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Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos

Pará é o estado que lidera em número de focos de calor

Rafael Car­doso* — Envi­a­do Espe­cial
Pub­li­ca­do em 14/12/2024 — 09:36
Man­aus
Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. (Brigadistas combatem fogo no Pará. André Noboa). Foto: Agência Santarém.
Repro­dução: © Foto: Agên­cia San­tarém.

“Já vi situ­ações extremas, mas eu nun­ca tin­ha vis­to nada tão forte quan­to ago­ra”.

A frase de Fran­cis­co Wataru Sak­aguchi, agricul­tor de Tomé-Açu, no nordeste da Amazô­nia paraense, dá o tom do que rep­re­sen­taram as queimadas e incên­dios flo­restais este ano. Sak­aguchi tin­ha agen­da­do uma palestra em Man­aus no iní­cio de dezem­bro, mas teve que can­celá-la de últi­ma hora para impedir que o fogo chegasse na pro­priedade dele. Os esforços der­am resul­ta­do, mas out­ros viz­in­hos não tiver­am a mes­ma sorte.

“A min­ha situ­ação está resolvi­da, fiquei mais pro­te­gi­do. Mas mui­ta gente perdeu tudo. A gente pres­en­cia o deses­pero das pes­soas, per­gun­tan­do o que vai ser da vida delas dali para frente. E tudo o que a gente pode faz­er é dar um apoio moral”, disse o agricul­tor, em vídeo envi­a­do para a TEDxA­m­azô­nia.

Dados do Pro­gra­ma Queimadas do Insti­tu­to Nacional de Pesquisas Espa­ci­ais (Inpe) mostram que em 2024  a Amazô­nia teve o maior número de focos de calor dos últi­mos 17 anos. Até o iní­cio de dezem­bro foram 137.538, o que inclui queimadas, con­tro­ladas ou não, e incên­dios flo­restais. O perío­do só não foi pior do que em 2007, quan­do foram reg­istra­dos 186.480 focos.

Em relação a 2023, hou­ve aumen­to de 43%. Em todo o ano pas­sa­do, foram 98.646 focos. Em 2024, a maior parte dos reg­istros ocor­reu entre jul­ho e novem­bro, com números aci­ma da média históri­ca. Só em setem­bro foram 41.463 focos. A média para o mês é de 32.245.

A Amazô­nia é o bio­ma mais impacta­do, com 50,6% de todos os focos do país. Logo na sequên­cia, vem Cer­ra­do (29,6% / 80.408 focos), Mata Atlân­ti­ca (7,7% / 21.051), Caatin­ga (6,5% / 17.736), Pan­tanal (5,3% / 14.489) e Pam­pa (0,2% / 419). E não se tra­ta ape­nas de ter o maior número de focos, mas da capaci­dade de rea­gir ao fogo.

“A Flo­res­ta Amazôni­ca é do tipo ombró­fi­la, por ser muito úmi­da. Ela tem vários estratos que impe­dem a pas­sagem do ven­to e é mais som­brea­da. Caso o fogo ocor­ra e se propague nela, o impacto é muito maior. Porque ela não tem adap­tações de resistên­cia ao fogo. A cas­ca é mais fina, as fol­has são mais mem­bra­nosas. Difer­ente­mente do Cer­ra­do, que é uma veg­e­tação depen­dente do fogo e evolui em dependên­cia dele. A veg­e­tação tem cas­ca mais grossa, as gemas são pro­te­gi­das”, expli­ca o engen­heiro Alexan­dre Tet­to, coor­de­nador do Lab­o­ratório de Incên­dios Flo­restais (Fire­lab) e do Lab­o­ratório de Unidades de Con­ser­vação (Lucs) no Setor de Ciên­cias Agrárias da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Paraná (UFPR).

O Pará, que tem como bio­ma pre­dom­i­nante a Amazô­nia, é o esta­do que lid­era em número de focos de calor: 54.561. Os municí­pios mais impacta­dos são os de São Félix do Xin­gu (7.353), Altami­ra (5.992) e Novo Pro­gres­so (4.787).

Nas últi­mas sem­anas, o céu paraense foi cober­to por uma fumaça den­sa, ori­un­da das queimadas e incên­dios flo­restais. A maior parte está rela­ciona­da ao des­mata­men­to ile­gal da Amazô­nia. A qual­i­dade do ar ficou com­pro­meti­da em diver­sas cidades. San­tarém gan­hou destaque pelos números altos de con­cen­tração de polu­entes e teve dec­re­ta­da situ­ação de emergên­cia ambi­en­tal.

Segun­do o Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF), no dia 24 de novem­bro, a poluição do ar no municí­pio foi 42,8 vezes supe­ri­or à dire­triz anu­al de qual­i­dade do ar da Orga­ni­za­ção Mundi­al de Saúde (OMS). A Sec­re­taria Munic­i­pal de Saúde disse que, entre os meses de setem­bro e novem­bro de 2024, San­tarém reg­istrou 6.272 atendi­men­tos rela­ciona­dos a sin­tomas res­pi­ratórios.

