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Apenas 5% dos povos negros da AL têm direitos à terra reconhecidos

Repro­dução: © Wev­er­son Pauli­no

Mapeamento sobre a América Latina foi divulgado na COP28


Pub­li­ca­do em 13/12/2023 — 22:34 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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No últi­mo dia 5 de dezem­bro, durante a Con­venção nas Nações Unidas sobre Mudanças Climáti­cas (COP28), real­iza­da em Dubai, Emi­ra­dos Árabes, líderes afrode­scen­dentes do Brasil, Colôm­bia e Hon­duras apre­sen­taram resul­ta­dos do estu­do “Ter­ri­to­ri­al­i­dade dos Povos Afrode­scen­dentes da Améri­ca Lati­na e do Caribe em Hotspots de Bio­di­ver­si­dade”.

Esse estu­do mostrou que ape­nas 5% dos povos negros dessas regiões têm recon­hec­i­men­to legal de seus dire­itos cole­tivos à ter­ra e ao ter­ritório. Ess­es povos estão pre­sentes em 205 mil­hões de hectares, engloban­do 16 país­es da região. Além dis­so, dados demon­stram que as comu­nidades de povos negros da Améri­ca Lati­na con­tribuem para a preser­vação do meio ambi­ente em seus ter­ritórios.

Essa foi a primeira análise region­al a doc­u­men­tar a pre­sença ter­ri­to­r­i­al dos povos afrode­scen­dentes e sua importân­cia para a Améri­ca Lati­na e o Caribe em ter­mos de desen­volvi­men­to, mit­i­gação e adap­tação às mudanças climáti­cas e con­ser­vação.

O even­to foi encer­ra­do nes­sa terça-feira (12). O obje­ti­vo era con­vo­car os Esta­dos e os par­ceiros da região da Améri­ca Lati­na e Caribe a pro­mover e imple­men­tar refor­mas para o recon­hec­i­men­to e a tit­u­lação dos ter­ritórios dos povos afrode­scen­dentes, como for­ma de garan­tir um cam­in­ho efi­caz para a mit­i­gação e a adap­tação às mudanças climáti­cas.

A dis­cussão foi orga­ni­za­da pela Rights and Resources Ini­tia­tive (RRI) e con­tou com a pre­sença de Susana Muhamad, min­is­tra do Meio Ambi­ente e Desen­volvi­men­to Sus­ten­táv­el da Colôm­bia; Omaira Bolaños, da RRI; Jose Luis Rengi­fo, do Pro­ce­so de Comu­nidades Negras (PCN); Katia Pen­ha, da Coor­de­nação Nacional de Artic­u­lação das Comu­nidades Negras Rurais Quilom­bo­las (Conaq) do Brasil; Gre­go­ria Jimenez, da Orga­ni­za­ção para o Desen­volvi­men­to das Comu­nidades Étni­cas (Ode­co), de Hon­duras; e Clemen­cia Cara­bali, da Asso­ci­ação de Mul­heres Afrode­scen­dentes do Norte do Cau­ca (Asom).

A dire­to­ra do Pro­gra­ma para a Améri­ca Lati­na da RRI, Omaira Bolaños con­ver­sou com a Agên­cia Brasil:

Agên­cia Brasil: Como o estu­do “Ter­ri­to­ri­al­i­dade da Bio­di­ver­si­dade dos Povos Afrode­scen­dentes na Améri­ca Lati­na e no Caribe”, apre­sen­ta­do na COP 28, em Dubai, pode con­tribuir para reduzir os efeitos das mudanças climáti­cas?

Omaira Bolaños: É impor­tante destacar que esse é o primeiro estu­do a doc­u­men­tar a pre­sença ter­ri­to­r­i­al dos povos afrode­scen­dentes e sua importân­cia para a Améri­ca Lati­na e o Caribe em ter­mos de desen­volvi­men­to, mit­i­gação e adap­tação às mudanças climáti­cas e con­ser­vação. Tra­ta-se de um esforço con­jun­to entre a RRI, a PCN, a Conaq, o Obser­vatório de Ter­ritórios Étni­cos e Cam­pone­ses (Otec) e out­ras 20 orga­ni­za­ções de base que o acom­pan­ham.

