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Amazônia tem taxa de assassinatos superior à média nacional

Repro­dução: © Divul­gação Polí­cia Fed­er­al

Feminicídios, estupros e registros de armas também foram maiores


Pub­li­ca­do em 30/11/2023 — 11:17 Por Cami­la Boehm – Repórter da Agên­cia Brasil  — São Paulo

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A taxa média de mortes vio­len­tas inten­cionais na Amazô­nia foi 45% supe­ri­or à média nacional em 2022. O Brasil reg­istrou, no ano pas­sa­do, taxa de vio­lên­cia letal de 23,3 mortes para cada grupo de 100 mil habi­tantes. Nas cidades que com­põem a Amazô­nia Legal, a taxa chegou a 33,8 por 100 mil.

Os dados foram com­pi­la­dos pelo relatório Car­tografias da Vio­lên­cia na Amazô­nia, do Fórum Brasileiro de Segu­rança Públi­ca (FBSP) e do Insti­tu­to Mãe Crioula, com base em números das sec­re­tarias estad­u­ais de Segu­rança Públi­ca e do Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­ca (IBGE). Todos os crimes com­para­dos no lev­an­ta­men­to tiver­am resul­ta­dos piores para a região amazôni­ca: além de homicí­dios, fem­i­nicí­dios, homicí­dios con­tra indí­ge­nas, estupros e reg­istros de armas.

Nas cidades clas­si­fi­cadas como urbanas pelo IBGE, a taxa de mortes vio­len­tas inten­cionais na Amazô­nia legal — de 35,1 por 100 mil habi­tantes — é 52% supe­ri­or à média nacional, que foi de 23,2 por 100 mil.

“Se o des­mata­men­to desen­f­rea­do e a explo­ração ile­gal de minérios são var­iáveis pre­sentes há décadas na região, que tam­bém con­vive diari­a­mente com a vio­lên­cia decor­rente dos con­fli­tos fundiários, a dis­sem­i­nação de facções crim­i­nosas que atu­am espe­cial­mente no nar­cotrá­fi­co é um fenô­meno que se con­soli­dou há cer­ca de uma déca­da, geran­do cresci­men­to dos homicí­dios e ameaçan­do ain­da mais o modo de vida dos povos indí­ge­nas, ribeir­in­hos e quilom­bo­las”, diz o doc­u­men­to.

A taxa de fem­i­nicí­dio nos municí­pios amazôni­cos foi de 1,8 para cada 100 mil mul­heres, 30,8% maior do que média nacional (1,4 por 100 mil). A taxa de mortes vio­len­tas inten­cionais de mul­heres — incluin­do fem­i­nicí­dios, homicí­dios dolosos, latrocínios e lesões cor­po­rais seguidas de morte — foi de 5,2 por 100mil mul­heres, 34% supe­ri­or à média nacional, de 3,9 por 100 mil.

“Uma das hipóte­ses aven­tadas pela lit­er­atu­ra tem relação com o proces­so col­o­nizador muito par­tic­u­lar pelo qual pas­sou a região, majori­tari­a­mente mas­culi­no, mar­ca­do pelo silen­ci­a­men­to e explo­ração da mul­her e sob per­spec­ti­va util­i­tarista, basea­da em um olhar para a Amazô­nia como espaço prove­dor de matérias pri­mas, sem pre­ocu­pação com o desen­volvi­men­to local”, obser­vou o relatório sobre o maior índice de assas­si­natos de mul­heres na Amazô­nia.

Além dis­so, o FBSP ressalta que a região é for­ma­da por pop­u­lação fem­i­ni­na majori­tari­a­mente negra, indí­ge­na e ribeir­in­ha, “cujos mar­cadores soci­ais se sobrepõem em camadas de vul­ner­a­bil­i­dade e risco”.

A vio­lên­cia sex­u­al tam­bém apre­sen­tou taxas mais altas na região do que no restante do país. Con­sideran­do a soma das ocor­rên­cias de estupro e estupro de vul­neráv­el, a taxa chegou a 49,4 víti­mas para cada 100 mil pes­soas em 2022, nas cidades da região. O número é 33,8% supe­ri­or à média nacional, que foi de 36,9 por 100 mil no mes­mo perío­do.