Brigadistas

Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. Foto: Agência Santarém.
Repro­dução: Amazô­nia tem o maior número de queimadas e incên­dios em 17 anos. Foto: Agên­cia San­tarém.

Daniel Gutier­rez, faz parte da briga­da vol­un­tária de Alter do Chão, um dos dis­tri­tos admin­is­tra­tivos de San­tarém. O grupo existe des­de 2018 e tem lida­do cada vez mais com episó­dios de fogo na região e arredores. Na sem­ana pas­sa­da, um esquadrão pre­cisou ser envi­a­do à Reser­va Extra­tivista Tapa­jós-Ara­pi­uns para aju­dar a com­bat­er três incên­dios. O grupo se jun­tou às equipes do Insti­tu­to Chico Mendes de Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade (ICM­Bio) e às out­ras brigadas de locais próx­i­mos.

“A gente que vive aqui, sen­tiu que aumen­taram muito as queimadas. E, ago­ra, parece que esta­cio­nou uma nuvem. A fumaça que a gente sen­tiu nos últi­mos meses, eu nun­ca tin­ha vis­to antes, em dez anos moran­do aqui. As pes­soas que são daqui e vivem há muito mais tem­po do que eu, tam­bém nun­ca tin­ham vis­to. Esse ano foi muito pior”, rela­ta Gutier­rez.

O brigadista desta­ca que é pre­ciso mel­ho­rar as inves­ti­gações sobre os focos de incên­dios e queimadas, porque eles são majori­tari­a­mente provo­ca­dos pela ação humana.

“A veg­e­tação fica seca e mais propen­sa a pegar fogo. Mas alguém provo­ca, não tem fogo nat­ur­al. Fogo nat­ur­al na Amazô­nia é de raio. Só que quan­do tem raio, tem chu­va. Pode acon­te­cer um fogo com raio? Pode. Eu só vi uma vez aqui em Alter do Chão, em um dia que não choveu. Mas é uma exceção da exceção”, diz o brigadista.

Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. Fumaça de queimadas em Santarém. Foto: Agência Santarém.
Repro­dução: O Pará, que tem como bio­ma pre­dom­i­nante a Amazô­nia, lid­era em número de focos de calor. Foto: Agên­cia San­tarém.

Focos de calor

O engen­heiro flo­re­stal Alexan­dre Tet­to expli­ca que as condições climáti­cas em 2024 foram favoráveis para a propa­gação do fogo, seja ele nat­ur­al, legal ou crim­i­noso.

“Picos de focos de calor ocor­rem em função de duas coisas. Maior disponi­bil­i­dade mate­r­i­al com­bustív­el, quer diz­er, você tem mais veg­e­tação para queimar. E condições mete­o­rológ­i­cas: tem­per­at­uras mais altas, umi­dade rel­a­ti­va do ar mais baixa, veloci­dade do ven­to maior, e esti­agem, tem­po maior sem pre­cip­i­tação. Tudo isso aca­ba pos­si­bil­i­tan­do a maior ocor­rên­cia e propa­gação dos incên­dios”, diz o espe­cial­ista.

O fogo pode ser usa­do de for­ma con­tro­la­da e autor­iza­da em deter­mi­nadas condições mete­o­rológ­i­cas. Quan­do o índice de incên­dio está baixo ou médio, a queima con­tro­la­da pode ser fei­ta com mais segu­rança.

“A queima con­tro­la­da e autor­iza­da tem uma série de funções e obje­tivos no cam­po, des­de mel­ho­ria do habi­tat para fau­na, mane­jo de veg­e­tação, aber­tu­ra de área para agri­cul­tura de sub­sistên­cia. Inclu­sive para a FAO [Food and Agri­cul­ture Orga­ni­za­tion, das Nações Unidas], a queima con­tro­la­da é vista como uma for­ma de reduzir a pobreza, por pos­si­bil­i­tar ao pequeno agricul­tor abrir uma área com baixo cus­to, de uma for­ma rel­a­ti­va­mente segu­ra”, expli­ca Alexan­dre.

Tempo de extremos

Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. Francisco Sakaguchi. Reprodução de vídeo, arquivo pessoal.
Repro­dução: Fran­cis­co Sak­aguchi con­ta que chega­da da chu­va esta sem­ana aju­dou a impedir que fogo se propa­gasse Foto: Agên­cia San­tarém.

Em Tomé-Açu, onde vive o agricul­tor Fran­cis­co Sak­aguchi, a chega­da da chu­va esta sem­ana aju­dou a impedir que o fogo se propa­gasse e causasse danos ain­da maiores. Mas os acon­tec­i­men­tos climáti­cos extremos e inédi­tos deste ano não deix­am boas per­spec­ti­vas para o futuro.

