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Anistiar crimes contra democracia é inconstitucional, dizem juristas

Repro­dução: © Joéd­son Alves/Agência Brasil

Proposta está em tramitação na CCJ da Câmara dos Deputados


Publicado em 13/09/2024 — 08:30 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Os crimes con­tra o Esta­do Democráti­co de Dire­ito, pre­vis­tos na Lei 14.197/2021 não devem ser anis­ti­a­dos por uma questão de coerên­cia inter­na da Con­sti­tu­ição, que afir­ma que crimes con­tra a ordem con­sti­tu­cional e a democ­ra­cia são inafi­ançáveis e impre­scritíveis. A avali­ação é da douto­ra em dire­ito pela Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP) Eloísa Macha­do de Almei­da.

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, a pro­fes­so­ra da FGV Dire­ito de São Paulo acred­i­ta que o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) deve con­sid­er­ar incon­sti­tu­cional o PL da Anis­tia, caso ele seja aprova­do pelo Con­gres­so Nacional.

pro­je­to de lei em trami­tação na Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça da Câmara dos Dep­uta­dos per­doa os con­de­na­dos pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023, incluin­do os finan­ciadores, incen­ti­vadores e orga­ni­zadores. Se aprova­da, a lei pode ben­e­fi­ciar o ex-pres­i­dente Jair Bol­sonaro, que tam­bém é inves­ti­ga­do nos inquéri­tos que apu­ram o 8 de janeiro.

Repro­dução: Pro­fes­so­ra da FGV Dire­ito de São Paulo Eloísa Macha­do de Almei­da acred­i­ta que o STF deve con­sid­er­ar incon­sti­tu­cional o PL da Anis­tia — Foto: Arqui­vo Pessoal/Divulgação
“Ape­sar de não haver expres­sa menção sobre vedação desse tipo de anis­tia na Con­sti­tu­ição, há um argu­men­to de que, por coerên­cia inter­na da Con­sti­tu­ição, tais crimes seri­am impassíveis de anis­tia. Assim enten­deu o min­istro Dias Tof­foli [do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al] ao jul­gar a incon­sti­tu­cional­i­dade da con­cessão de graça ao ex-dep­uta­do Daniel Sil­veira”, expli­ca a jurista.

O ex-dep­uta­do Daniel Sil­veira foi con­de­na­do a mais de 8 anos de prisão por aten­tar con­tra o regime democráti­co. Ao anu­lar a anis­tia con­ce­di­da a Daniel Sil­veira pelo ex-pres­i­dente Jair Bol­sonaro, em 2022, o min­istro Dias Tof­foli afir­mou na sen­tença não vis­lum­brar “coerên­cia inter­na em orde­na­men­to jurídi­co-con­sti­tu­cional que, a par de impedir a pre­scrição de crimes con­tra a ordem con­sti­tu­cional e o esta­do democráti­co de dire­ito, pos­si­bili­ta o perdão con­sti­tu­cional aos que forem con­de­na­dos por tais crimes. Per­gun­to: que inter­esse públi­co have­ria em per­doar aque­le que foi dev­i­da­mente con­de­na­do por aten­tar con­tra a própria existên­cia do esta­do democráti­co, de suas insti­tu­ições e insti­tu­tos mais caros?”.

A Con­sti­tu­ição, no arti­go 5ª, diz que não podem ser obje­to de anis­tia os con­de­na­dos por tor­tu­ra, trá­fi­co de dro­gas, ter­ror­is­mo e crimes hedion­dos. O argu­men­to de Dias Tof­foli diz que “por coerên­cia inter­na” da Con­sti­tu­ição essa vedação tam­bém deve ser atribuí­da aos crimes con­tra a ordem democráti­ca.

O PL da Anis­tia tam­bém seria incon­sti­tu­cional por vio­lar a sep­a­ração e a inde­pendên­cia entre os Poderes uma vez que o Con­gres­so Nacional estaria invadin­do uma com­petên­cia que é do Judi­ciário, segun­do avali­ação da jurista Tânia Maria de Oliveira, da Asso­ci­ação Brasileira de Juris­tas pela Democ­ra­cia (ABJD).

“Essas pes­soas estão sendo proces­sadas e jul­gadas no STF. Se o Con­gres­so resolver dar anis­tia a essas pes­soas, ele está clara­mente fazen­do uma invasão de uma com­petên­cia que é do Supre­mo”, expli­cou.

Brasília (DF), 12/09/2024 - A jurista Tânia Maria de Oliveira, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Repercussão PL da Anistia. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Repro­dução: Jurista Tânia Maria de Oliveira, da Asso­ci­ação Brasileira de Juris­tas pela Democ­ra­cia, con­sid­era Pro­je­to de Lei da Anis­tia incon­sti­tu­cional — Foto: Arqui­vo Pessoal/Divulgação

Tânia Oliveira con­sid­era que ess­es par­la­mentares usam os instru­men­tos da democ­ra­cia para uma briga que não é jurídi­ca, mas sim políti­ca. “Querem anis­tia àque­les que atacaram o próprio Par­la­men­to. Virou um debate que é estri­ta­mente políti­co, não é um debate jurídi­co. Eles querem anis­tiar estri­ta­mente por uma posição políti­ca”, acres­cen­tou.