A taxa de mortes vio­len­tas inten­cionais de indí­ge­nas na região é de 13,1 para cada 100 mil indí­ge­nas, segun­do dados do Data­sus, 11% maior do que a média brasileira, que é de 11,8 por 100 mil indí­ge­nas. A taxa de mortes entre indí­ge­nas foi cal­cu­la­da com base nos dados mais recentes, que cor­re­spon­dem a 2021. Nos demais esta­dos brasileiros fora da Amazô­nia Legal, a taxa é de 10,4 víti­mas a cada 100 mil indí­ge­nas. Ou seja, a taxa de mortes vio­len­tas de indí­ge­nas na Amazô­nia é 26% maior do que fora dela.

Crime organizado

O estu­do mapeou a existên­cia de pelo menos 22 facções do crime orga­ni­za­do na região, pre­sentes em todos os esta­dos amazôni­cos. “A fron­teira amazôni­ca pos­sui a maio­r­ia dos municí­pios que são obje­to de dis­pu­ta ter­ri­to­r­i­al por facções, que geral­mente se insta­lam para esta­b­ele­cer o con­t­role dos flux­os e das relações de poder que garan­tam o escoa­men­to de dro­gas e out­ros ilíc­i­tos para o ter­ritório nacional”, desta­cou a enti­dade.

Do total de 772 municí­pios da Amazô­nia Legal, o relatório iden­ti­fi­cou ao menos 178 que têm pre­sença de facções, o que rep­re­sen­ta 23% de todos os municí­pios da região. Os municí­pios em situ­ação de dis­pu­ta ter­ri­to­r­i­al entre duas ou mais facções são ao menos 80, rep­re­sen­tan­do o per­centu­al de 10,4% do total da região.

“O que mais chama atenção e rev­ela a gravi­dade do prob­le­ma é que nos 178 municí­pios com a pre­sença de algu­ma facção, vivem aprox­i­mada­mente 57,9% dos habi­tantes da região. Nos 80 municí­pios em dis­pu­ta por facções, a pop­u­lação abso­lu­ta é de cer­ca de 8,3 mil­hões de habi­tantes, algo próx­i­mo de 31,12 % da pop­u­lação total da Amazô­nia”, segun­do o doc­u­men­to.

Isso sig­nifi­ca, de acor­do com o relatório, que cer­ca de um terço dos moradores da Amazô­nia Legal está em áreas con­flagradas e em dis­pu­ta, sujeitos às dinâmi­cas de vio­lên­cia extrema e sobreposição de ile­gal­i­dades e crimes. O estu­do reit­er­ou que o proces­so de expan­são e con­sol­i­dação das facções crim­i­nosas na região está dire­ta­mente lig­a­do às dinâmi­cas de fun­ciona­men­to do sis­tema pri­sion­al.

“Em dez anos, a taxa de pes­soas pri­vadas de liber­dade na Amazô­nia Legal cresceu 67,3%, enquan­to a média nacional foi de 43,3% de aumen­to. Em 2022, 98.034 pes­soas cumpri­am pena no sis­tema pen­i­ten­ciário ou estavam sob custó­dia das polí­cias nos esta­dos que com­põem a Amazô­nia”, diz o doc­u­men­to.

Apreensão de drogas

A apreen­são de cocaí­na pelas polí­cias estad­u­ais na Amazô­nia cresceu 194,1% entre 2019 e 2022, total­izan­do pouco mais de 20 toneladas em 2022. O esta­do com mais apreen­sões da dro­ga foi Mato Grosso, com 14 toneladas. A Polí­cia Fed­er­al apreen­deu 32 toneladas de cocaí­na em 2022 nos esta­dos que com­põem a Amazô­nia Legal, cresci­men­to de 184,4% quan­do com­para­do ao ano de 2019.

As apreen­sões real­izadas pelo Exérci­to tiver­am vol­ume sig­ni­fica­ti­va­mente menor em relação às polí­cias: a soma de macon­ha e cocaí­na apreen­di­das no últi­mo ano total­iza qua­tro toneladas. “A baixa pro­du­tivi­dade das Forças Armadas sur­preende por serem elas as respon­sáveis pela segu­rança das fron­teiras, além de pos­suírem mais recur­sos humanos que as polí­cias e dis­porem de mais equipa­men­tos ade­qua­dos para atu­ar nos locais remo­tos da Amazô­nia Legal, em com­para­ção com out­ras forças”, avaliou o relatório.