“Nun­ca vi o meu lago secar. Tem umas áreas de bre­jo, ala­gadas, que tem muito açaí. Nun­ca vi o açaizeiro, que eu sem­pre andei quan­do cri­ança e anda­va den­tro do igapó, mor­ren­do pela seca. E esse anos, eu estou ven­do isso”, rela­ta Fran­cis­co. “Nós aqui da comu­nidade sem­pre tive­mos pre­ocu­pação de medir índice plu­viométri­co, umi­dade rel­a­ti­va do ar. A gente usa isso como fer­ra­men­ta da nos­sa agri­cul­tura. E eu nun­ca vi na min­ha vida, a umi­dade rel­a­ti­va do ar ser abaixo de 50% aqui na nos­sa região. E esse ano teve dias que mar­caram 42%. Foram cen­to e cinquen­ta dias sem chu­vas”.

Notas

A Sec­re­taria de Meio Ambi­ente e Sus­tentabil­i­dade (Semas) do Pará disse que o com­bate às queimadas em San­tarém e out­ras regiões do esta­do foi inten­si­fi­ca­do. Des­de o fim de novem­bro, as oper­ações rece­ber­am um reforço de “40 novos bombeiros, total­izan­do 120 profis­sion­ais na lin­ha de frente, dis­tribuí­dos em cin­co frentes de tra­bal­ho. Além dis­so, oito novas viat­uras e abafadores de incên­dio foram incor­po­ra­dos às três já em oper­ação, com o suporte adi­cional de dois helicópteros no com­bate aéreo. O mon­i­tora­men­to é real­iza­do em tem­po real via satélite, garan­ti­n­do uma respos­ta ágil e coor­de­na­da aos focos de calor”.

A nota diz ain­da que “somente 30% do ter­ritório do Pará está sob juris­dição estad­ual. Os out­ros 70% são fed­erais, o que deman­da uma coor­de­nação de esforços com a União. Neste sen­ti­do, o esta­do solic­i­tou em setem­bro deste ano o apoio do gov­er­no fed­er­al com recur­sos para reforçar o com­bate às queimadas no esta­do. Além dis­so, a gestão estad­ual faz parte do Cen­tro Inte­gra­do Mul­ti­agên­cias de Coor­de­nação Opera­cional Nacional (CIMAN), coor­de­na­do pelo gov­er­no fed­er­al, que reúne rep­re­sen­tantes dos esta­dos e de órgãos fed­erais como Min­istério do Meio Ambi­ente, IBAMA, ICM­Bio, FUNAI, CENSIPAM e INCRA, para dis­cu­tir lin­has de tra­bal­ho e atu­ações em con­jun­to para o com­bate às queimadas”.

Em nota, o Min­istério do Meio Ambi­ente disse que “em 2024, des­de o iní­cio das ações de com­bate aos incên­dios na Amazô­nia, o gov­er­no fed­er­al mobi­li­zou mais de 1.700 profis­sion­ais, disponi­bi­li­zou 11 aeron­aves, mais de 20 embar­cações e mais de 300 viat­uras, além de com­bat­er 578 incên­dios de grandes pro­porções. É impor­tante ressaltar que a respos­ta foi ini­ci­a­da em 1º de janeiro de 2023, com a cri­ação da Comis­são Inter­min­is­te­r­i­al Per­ma­nente de Pre­venção e Con­t­role do Des­mata­men­to e Queimadas. Atual­mente, 500 profis­sion­ais atu­am no com­bate aos incên­dios no Pará e no Maran­hão”.

A pas­ta tam­bém disse que em jun­ho, o gov­er­no fed­er­al assi­nou “um pacto com gov­er­nadores para com­bat­er o des­mata­men­to e os incên­dios no Pan­tanal e na Amazô­nia”. Em jul­ho, foi san­ciona­do o Pro­je­to de Lei n° 1.818/2022, que insti­tui a Políti­ca Nacional de Mane­jo Inte­gra­do do Fogo. O Comitê Nacional de Mane­jo Inte­gra­do do Fogo, pre­vis­to pela políti­ca, foi insta­l­a­do pelo gov­er­no fed­er­al em 9 de out­ubro e já real­i­zou duas reuniões”. Além dis­so, assi­nou, em setem­bro, uma medi­da pro­visória “que autor­iza crédi­to de R$ 514 mil­hões para o com­bate aos incên­dios na Amazô­nia, incluin­do R$ 114 mil­hões para o MMA. Uma ter­ceira MP, assi­na­da em novem­bro, flex­i­bi­liza a trans­fer­ên­cia de recur­sos do Fun­do Nacional do Meio Ambi­ente (FNMA) para esta­dos e municí­pios em regiões com emergên­cia ambi­en­tal, pri­or­izan­do a agili­dade no com­bate aos incên­dios”.

* A equipe via­jou a con­vite da CCR, patroci­nado­ra da TEDxA­m­azô­nia 2024.

Edição: Éri­ca San­tana

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