Pacificação

Brasília (DF) 10/09/2024 Comissão de Constituição e Justiça da Câmara durante reunião para discutir o projeto de lei que concede anistia a todos os que tenham participado de manifestações em qualquer lugar do território nacional a partir do dia do dia 30 de outubro de 2022Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Repro­dução: Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça da Câmara durante reunião para dis­cu­tir o Pro­je­to de Lei da Anis­tia — Foto: Lula Marques/ Agên­cia Brasil

No pare­cer favoráv­el à anis­tia, o rela­tor da matéria na Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça da Câmara dos Dep­uta­dos, dep­uta­do Rodri­go Val­adares (União/SE), diz que a medi­da visa a “paci­fi­cação” do país e que “a polar­iza­ção políti­ca pode levar um país a uma guer­ra civ­il quan­do as ten­ta­ti­vas de apazigua­men­to são deix­adas de lado”.

O cien­tista políti­co João Feres Júnior, pro­fes­sor do Insti­tu­to de Estu­dos Soci­ais e Políti­cos da Uni­ver­si­dade Estad­ual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), con­sid­era que o pro­je­to deve ter o efeito con­trário ao anun­ci­a­do pelo rela­tor.

“A lib­er­tação dos rad­i­cais pre­sos não vai causar qual­quer paci­fi­cação. Muito pelo con­trário, vai sinalizar que é pos­sív­el atacar as insti­tu­ições de maneira vio­len­ta e sair incólume”, diz.

Brasília (DF), 12/09/2024 - O cientista político João Feres Júnior, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Repercussão PL da Anistia. Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
Repro­dução: Cien­tista políti­co João Feres Júnior diz que lib­er­tação dos rad­i­cais pre­sos não vai causar qual­quer paci­fi­cação — Foto: Arqui­vo Pessoal/Divulgação

Para o espe­cial­ista, a ten­ta­ti­va de anis­tiar os respon­sáveis pelo 8 de janeiro rev­ela cer­to deses­pero dos atores políti­cos por trás do movi­men­to que ques­tio­nou, sem provas, o resul­ta­do da eleição pres­i­den­cial de 2022.

“Os par­la­mentares bol­sonar­is­tas estão meio deses­per­a­dos. Eles estão se afer­ran­do ao que podem. Essa agen­da da anis­tia é bem lim­i­ta­da. Ape­nas querem livrar a cara de quem se envolveu na ten­ta­ti­va de golpe. Se você não con­segue faz­er um ape­lo para um eleitora­do maior, então você tem um prob­le­ma”, anal­isa.

Crime

Out­ro argu­men­to usa­do pelo rela­tor do PL da Anis­tia, é de que não hou­ve crime con­tra a democ­ra­cia, ape­nas a depredação do patrimônio públi­co e que aque­las pes­soas “não sou­ber­am naque­le momen­to expres­sar seu anseio”.

A jurista Eloísa Macha­do de Almei­da acred­i­ta que essa é uma ten­ta­ti­va de se ree­scr­ev­er a História e que as inves­ti­gações em cur­so no STF são robus­tas em relação ao que acon­te­ceu antes e durante o dia 8 de janeiro.

“Os argu­men­tos querem faz­er crer que não hou­ve crime, mas sim uma mera man­i­fes­tação de expressão. Isso está em total desacor­do com os fatos rev­e­la­dos nas inves­ti­gações e nas ações penais, onde se viu uma estru­tu­ra volta­da à práti­ca de crimes con­tra as insti­tu­ições democráti­cas, inclu­sive com a par­tic­i­pação da alta cúpu­la da Presidên­cia da Repúbli­ca, dep­uta­dos e pop­u­lares”, afir­ma.

RETROSPECTIVA_2023 - Atos golpistas de 8 de janeiro. - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: Atos golpis­tas de 8 de janeiro — Foto: Marce­lo Camargo/Agência Brasil

No Brasil, é crime ten­tar depor, por meio da vio­lên­cia ou de grave ameaça, o gov­er­no legit­i­ma­mente con­sti­tuí­do ou impedir e restringir o exer­cí­cio dos poderes con­sti­tu­cionais, con­forme define a Lei 14.197/2021. Essa leg­is­lação tam­bém con­sid­era crime inci­tar, pub­li­ca­mente, a ani­mosi­dade entre as Forças Armadas e os demais poderes con­sti­tu­cionais. As penas vari­am e podem chegar a 12 anos de cadeia.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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