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Ana Maria Gonçalves celebra homenagem às mães negras na Portela

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Obra Um defeito de cor é base do samba-enredo da escola este ano


Pub­li­ca­do em 12/02/2024 — 09:23 Por Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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“Sar­avá, Kehinde.
Teu nome vive.
Teu povo é livre.
Teu fil­ho venceu, mul­her.
Em cada um de nós.
Der­rame seu axé”.

No tre­cho do sam­ba-enre­do da Portela, Luís Gama, famoso advo­ga­do e abo­l­i­cionista do sécu­lo 19, cel­e­bra a história de luta da mãe. Africana escrav­iza­da ain­da cri­ança e trazi­da para o Brasil, Kehinde com­prou a própria liber­dade e par­ticipou de revoltas que deixaram um lega­do impor­tante para o povo negro.

O des­file da esco­la car­i­o­ca na Sapu­caí traz uma nova per­spec­ti­va do romance Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, lança­do em 2006, e que tam­bém dá nome ao sam­ba-enre­do. No livro, a mãe escreve uma car­ta para o fil­ho que está per­di­do há décadas. O sam­ba traz a respos­ta emo­ciona­da do fil­ho. Uma história aprova­da e elo­gia­da pela escrito­ra.

“Eu achei muito boni­to. O sam­ba-enre­do não é exata­mente uma adap­tação do livro. É uma con­ver­sa com a história que está sendo con­ta­da no livro, adap­ta­da para uma real­i­dade que a gente vive no país até hoje. Vai ser uma grande hom­e­nagem às mães negras, prin­ci­pal­mente àque­las que, por vários motivos, não pud­er­am cri­ar seus fil­hos. Algo que a gente vê des­de a escravidão”, disse Ana Maria Gonçalves, em entre­vista à Agên­cia Brasil.

No romance, Kehinde, que assume o nome Luísa no Brasil, vive e teste­munha exper­iên­cias extremas de seque­stro, escravidão, vio­lên­cia, estupros e mortes. Con­segue voltar para a África em deter­mi­na­do momen­to da vida, mas nun­ca esquece do fil­ho, ven­di­do como escra­vo, de quem não tem mais notí­cias. Já idosa, cega e à beira da morte, decide voltar para o Brasil para encon­trá-lo.

Segun­do a auto­ra, levar parte dessa história para a Sapu­caí é uma opor­tu­nidade de apre­sen­tar novos olhares e nar­ra­ti­vas sobre a história da pop­u­lação negra no país.

“A maio­r­ia dos car­navale­scos é bran­ca. E ao falarem da história do povo negro no Brasil, muitos acabavam apre­sen­tan­do questões muito estereoti­padas. Eu, como mul­her negra, esta­va extrema­mente cansa­da de ver ape­nas sofri­men­to na aveni­da. Ao se falar de escravidão ou de negro, só a parte ruim se desta­ca­va. Era navio negreiro, chico­ta­da, cas­ti­go. E a gente tem muito mais a apre­sen­tar e a falar da nos­sa história”, defende Ana Maria.

“É muito impor­tante Um defeito de cor estar na aveni­da através da Portela, a esco­la mais anti­ga, a mãe de todas as esco­las de sam­ba, com dois car­navale­scos negros que sabem do que estão falan­do. Torço para que ten­ha um grande suces­so e a gente pos­sa con­tar cada vez mais com essa união de lit­er­atu­ra e esco­la de sam­ba nos próx­i­mos anos”, com­ple­men­ta a escrito­ra.

Rio de Janeiro (RJ), 05/10/2023 - A escritora Ana Maria Gonçalves durante gravação do programa Trilha de Letras, da TV Brasil, na biblioteca da Maison de France, centro da cidade. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil
 Repro­dução: A escrito­ra Ana Maria Gonçalves durante gravação do pro­gra­ma Tril­ha de Letras, da TV Brasil, na bib­liote­ca da Mai­son de France, cen­tro da cidade. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil

Literatura e samba

No car­naval deste ano, pelo menos cin­co esco­las de sam­ba do Grupo Espe­cial bus­caram inspi­ração na lit­er­atu­ra na hora de mon­tar as com­posições. Além da Portela, esse tam­bém foi o cam­in­ho escol­hi­do por Salgueiro, Grande Rio, Por­to da Pedra e Imper­a­triz Leopoldinense. Para Ana Maria Gonçalves, os dois lados têm muito a gan­har com essa união de letras e melo­dias.

“O sam­ba vai faz­er com que mais pes­soas se inter­essem em ler o livro. A lit­er­atu­ra gan­ha por con­seguir for­mar um públi­co leitor que a gente não alcançaria se não fos­se através do sam­ba, da músi­ca e do car­naval. E o car­naval gan­ha com a pos­si­bil­i­dade de ren­o­vação das histórias que vêm con­tan­do. E prin­ci­pal­mente, ao traz­er histórias como a do livro Um Defeito de Cor, que falam do povo negro do Brasil”, disse a auto­ra.

Des­de que foi infor­ma­da sobre o tema da Portela, Ana Maria Gonçalves pas­sou a se envolver inten­sa­mente com a esco­la. Pres­en­ciou a escol­ha do sam­ba e par­ticipou de quase todos os ensaios, que acon­te­ci­am de duas a três vezes por sem­ana. E decid­iu des­fi­lar em uma das alas da agremi­ação. Ela sem­pre amou sam­ba e acom­pan­hou o car­naval car­i­o­ca, mas nun­ca torceu para uma esco­la especí­fi­ca. Mas depois de todo esse proces­so, não teve jeito, se apaixo­nou pela Portela.

Além do orgul­ho de ver a própria obra como refer­ên­cia de um sam­ba-enre­do, a escrito­ra acred­i­ta que o des­file pode ser um pas­so impor­tante para for­mar novos leitores e ampli­ar o alcance de pau­tas soci­ais fun­da­men­tais para o desen­volvi­men­to do país.

“A lit­er­atu­ra é uma das artes mais elit­is­tas, prin­ci­pal­mente no Brasil. Uma grande parte da pop­u­lação não con­segue com­prar livros, porque são muito caros. Existe um mito de que o públi­co mais sim­ples ou mais pobre não quer ter aces­so à lit­er­atu­ra. Isso é uma grande men­ti­ra”, disse Ana Maria.

“Acred­i­to que o sam­ba vai aju­dar a pop­u­larizar uma série de pau­tas que a gente vem tratan­do em meios como a lit­er­atu­ra, e pode chamar a atenção de out­ros car­navale­scos. Pop­u­larizar a lit­er­atu­ra é um dos grandes son­hos de todo escritor con­tem­porâ­neo, que con­ta as histórias que eu con­to”, acres­cen­ta.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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