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Artistas com Down contrariam previsões e viram inspirações

Repro­dução: © Lúcio Piatino/Arquivo Pes­soal

Hoje é dia Internacional da Síndrome de Down


Publicado em 21/03/2024 — 08:56 Por Luiz Claudio Ferreira — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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As tin­tas que saem das mãos e dos pincéis do artista plás­ti­co brasiliense Lúcio Pianti­no, de 28 anos, trazem uma lin­guagem abstra­ta e de sen­ti­do humano e inclu­si­vo con­cre­to. O rapaz, mul­ti­artista, tam­bém atua, dança e faz do pal­co uma própria casa. Ali, ele encar­na pal­haço, drag queen e sem­pre aman­do tudo o que faz. No momen­to, out­ra feli­ci­dade é que está no cam­in­ho de con­cluir o ensi­no médio, que chegou a desi­s­tir no pas­sa­do porque viu em esco­las lugares hostis para pes­soas com Sín­drome de Down como ele.

“Eu sofri pre­con­ceito den­tro da esco­la por ter sín­drome de Down. Quan­do eu era ado­les­cente, min­ha mãe me lev­ou a pin­tar. E eu come­cei a min­ha car­reira de artista plás­ti­co”, afir­mou Pianti­no em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Aliás, o momen­to de difi­cul­dades é relem­bra­do como um “mar­co” pela mãe, a pro­du­to­ra cul­tur­al e pro­fes­so­ra Lur­dinha Danezy, de 65 anos.

Ela recor­da que, aos 12 anos de idade, o meni­no pediu uma reunião famil­iar para se queixar da esco­la.

Brasília (DF) 21/03/2024 - As tintas que saem das mãos e dos pincéis do artista plástico brasiliense Lúcio Piantino, de 28 anos de idade, trazem uma linguagem abstrata e de sentido humano e inclusivo tão concreto. O rapaz, multiartista, também atua, dança e faz do palco uma própria casa. Ali encarna palhaço, drag queen e amando tudo o que faz. Foto: Lúcio Piatino/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Lúcio Pianti­no e sua mãe, Lur­dinha Danezy: unidos em torno da arte — Foto - Lúcio Piantino/Arquivo Pes­soal

“Ele disse que não que­ria mais sofr­er. Aí, eu o lev­ei para o meu ateliê e come­cei a dar mate­r­i­al para ele pin­tar”. O artista nun­ca mais parou. Em telas, lonas, muros…“O primeiro quadro que eu pin­tei foi o Homem Que­bra­do. Eu peguei uma lona grande, de dois met­ros”, recor­da o rapaz.

E acres­cen­ta: “quan­do rece­bi o diag­nós­ti­co da sín­drome de Down, me falaram que ele iria demor­ar para andar e falar, e que difi­cil­mente iria con­seguir estu­dar. Eu aceit­ei o diag­nós­ti­co, mas recu­sei ter­mi­nan­te­mente o prognós­ti­co de defi­ciên­cia”, recor­da a mãe.

Segun­do a Bib­liote­ca Vir­tu­al em Saúde, a Sín­drome de Down é genéti­ca e deter­mi­na­da pelo fato de a pes­soa nascer com um cro­mos­so­mo a mais (47 e não 46). Entre os traços car­ac­terís­ti­cos, estão olhos semel­hantes aos ori­en­tais, nar­iz menor e ros­to arredonda­do, além de orel­has e mãos peque­nas e pescoço cur­to e grosso.

Lur­dinha lem­bra que o fil­ho teve um desen­volvi­men­to motor muito próx­i­mo das cri­anças da idade dele. “Ele começou a ler com qua­tro anos de idade. Com seis, ele  esta­va alfa­bet­i­za­do. Mas tive­mos muitos prob­le­mas em esco­las pri­vadas”. Ela lamen­ta, inclu­sive, que o fil­ho ten­ha sido recu­sa­do em colé­gios de Brasília.

