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Após um mês de calamidade, gaúchos não conseguem retomar rotina

Repro­dução: © Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Água da enchente baixou, mas rastro de destruição ainda é obstáculo


Publicado em 01/06/2024 — 16:56 Por Pedro Rafael Vilela — Repórter da Agência Brasil — Brasília

A catástrofe climáti­ca no Rio Grande do Sul ain­da está longe de ter­mi­nar para o povo gaú­cho, que vive ago­ra os efeitos pro­lon­ga­dos da dev­as­tação cau­sa­da pelas enchentes e inun­dações. No dia em que o decre­to que recon­heceu a calami­dade públi­ca com­ple­ta um mês, ain­da há 37,8 mil pes­soas em abri­gos e mais de 580 mil fora de casa. Quem con­seguiu voltar para casa encon­trou um cenário de abso­lu­ta destru­ição e per­das ines­timáveis.

A cata­do­ra de mate­r­i­al reci­cláv­el Clau­dia Rodrigues, 52 anos, que mora na região da Vila Far­ra­pos, zona norte de Por­to Ale­gre, voltou há menos de dois dias para casa. Antes, ela pas­sou quase qua­tro sem­anas acam­pa­da à beira da rodovia Free­way, que cor­ta a cidade pela zona norte, em uma cena que se tornou comum na região met­ro­pol­i­tana. A rua ain­da está ala­ga­da na altura dos cal­can­hares, mas den­tro de casa a água baixou com­ple­ta­mente, rev­e­lando um ambi­ente reple­to de lama, ratos mor­tos, móveis revi­ra­dos, eletrodomés­ti­cos per­di­dos.

“A dor que eu estou sentin­do não tem como explicar, uma mágoa. Olhar para o teu próprio lar e ver um nada. A gente se vê na escuridão. Mas eu creio que vai dar cer­to e que isso é pas­sageiro, só que até as coisas se ajeitaram é com­pli­ca­do”, desabafa.

01/06/2024- Moradora da Vila Farrapos, zona norte de Porto Alegre, Claudia Rodrigues registrou o cenário de destruição que encontrou em casa quando as águas baixaram. Foto: Claudia Rodrigues/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Morado­ra da Vila Far­ra­pos, zona norte de Por­to Ale­gre, Clau­dia Rodrigues perdeu móveis e o fogão na inun­dação. Foto: Clau­dia Rodrigues/Arquivo Pes­soal

Ela só con­seguiu voltar para casa porque o ter­reno tem um desnív­el e a parte do quar­to, que fica aci­ma, não foi alcança­da pela água, preser­van­do ape­nas a cama e o guar­da-roupas. Com tan­ta sujei­ta e camadas de lama e entul­ho acu­mu­la­da, a limpeza deve levar vários dias. Out­ro prob­le­ma é o com­pro­me­ti­men­to da estru­tu­ra do imóv­el. Clau­dia notou que as pare­des estão com rachaduras e a laje está se soltan­do. Sem o fogão, destruí­do pela inun­dação, ela está depen­den­do da doação de quentin­has para se ali­men­tar. A ener­gia no bair­ro só foi reli­ga­da na man­hã deste sába­do (1º).

Em Eldo­ra­do do Sul, na região met­ro­pol­i­tana de Por­to Ale­gre, a autôno­ma Andres­sa Pires, 31 anos, mãe solo de três fil­hos, ain­da não con­seguiu voltar para casa. Ela vive com os fil­hos, os irmãos, uma cun­ha­da e os pais em um ter­reno grande com três casas, no cen­tro da cidade. Eldo­ra­do do Sul teve prati­ca­mente 100% da área urbana inun­da­da.

