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Após 8 anos de luta, escola muda de nome e homenageia escritora

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Sai o nome Infante Dom Henrique e entra Espaço de Bitita


Pub­li­ca­do em 21/06/2023 — 08:43 Por Daniel Mel­lo — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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O anti­go nome da Esco­la Munic­i­pal de Ensi­no Fun­da­men­tal Espaço de Biti­ta — Infante Dom Hen­rique — foi ocul­ta­do por um plás­ti­co que cobre a pla­ca do esta­b­elec­i­men­to, na zona norte paulis­tana. O novo nome, que aparece impro­visa­do escrito na lona pre­ta, é resul­ta­do de uma luta da comu­nidade esco­lar que começou em 2015.

Foi naque­le ano que, após uma votação aber­ta a toda a comu­nidade do bair­ro do Canindé, ficou deci­di­do que o nome da esco­la pas­saria a hom­e­nagear a escrito­ra Car­oli­na Maria de Jesus, que morou na região. A auto­ra, quan­do escreveu seu livro mais famoso – Quar­to de Despe­jo, provavel­mente viu a con­strução da esco­la, inau­gu­ra­da em 1960, a poucos met­ros do local onde fica­va a favela onde vivia.

A escol­ha de um novo nome foi deci­di­da após debates a respeito do anti­go Infante Dom Hen­rique, um nobre por­tuguês que par­ticipou do esta­b­elec­i­men­to do trá­fi­co de pes­soas escrav­izadas da África. “Ele foi fun­dador do trá­fi­co negreiro no mun­do”, diz o dire­tor da esco­la, Cláu­dio Mar­ques Neto, sobre o per­son­agem históri­co.

São Paulo (SP), 19/06/2023 - Fachada da antiga Escola Municipal de Ensino Fundamental - EMEF Infante Dom Henrique, agora chamada EMEF Espaço de Bitita, em homenagem a escritora Carolina Maria de Jesus, no Canindé. Foto: Rovena Rosa/Agência
Repro­dução: São Paulo (SP), 19/06/2023 — Facha­da da anti­ga Esco­la Munic­i­pal de Ensi­no Fun­da­men­tal — EMEF Infante Dom Hen­rique, ago­ra chama­da EMEF Espaço de Biti­ta, em hom­e­nagem a escrito­ra Car­oli­na Maria de Jesus, no Canindé. Foto: Rove­na Rosa/Agência — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Persistência

Um pro­je­to de lei, que alter­a­va o nome da esco­la para hom­e­nagear Car­oli­na de Jesus, chegou a ser aprova­do na Câmara de Vereadores de São Paulo em 2017. Esse primeiro pro­je­to, no entan­to, foi veta­do pelo então prefeito João Doria naque­le mes­mo ano. Segun­do Cláu­dio Neto, a decisão foi jus­ti­fi­ca­da pelo fato de já exi­s­tir uma esco­la com o nome da escrito­ra e tam­bém com o argu­men­to de que Dom Hen­rique seria um nome de “tradição” no bair­ro.

Para con­tornar a buro­c­ra­cia, foi apre­sen­ta­do então o nome Espaço de Biti­ta, em refer­ên­cia ao apeli­do de infân­cia da escrito­ra, que é lem­bra­do no livro Diário de Biti­ta. A lei que deter­mi­na essa mudança foi san­ciona­da pelo prefeito Ricar­do Nunes no últi­mo dia 6 de jun­ho.

São Paulo (SP), 19/06/2023 - Cláudio Marques Neto, diretor da EMEF Espaço de Bitita no Canindé, antes chamada EMEF Infante Dom Henrique, fala sobre o processo para conseguir mudar o nome da escola e homenagear a escritora Carolina Maria de Jesus. Foto: Rovena Rosa/Agência
Repro­dução: São Paulo (SP), 19/06/2023 — Cláu­dio Mar­ques Neto, dire­tor da EMEF Espaço de Biti­ta no Canindé, antes chama­da EMEF Infante Dom Hen­rique, fala sobre o proces­so para con­seguir mudar o nome da esco­la e hom­e­nagear a escrito­ra Car­oli­na Maria de Jesus. Foto: Rove­na Rosa/Agência — Rove­na Rosa/Agência Brasil

“A lição pedagóg­i­ca mais impor­tante para nós é que, às vezes, para mudar uma real­i­dade você pre­cisa ter per­sistên­cia”, desta­ca o dire­tor sobre o proces­so. De acor­do com ele, a ale­gria foi tan­ta que uma fes­ta está sendo plane­ja­da para comem­o­rar o rebatismo da esco­la. “A gente tem ess­es pais e mães que são muito enga­ja­dos, que par­tic­i­pam da esco­la, então foi uma fes­ta”, diz sobre as man­i­fes­tações que chegaram pres­en­cial­mente e por men­sagens de what­sapp.