A análise rev­ela que há 205 mil­hões de hectares em 16 país­es da região com a pre­sença ter­ri­to­r­i­al de povos afrode­scen­dentes. Entre­tan­to, ape­nas 5% têm recon­hec­i­men­to legal de seus dire­itos cole­tivos à ter­ra e ao ter­ritório. Essa análise tam­bém mostra que há mais de 1.271 áreas pro­te­gi­das den­tro ou adja­centes aos ter­ritórios dos povos afrode­scen­dentes, 77% das quais têm trans­for­mação nat­ur­al reduzi­da, o que demon­stra a enorme con­tribuição dessas comu­nidades na pro­teção de áreas de alto val­or ecos­sistêmi­co.

O Brasil é um país sig­ni­fica­ti­vo diante dos dados aci­ma, pois 67% dessas áreas estão local­izadas em municí­pios cer­ti­fi­ca­dos com a pre­sença de comu­nidades quilom­bo­las sem tit­u­lação cole­ti­va.

Agên­cia Brasil: Que papel as comu­nidades tradi­cionais podem desem­pen­har na mit­i­gação das mudanças climáti­cas?

Omaira Bolaños: As comu­nidades são as pro­tag­o­nistas dessa ação. As con­clusões do estu­do iden­ti­fi­cam a situ­ação de modo que, a par­tir desse pon­to de par­ti­da, há muito tra­bal­ho a ser feito para o recon­hec­i­men­to e a pro­teção dos dire­itos das pop­u­lações quilom­bo­las den­tro dos regimes legais de dire­itos de pro­priedade cole­ti­va. O meio ambi­ente é preser­va­do quan­do os ter­ritórios quilom­bo­las são pro­te­gi­dos. A gestão ter­ri­to­r­i­al quilom­bo­la é con­ser­va­cionista por excelên­cia.

Agên­cia Brasil: Emb­o­ra a pop­u­lação afrode­scen­dente na Améri­ca Lati­na e Caribe rep­re­sente cer­ca de 30% da pop­u­lação total da região, os dire­itos das comu­nidades tradi­cionais ain­da não são recon­heci­dos por muitos país­es. O que deve ser feito para revert­er essa situ­ação?

Omaira Bolaños: Um even­to dessa mag­ni­tude, que reúne líderes region­ais para apre­sen­tar os resul­ta­dos do estu­do sobre a pre­sença ter­ri­to­r­i­al dos povos afrode­scen­dentes e sua importân­cia para a Améri­ca Lati­na e o Caribe em ter­mos de desen­volvi­men­to, mit­i­gação e adap­tação às mudanças climáti­cas e con­ser­vação, já é um pas­so impor­tante para envolver difer­entes gov­er­nos na neces­si­dade de imple­men­tar políti­cas que recon­heçam os dire­itos de posse ter­ri­to­r­i­al dos povos afrode­scen­dentes e sua importân­cia na agen­da glob­al e nas metas de mit­i­gação das mudanças climáti­cas e con­ser­vação da bio­di­ver­si­dade.

Livro digital que resgata receitas ancestrais de comunidades quilombolas. - Família que vive no Quilombo Sobara prepara a Sola, receita ancestral. Foto: Ricardo Alvez
Repro­dução: Segun­do Omaira Bolaños, estu­dos mostram que quan­do detêm dire­ito à pro­priedade, comu­nidades afrode­scen­dentes aumen­tam a capaci­dade de evi­tar o des­mata­men­to. Foto: Ricar­do Alvez

Agên­cia Brasil: As flo­restas trop­i­cais rep­re­sen­tam cer­ca de 87 mil­hões de hectares nos ter­ritórios mapea­d­os dos povos afrode­scen­dentes, muitos dos quais estão local­iza­dos em áreas con­sid­er­adas de bio­di­ver­si­dade. O que pode ser feito para garan­tir que ess­es ter­ritórios sejam recon­heci­dos como de grande val­or para a preser­vação do plan­e­ta? E que políti­cas públi­cas os gov­er­nos dev­e­ri­am intro­duzir para pro­te­ger e garan­tir os dire­itos das pes­soas de ascendên­cia africana, como os quilom­bo­las?

