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Amigos se despedem de Ziraldo e lembram seus traços contra a ditadura

Repro­dução: © Arqui­vo Nacional

Cartunista foi um dos fundadores do jornal O Pasquim


Publicado em 07/04/2024 — 18:34 Por Bruno de Freitas Moura — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

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Antes de ser con­heci­do como o pai do Meni­no Maluquin­ho e ícone da lit­er­atu­ra infan­to-juve­nil, o car­tunista Ziral­do, fale­ci­do no sába­do (6), aos 91 anos, teve atu­ação mar­cante como jor­nal­ista em defe­sa de democ­ra­cia. Durante a ditadu­ra mil­i­tar, usou seus traços para com­bat­er o regime autoritário e defend­er a liber­dade de expressão.

O cor­po do desen­hista foi vela­do neste domin­go, 7 de abril, data que mar­ca o Dia do Jor­nal­ista. O velório foi no Museu de Arte Mod­er­na do Rio de Janeiro, cidade onde o mineiro de Caratin­ga mor­reu de causas nat­u­rais.

Agên­cia Brasil con­ver­sou com ami­gos, ex-cole­gas de profis­são e famil­iares, que ressaltaram a atu­ação de Ziral­do nos anos de repressão e cen­sura.

O Pasquim

A maior rep­re­sen­tação de Ziral­do nesse ofí­cio está no jor­nal O Pasquim, que teve o desen­hista entre seus fun­dadores e prin­ci­pais colab­o­radores. Ao seu lado, nomes como Jaguar, Sér­gio Cabral e Tar­so de Cas­tro.

O veícu­lo de impren­sa cir­cu­lou nas décadas de 70 e 80 e era uma das resistên­cias à ditadu­ra, ten­do enfrenta­do cen­sura, perseguição e ren­di­do aos seus respon­sáveis prisões durante o regime de exceção.

“Era o deboche, a pia­da, a goza­ção para afe­tar o regime dita­to­r­i­al na base do deboche”, lem­bra o jor­nal­ista Marce­lo Auler, hoje con­sel­heiro da Asso­ci­ação Brasileira de Impren­sa (ABI) e que com­par­til­hou a redação de O Pasquim com Ziral­do a par­tir de 1974.

Rio de Janeiro (RJ), 07/04/2024 - Familiares, amigos e fans se despedem do cartunista Ziraldo em velório, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Um capri­cho do des­ti­no fez com que Ziral­do fos­se sepul­ta­do no Dia do Jor­nal­ista. Foto — Tânia Rêgo/Agência Brasil

“É um out­ro tipo de jor­nal­is­mo, muito críti­co e sem­pre de oposição”, clas­si­fi­ca. Ele con­ta que, ape­sar de repórteres faz­erem entre­vis­tas que duravam várias horas, os tex­tos mais lon­gos não eram a car­ac­terís­ti­ca prin­ci­pal da pub­li­cação.

“O Pasquim era um jor­nal de pia­da, de car­tum, desen­hos. O [car­tunista] Hen­fil, com o seu [per­son­agem] Fradim, atin­gia muito mais que muito tex­to de jor­nal­is­mo. O Ziral­do, com suas charges, atin­gia muito mais que muito tex­to de vários jor­nal­is­tas”.

Contra a censura

O ex-dep­uta­do fed­er­al e ex-min­istro das Comu­ni­cações Miro Teix­eira acres­cen­tou que, por meio do tabloide, Ziral­do e a equipe con­seguiram faz­er chegar à pop­u­lação as vio­lações que estavam sendo acober­tadas pela cen­sura de Esta­do.

“O Pasquim era cen­sura­do tam­bém, mas con­seguia atrav­es­sar com a arte algu­mas bre­chas deix­adas pela ditadu­ra. Foi útil para levar ao povo o con­hec­i­men­to do que se pas­sa­va nos cárceres, porque as pes­soas não tin­ham con­hec­i­men­to, a classe média não tin­ha con­hec­i­men­to. Foi graças a pes­soas como o Ziral­do que isso chegou ao con­hec­i­men­to da pop­u­lação”, con­ta Miro, que tam­bém é jor­nal­ista.

O car­tunista Ricar­do Aroeira apon­ta lega­do de Ziral­do em toda a impren­sa brasileira. “Como jor­nal­ista, ele abriu três, qua­tro, seis pro­je­tos difer­entes que, na ver­dade, mudaram a lin­guagem jor­nalís­ti­ca. Nen­hum jor­nal brasileiro é o mes­mo depois de O Pasquim. O tex­to do jor­nal é difer­ente, a abor­dagem da reportagem, um cer­to sen­so de humor e lev­eza, isso tudo é Ziral­do”, diz.