Para Neto, a luta pela mudança faz parte da con­strução do “tipo de con­hec­i­men­to” que a esco­la propõe. “Você deixa de con­tar a história do pon­to de vista do dom­i­nador e pas­sa a con­tar do pon­to de vista das pes­soas sim­ples do lugar”.

“Pensei que era uma pessoa boa”

A mudança foi con­sid­er­a­da bem-vin­da entre os alunos. “Fiquei sur­pre­so, porque pen­sei que era uma pes­soa boa”, disse Pedro Brito, aluno do 8º ano, quan­do foi infor­ma­do a respeito da história do Infante Dom Hen­rique. “Se não é [uma pes­soa boa], por que deixar o nome [na esco­la] e rep­re­sen­tar uma pes­soa que é ruim?”, ques­tiona o jovem de 14 anos.

“A Car­oli­na Maria de Jesus foi uma mul­her muito forte”, afir­ma, com uma pon­ta de orgul­ho, Emanuel­ly Fer­reira, que tem 13 anos e tam­bém cur­sa o 8º ano.

Para a his­to­ri­ado­ra espe­cial­ista em patrimônio cul­tur­al, Deb­o­ra Neves, difi­cul­dades como a enfrenta­da pela comu­nidade da esco­la Espaço de Biti­ta para con­seguir a alter­ação do nome, tem a ver com “uma buro­c­ra­cia instru­men­tal­iza­da que bar­ra o avanço dess­es debates”. Segun­do ela, isso acon­tece “porque são temas que ain­da estão muito pre­sentes na nos­sa sociedade. Tem a ver com a difi­cul­dade de a gente encar­ar o pas­sa­do como ele efe­ti­va­mente é. O nos­so pas­sa­do não é sim­páti­co, não é boni­to”.

No entan­to, ape­sar dos obstácu­los, Deb­o­rah acred­i­ta que movi­men­tos como o que ocor­reu no Canindé devem se mul­ti­plicar. “Esse é um proces­so que não vai ser inter­rompi­do, porque as pes­soas estão cada vez mais se apro­prian­do daqui­lo com que elas con­vivem no cotid­i­ano e querem se sen­tir per­ten­centes a ess­es espaços”, enfa­ti­za.

O cam­in­ho per­cor­ri­do pela comu­nidade na zona norte é, na avali­ação da his­to­ri­ado­ra, o mel­hor tra­je­to para tra­bal­hos como esse, começan­do pelo recon­hec­i­men­to e debate. “De modo ger­al, as pes­soas não sabem quem são os patronos dessas esco­las, pré­dios públi­cos, de ruas. Então, o primeiro pas­so é jus­ta­mente des­per­tar essa curiosi­dade”.

São Paulo (SP), 19/06/2023 - Crianças realizam projetos de ciências no pátio da antiga Escola Municipal de Ensino Fundamental - EMEF Infante Dom Henrique, agora chamada EMEF Espaço de Bitita, em homenagem a escritora Carolina Maria de Jesus, no Canindé. Foto: Rovena Rosa/Agência
Repro­dução: São Paulo (SP), 19/06/2023 — Cri­anças real­izam pro­je­tos de ciên­cias no pátio da anti­ga Esco­la Munic­i­pal de Ensi­no Fun­da­men­tal — EMEF Infante Dom Hen­rique, ago­ra chama­da EMEF Espaço de Biti­ta, em hom­e­nagem a escrito­ra Car­oli­na Maria de Jesus, no Canindé. Foto: Rove­na Rosa/Agência — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Estação Paulo Freire

Em maio, a Justiça de São Paulo impediu que o metrô mudasse o nome da futu­ra Estação Paulo Freire, pre­vista para ser inau­gu­ra­da em 2026 na Lin­ha Verde, para Fer­não Dias. O primeiro nome faz refer­ên­cia ao patrono da edu­cação brasileira e o segun­do a um ban­deirante que viveu no sécu­lo 17.

A empre­sa sus­ten­ta que a alter­ação foi fei­ta após uma pesquisa de opinião. A estação ficará local­iza­da na Aveni­da Paulo Freire, na zona leste paulis­tana.

Nesse caso, a his­to­ri­ado­ra vê o proces­so como insu­fi­ciente. “O proces­so par­tic­i­pa­ti­vo envolve dis­cussão, debate, leituras, escu­tas, estu­dos. Enfim, não é só abrir um for­mulário e as pes­soas votam sim ou não”, desta­ca Deb­o­rah.

Edição: Graça Adju­to

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