Os reg­istros de armas de fogo cresce­r­am mais na região amazôni­ca do que no restante dos esta­dos. Em 2019, o total de reg­istros ativos no Sis­tema Nacional de Armas (Sin­arm), da PF, nos esta­dos da Amazô­nia, foi de 115.092 armas, já em 2022 esse número pas­sou para 219.802, o que rep­re­sen­ta cresci­men­to de 91%, enquan­to a média nacional teve aumen­to de 47,5%. Entre os esta­dos da Amazô­nia Legal, Mato Grosso con­cen­trou o maior número de reg­istros, com 63.337, segui­do do Pará, com mais de 43 mil, em 2022.

Em relação à estru­tu­ra de segu­rança, o efe­ti­vo de poli­ci­ais mil­itares tem pouco mais de 60 mil servi­dores da ati­va em toda a área da Amazô­nia Legal. “Quan­do obser­va­mos a pre­sença de poli­ci­ais na exten­são do ter­ritório fica evi­dente a carên­cia de efe­ti­vo na região: cada poli­cial é respon­sáv­el, em média, pelo patrul­hamen­to de 83 quilômet­ros quadra­dos (km²) na Amazô­nia Legal, enquan­to no Brasil esse val­or cai para 21 km²  por poli­cial”, indicam as enti­dades autoras do relatório.

Crimes ambientais

Entre 2018 e 2022, os reg­istros de crimes na Amazô­nia Legal cresce­r­am: des­mata­men­to aumen­tou 85,3%, com 619 reg­istros no ano pas­sa­do; comér­cio de madeira de lei (Arti­go 46 da Lei 9.605), 37,6%, pas­san­do de 149 para 205; e incên­dios crim­i­nosos, com alta de 51,3%, sendo 581 ocor­rên­cias no últi­mo ano.

A gri­lagem quase trip­li­cou, segun­do dados do relatório. Medi­da pelo crime de invasão para ocu­pação de ter­ras da União, esta­dos e municí­pios, os reg­istros cresce­r­am 275,7%, com pico em 2022, quan­do foram reg­istra­dos 139 boletins de ocor­rên­cia. Em todo o perío­do, o Maran­hão, Pará e Roraima são os esta­dos que se desta­cam com o maior número de reg­istros.

“O estí­mu­lo por parte do gov­er­no fed­er­al durante a gestão de Jair Bol­sonaro, soma­do ao aumen­to do preço da gra­ma do ouro durante a pan­demia de covid- 19 e à diminuição das fis­cal­iza­ções ambi­en­tais pro­duz­iu o que pode­ria ser chama­do de ‘nova cor­ri­da do ouro’ na Amazô­nia Legal”, anal­isou o relatório.

Out­ro dado rel­e­vante, que com­pro­va o aumen­to da explo­ração do ouro, de acor­do com o estu­do, foi o recol­hi­men­to do impos­to dev­i­do no caso da extração de minérios, a Com­pen­sação Finan­ceira pela Explo­ração Min­er­al (CFEM). Entre 2018 e 2022, o CFEM recol­hi­do para o ouro aumen­tou 294,7% na Amazô­nia Legal, enquan­to no Brasil o aumen­to foi de 153,4%.

No Pará, o CFEM arrecada­do em 2021 atingiu seu ápice, um total de mais de R$ 86 mil­hões, o que rep­re­sen­ta aumen­to de 486% ante 2018. “A expli­cação para esse cresci­men­to está não ape­nas no aumen­to da pro­dução de ouro na unidade da Fed­er­ação, como tam­bém no uso das PLGs [per­mis­são de lavra garimpeira]  paraens­es para esquen­tar o ouro ile­gal­mente extraí­do em ter­ritórios total­mente pro­te­gi­dos, como na Ter­ra Indí­ge­na Yanoma­mi, em Roraima”, rela­ta o doc­u­men­to.

Edição: Graça Adju­to

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