“Tá tudo muito úmi­do em casa, o pátio ain­da está sujo e com mui­ta lama para con­seguir levar meus pais e as cri­anças de vol­ta ao lar”, con­ta. A reportagem da Agên­cia Brasil esteve com Andres­sa no dia 22 de maio, quan­do ela esta­va já no quar­to dia de limpeza da casa. Out­ro prob­le­ma, segun­do ela, é que nem todo o comér­cio da cidade voltou ao nor­mal, então não há padarias, far­má­cias nem mer­ca­dos próx­i­mos. Andres­sa e os famil­iares fazem parte da estatís­ti­ca das pes­soas desa­lo­jadas. Eles estão na casa de par­entes em Char­queadas, municí­pio viz­in­ho.

Vale do Taquari

No Vale do Taquari, que sobre­viveu a três enchentes, sendo a do mês pas­sa­do a pior de todas, o momen­to ain­da é de recu­per­ação do bási­co. Um dos epi­cen­tros da tragé­dia foi o pequeno municí­pio de Muçum, com seus 4,8 mil habi­tantes. Cer­ca de 80% da área urbana foi inun­da­da. A prefeitu­ra cal­cu­la que vai pre­cis­ar realo­car cer­ca de 40% dessa área para out­ros locais seguros con­tra enchentes e desliza­men­tos, que tam­bém causaram danos e blo­queios de estradas.

“O municí­pio de Muçum está no momen­to ain­da de limpeza urbana, de des­ob­strução de vias e de condições de trafe­ga­bil­i­dade, prin­ci­pal­mente para o pes­soal do inte­ri­or [zona rur­al]. A gente desta­ca que algu­mas pro­priedades do inte­ri­or do municí­pio ain­da não têm ener­gia elétri­ca e que o tra­bal­ho é inten­so para poder devolver essa condição para ess­es moradores, que é o mín­i­mo que eles podem ter para con­seguir resta­b­ele­cer sua pro­dução. [Aqui] tem muitos pro­du­tores de leite que estão, infe­liz­mente, ten­do que jog­ar fora sua pro­dução por fal­ta de condições e tam­bém de aces­so. E isso tem sido o foco prin­ci­pal do nos­so tra­bal­ho”, expli­ca o prefeito do municí­pio, Mateus Tro­jan (MDB), em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Segun­do Tro­jan, a con­tinuidade das chu­vas, mes­mo após a baixa do Rio Taquari, que chegou a subir mais de 25 met­ros, acabou prej­u­di­can­do os esforços de recu­per­ação da infraestru­tu­ra.

O Vale do Taquari com­preende dezenas de municí­pios na região cen­tral do Rio Grande do Sul, com forte pre­sença da agri­cul­tura famil­iar e uma agroindús­tria pujante. Um dos desafios é con­seguir reter empre­sas e empre­gos na região, que começa a sen­tir os efeitos da dev­as­tação. “O proces­so, ago­ra, é grada­ti­vo pela recu­per­ação das empre­sas, do comér­cio, do setor primário como um todo. As lavouras foram muito prej­u­di­cadas sem os aces­sos, geran­do cus­tos maiores de pro­dução, mas são coisas que tam­bém ao lon­go das sem­anas a gente vai bus­can­do amenizar os impactos, bus­can­do alter­na­ti­vas de lin­has de crédi­to e de incen­tivos para que a gente pos­sa revert­er essa situ­ação e recu­per­ar todo o nos­so setor pro­du­ti­vo”, acres­cen­tou Tro­jan.

Região Sul

Enquan­to a água das inun­dações no Vale do Taquari e na região met­ro­pol­i­tana de Por­to Ale­gre baixaram, na Região Sul do esta­do os alaga­men­tos ain­da per­sis­tem. Em Pelotas, por exem­p­lo, cer­ca de 4 mil moradores da Colô­nia Z3, uma comu­nidade de pescadores arte­sanais às mar­gens da Lagoa dos Patos, estão com as casas inun­dadas.