Omaira Bolaños: O Brasil é um país sig­ni­fica­ti­vo diante dos dados aci­ma, pois 67% dessas áreas estão local­izadas em municí­pios cer­ti­fi­ca­dos com a pre­sença de comu­nidades quilom­bo­las sem tit­u­lação cole­ti­va. Ape­nas 1.093.645,1 hectares foram legal­mente recon­heci­dos às comu­nidades quilom­bo­las no Brasil. Ain­da há pedi­dos de recon­hec­i­men­to de 2.387.859,7 hectares de ter­ras de comu­nidades quilom­bo­las pen­dentes. O Brasil é um dos poucos país­es com um arcabouço legal robus­to e uma estru­tu­ra insti­tu­cional com capaci­dade para avançar na imple­men­tação de políti­cas de dire­itos de posse de ter­ra para comu­nidades quilom­bo­las em nív­el nacional e sub­na­cional.

Vários estu­dos demon­stram que, quan­do as comu­nidades têm dire­itos legais de posse sobre suas ter­ras, sua capaci­dade de evi­tar o des­mata­men­to e pro­te­ger a bio­di­ver­si­dade aumen­ta. Garan­tir os dire­itos à ter­ra e aos recur­sos das comu­nidades quilom­bo­las é uma das maneiras mais efi­cazes de avançar em direção às metas do Brasil em relação à mit­i­gação das mudanças climáti­cas e à pro­teção da bio­di­ver­si­dade. O estu­do mostra o papel sig­ni­fica­ti­vo que as ter­ras das comu­nidades afrode­scen­dentes em toda a Améri­ca Lati­na têm na pro­teção dos ines­timáveis recur­sos flo­restais da Ter­ra.

Esper­amos que essa abor­dagem pos­sa ampli­ficar as vozes da pop­u­lação local e envolver proa­t­i­va­mente gov­er­nos, insti­tu­ições mul­ti­lat­erais e atores do setor pri­va­do na adoção de refor­mas insti­tu­cionais e de mer­ca­do para apoiar os dire­itos de posse das comu­nidades quilom­bo­las, de modo que elas con­tin­uem desen­vol­ven­do estraté­gias que apoiem a sus­tentabil­i­dade da flo­res­ta e pro­te­jam a bio­di­ver­si­dade”.

Agên­cia Brasil: Em 11 país­es, os dire­itos à ter­ra dess­es povos foram recon­heci­dos, mas em out­ros isso ain­da não acon­te­ceu. O que as orga­ni­za­ções não gov­er­na­men­tais (ONGs) da Améri­ca Lati­na e do Caribe lig­adas à causa dos afrode­scen­dentes propõem para reme­di­ar essa situ­ação?

Omaira Bolaños: Acred­i­ta­mos que a saí­da para a crise pode ser iden­ti­fi­ca­da pelas comu­nidades e ter­ritórios que sofrem ess­es impactos. Eles são os pro­tag­o­nistas dessa ação. Uma maneira é con­hecer mel­hor os ter­ritórios, inclu­sive os que estão ao nos­so redor. A coal­izão para a pro­dução do estu­do em 16 país­es da região com a pre­sença ter­ri­to­r­i­al de povos afrode­scen­dentes, um esforço con­jun­to entre a RRI, o PCN, a Conaq, o Obser­vatório de Ter­ritórios Étni­cos e Cam­pone­ses (Otec) e out­ras 20 orga­ni­za­ções de base que o acom­pan­ham, abre cam­in­ho para que sejam cri­adas soluções nas comu­nidades e nos ter­ritórios para prob­le­mas com­plex­os.

A coal­izão de orga­ni­za­ções afrode­scen­dentes e ali­a­dos que tra­bal­ham jun­tos nes­sa estraté­gia region­al baseia-se em um roteiro que define duas grandes ações inter-rela­cionadas: o mapea­men­to de seus ter­ritórios e o ‘sta­tus’ legal do recon­hec­i­men­to dos dire­itos de posse sobre ess­es ter­ritórios. Essas duas ações têm o obje­ti­vo de infor­mar a cada um dos gov­er­nos e às comu­nidades doado­ras inter­na­cionais e bilat­erais onde novas políti­cas pre­cisam ser cri­adas ou imple­men­tadas e o nív­el de apoio — nacional ou sub­na­cional — para garan­tir o avanço dos dire­itos à ter­ra das comu­nidades afrode­scen­dentes e quilom­bo­las.

Edição: Marce­lo Brandão

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