ban­co de Desen­volvi­men­to (NBD) e Grupo Ban­co Mundi­al (GBM).

Resistência dos mais ricos

Uma vez que os prob­le­mas da fome e da pobreza não afe­tam de for­ma expres­si­va boa parte dos país­es do G20, fica a dúvi­da em relação ao enga­ja­men­to deles na Aliança Glob­al. Além da prevalên­cia dos inter­ess­es domés­ti­cos, existe a difi­cul­dade em pro­je­tar colab­o­rações inter­na­cionais de grande escala em um con­tex­to inter­na­cional de con­fli­tos arma­dos e políti­cos.

“Sem­pre há resistên­cia dos país­es mais ricos nesse item. Primeiro que, em muitos deles, as questões da fome e da desigual­dade estão lá tam­bém, mas não fal­tam recur­sos para eles enfrentarem essas questões domés­ti­cas”, diz o pro­fes­sor Rena­to Maluf.

“Mas há out­ras duas questões. A primeira é a gov­er­nança glob­al dos sis­temas ali­menta­res, que está sob forte dis­pu­ta, e as Nações Unidas até ago­ra têm atu­a­do em uma direção muito prob­lemáti­ca a par­tir da cúpu­la que pro­moveu dos temas ali­menta­res, em que a agen­da foi basi­ca­mente dita­da pelas grandes cor­po­rações”, com­ple­men­ta.

“O segun­do ele­men­to de onde pode vir resistên­cia é o da coop­er­ação inter­na­cional, que andou clau­di­can­do nos últi­mos tem­pos. A Aliança Glob­al é um instru­men­to de coop­er­ação inter­na­cional e o con­tex­to está muito des­fa­voráv­el. Enten­do que vai ser pre­ciso um enga­ja­men­to forte para con­vencer os país­es a se envolverem. Podem até assi­nar uma declar­ação de apoio, mas o enga­ja­men­to efe­ti­vo vai depen­der de muito con­venci­men­to”, con­clui.

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