“A água esta­bi­li­zou, não encheu mais, o que é um bom sinal. E começa a baixar. As coisas vão se nor­malizar, mas vai levar um tem­po. Tem mui­ta gente em abri­go, na casa de par­entes, cer­ca de 70% dos moradores desa­lo­ja­dos”, esti­ma o pres­i­dente do Sindi­ca­to dos Pescadores da Colô­nia Z3, Nil­mar Con­ceição. A pre­ocu­pação segue sendo uma crise econômi­ca pro­lon­ga­da para o setor pesqueiro de toda a região sul do esta­do, que abrange municí­pios como Pelotas, Rio Grande, São José do Norte e São Lourenço, já que a per­spec­ti­va dos pescadores arte­sanais é que a lagoa não ren­da mais pesca este ano, mes­mo após o perío­do do seguro-defe­so.

01/06/2024 - Fotos de Muçum - Vale do Taquari - Rio Grande do Sul. Foto: @andreconceicaoz_ / @colli.agenciacriativa
Repro­dução: O municí­pio de Muçum, no Vale do Taquari, foi dev­as­ta­do pelas águas. Cer­ca de 40% da área urbana terá que ser realo­ca­da. Foto: @andreconceicaoz_ / @colli.agenciacriativa

A Lagoa dos Patos recebe as águas que vêm do Lago Guaí­ba, em Por­to Ale­gre, e de out­ros aflu­entes. No últi­mo dia 29 de maio, o nív­el da água esta­va 2,20 met­ros, mais baixo do que medições ante­ri­ores. Já o canal São Gonça­lo, um canal nat­ur­al de 76 quilômet­ros (km) que liga a Lagoa dos Patos à Lagoa Mir­im, pas­san­do pela área urbana de Pelotas, esta­va com inun­dação de 2,86 met­ros, bem abaixo dos 3,13 met­ros que havia chega­do na sem­ana pas­sa­da, o maior vol­ume da história. O canal é fonte de pre­ocu­pação porque há um dique de 3 met­ros pro­te­gen­do cer­ca de cin­co bair­ros com mais de 40 mil pes­soas.

Serra Gaúcha

Out­ra região do esta­do atingi­da pelas enchentes tam­bém ten­ta se recu­per­ar após um mês da tragé­dia. Gra­ma­do, na Ser­ra Gaúcha, que reg­istrou desliza­men­tos de ter­ra, blo­queio de estradas e mais de 1 mil desabri­ga­dos, reto­mou a ativi­dade turís­ti­ca. A cidade é o prin­ci­pal des­ti­no turís­ti­co do Rio Grande do Sul.

“Todos os atra­tivos reaber­tos. Muitos hotéis com boa ocu­pação. Ain­da não é o nor­mal, esta­mos um pouco longe dis­so, mas é um respiro em meio a isso tudo”, disse à Agên­cia Brasil o secretário de Tur­is­mo do municí­pio, Ricar­do Bertoluc­ci Regi­na­to.

Ações de reconstrução

No dia 17 de maio, o gov­er­nador do Rio Grande do Sul, Eduar­do Leite, anun­ciou a cri­ação do Plano Rio Grande, ini­cia­ti­va estad­ual des­ti­na­da a reparar os danos cau­sa­dos pelas enchentes.

O plano pre­vê ações em três frentes. A primeira, com ações focadas no cur­to pra­zo, pri­or­iza a assistên­cia social; a segun­da envolve ações de médio pra­zo, como empreendi­men­tos habita­cionais e obras de infraestru­tu­ra; e a ter­ceira pre­vê ações de lon­go pra­zo, como um plano de desen­volvi­men­to econômi­co mais amp­lo.

Já o gov­er­no fed­er­al, entre lib­er­ação de recur­sos, ante­ci­pação de bene­fí­cios e out­ras ações des­ti­nou até o momen­to R$ 62,5 bil­hões. Entre out­ras medi­das para prestar assistên­cia às famílias, foi cri­a­do o Auxílio Recon­strução, que pagará R$ 5,1 mil a cada família em parcela úni­ca. Tam­bém foi anun­ci­a­do o adi­anta­men­to do Bol­sa Família para os ben­efi­ciários, a lib­er­ação do FGTS para 228,5 mil tra­bal­hadores em 368 municí­pios, além da resti­tu­ição ante­ci­pa­da do impos­to de ren­da para 900 mil pes­soas.

Edição: Marce­lo Brandão

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