Família

Irmão mais novo do car­tunista, o design­er grá­fi­co Gê Pin­to lem­brou de um momen­to difí­cil da tra­jetória de Ziral­do, a prisão durante a ditadu­ra. Um dos prováveis motivos foi a par­tic­i­pação em O Pasquim. “Eu esta­va na casa dele no dia em que ele foi pre­so. Ain­da meni­no, lev­ei um sus­to dana­do”, remem­o­ra.

Rio de Janeiro (RJ), 07/04/2024 - Familiares, amigos e fans se despedem do cartunista Ziraldo em velório, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Famil­iares, ami­gos e fãs se des­pedi­ram do car­tunista Ziral­do em velório, no Museu de Arte Mod­er­na do Rio de Janeiro(MAM). Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“O Ziral­do sem­pre teve esse com­pro­mis­so com a liber­dade e com a democ­ra­cia. A gente sen­tia em cada gesto dele, em cada ati­tude e nas charges. Foi um orgul­ho ver como ele foi resistên­cia”, afir­ma.

Para a cineas­ta Fab­rizia Pin­to, fil­ha de Ziral­do, o pai salvou o Brasil do regime mil­i­tar e enfa­ti­zou que Ziral­do não deixou o país no perío­do mais difí­cil para a impren­sa e a sociedade. “Ele ficou no Brasil para lutar con­tra a ditadu­ra. Ele lutou com a pena, um papel, ideias peque­nas e péro­las. Uma pes­soa como essa nun­ca vai se esvair, não vai emb­o­ra”.

A dire­to­ra do Insti­tu­to Ziral­do, Adri­ana Lins, que tam­bém é sobrin­ha do desen­hista, enu­mera fatores que, na visão dela, for­jaram Ziral­do como jor­nal­ista.

“Ele é um críti­co de cos­tumes, um críti­co políti­co, um obser­vador curioso des­de o dia em que nasceu. Na hora em que você tem todos ess­es dons, essa sagaci­dade, essa curiosi­dade, essa inteligên­cia, aca­ba viran­do jor­nal­ista”, afir­ma.

“Ele fez todo mun­do saber de tudo de uma maneira tão sagaz, min­i­mal­ista, em épocas que não podia se falar tudo às claras”, ressalta a sobrin­ha. O Insti­tu­to Ziral­do é uma insti­tu­ição que preser­va o tra­bal­ho int­elec­tu­al do artista.

Jornais e revistas

Ziral­do fre­quen­ta­va redações antes do começo da ditadu­ra mil­i­tar, ini­ci­a­da por um golpe que com­ple­tou 60 anos em 2024. Em 1954, começou uma pági­na de humor no jor­nal A Fol­ha de Minas. Pas­sou tam­bém pelo semanário O Cruzeiro — que tin­ha enorme cir­cu­lação nacional — e pelo Jor­nal do Brasil. O mineiro tam­bém tra­bal­hou na revista Pif-Paf, dirigi­da por Mil­lôr Fer­nan­des.

Após a rede­moc­ra­ti­za­ção, Ziral­do acred­i­tou em mais pro­je­tos edi­torais, como as revis­tas Palavra e Bun­das, as duas em 1999. A segun­da ridic­u­lar­iza­va o cul­to a cele­bri­dades. Em 2002 lançou O Pasquim 21. Era uma ten­ta­ti­va de reviv­er os tem­pos áure­os do tabloide de oposição. Mas a ini­cia­ti­va durou ape­nas até 2004.

Estátua

O com­pos­i­tor Antônio Pin­to, um dos fil­hos do desen­hista, adiantou que existe o obje­ti­vo de cri­ar no Rio de Janeiro um cen­tro cul­tur­al em hom­e­nagem a Ziral­do.

“Meu pai é uma figu­ra enorme, um cara que criou por mais de 70 anos para o Brasil. A gente tem na nos­sa casa, onde era o estú­dio dele, um mate­r­i­al vastís­si­mo, mais de mil desen­hos. A gente quer, de algu­ma maneira, colo­car isso para as pes­soas verem”.

Out­ra for­ma de lega­do é um dese­jo anti­go da fil­ha Fab­rizia Pin­to e que mudaria a pais­agem do Rio de Janeiro. Uma está­tua na orla da pra­ia de Copaca­bana, onde já há uma hom­e­nagem a out­ro mineiro, o poeta Car­los Drum­mond de Andrade (1902–1987).

“Eu gostaria muito que ele ficas­se sen­tad­in­ho do lado dele, Drum­mond e meu pai, porque eles se amavam muito, eles eram muito ami­gos”, pediu emo­ciona­da.

“Nós é que ped­i­mos. Então vamos faz­er todas as hom­e­na­gens que ele merece e não são pou­cas”, respon­deu o prefeito do Rio de Janeiro, Eduar­do Paes.

Edição: Marce­lo Brandão

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