Peculiaridades

A tra­jetória do garo­to artista foi descri­ta pela mãe em dois livros. Uma par­ceira de pesquisa foi a psicólo­ga Eliz­a­beth Tunes, com quem escreveu Cadê a Sín­drome de Down que esta­va aqui? No ano pas­sa­do, lançou o livro Meu Fil­ho é um Artista. Lutas, Vivên­cias e Con­quis­tas na Sín­drome de Down. Já são qua­tro edições.

A psicólo­ga enfa­ti­za que toda pes­soa tem sua pecu­liari­dade. “Cada aluno é de um jeito. O grande mestre da cri­ança em casa é o exem­p­lo. Então, se você tem pais leitores, a chance de você ter fil­hos leitores é altís­si­ma. Cri­ação só existe em esta­do de liber­dade”, afir­ma a pesquisado­ra. Ela anal­isa que é necessário não pri­orizar a sín­drome, mas sim a cri­ança.  Nós pre­cisamos só orga­ni­zar o ambi­ente para que ela [a cri­ança] ten­ha todos os estí­mu­los para per­cor­rer os cam­in­hos que escol­heu”.

Neste mes­mo sen­ti­do, enti­dades sem fins lucra­tivos e espe­cial­izadas como as Asso­ci­ações de Pais e Ami­gos dos Excep­cionais (Apaes) enten­dem que a cul­tura e o esporte são fun­da­men­tais para inclusão de pes­soas com Sín­drome de Down.

De acor­do com a dire­to­ra nacional de assistên­cia social da Fed­er­ação Nacional das Apaes, Ivone Mag­gioni, a arte e o esporte são estraté­gias que desen­volvem habil­i­dades especí­fi­cas e soci­ais, incluin­do rela­ciona­men­to entre as pes­soas, de vín­cu­los entre os envolvi­dos e autoes­ti­ma. “A Apae [Asso­ci­ação de Pais e Ami­gos dos Excep­cionais] desen­volve essas ativi­dades por meio das políti­cas públi­cas. Há enti­dades em 2,2 mil municí­pios”. A dire­to­ra enfa­ti­za que out­ra estraté­gia é de empodera­men­to das famílias e o for­t­alec­i­men­to de vín­cu­los da rede famil­iar.

Carreira

No caso de Lúcio, quan­do a mãe viu o meni­no pin­tar em esti­lo abstra­to, ela se sur­preen­deu e resolveu man­dar para artis­tas. O rapaz, assim, já con­tabi­liza 16 anos de car­reira, mais de 200 quadros e “inúmeras” exposições, inclu­sive em museu na Itália.

Mais recen­te­mente, o garo­to, que gosta­va de teatro na infân­cia, foi para os pal­cos com tex­tos da mãe. Entre as peças, Xaxará e Limon­a­da, que é um espetácu­lo de pal­haçaria, e Somos Como Somos e Não Cro­mos­so­mos, um espetácu­lo solo. Nes­sa peça, ele faz qua­tro per­son­agens. A direção é da dra­matur­ga Môni­ca Gas­par, pesquisado­ra em cur­so de doutora­do sobre a uti­liza­ção do teatro para pes­soas com defi­ciên­cia.

Para ela, a difer­ença entre pes­soas atípi­cas e con­ven­cionais no pal­co está no tem­po necessário para a real­iza­ção do tra­bal­ho. “Eu con­segui cri­ar o meu méto­do de tra­bal­ho a par­tir da pes­soa que con­tra­ce­na com o Lúcio, por exem­p­lo”. Ela expli­ca que, nesse méto­do, o tex­to ante­ri­or ao da pes­soa atípi­ca deve ofer­e­cer dicas para a fala do ator com down, por exem­p­lo.

“A gente ten­ta diminuir o máx­i­mo pos­sív­el o nos­so capacitismo, prin­ci­pal­mente frente a uma plateia ávi­da por clas­si­ficar pes­soas com defi­ciên­cia. Eu vejo uma evolução muito grande dele”, diz Môni­ca.

Palhaço e drag

No próx­i­mo dia 24, Lúcio vai ence­nar no Fes­ti­val de Cul­tura Inclu­si­va, em Brasília, dois espetácu­los. Um é o de pal­haçaria e o out­ro é o Con­ver­sa de Drags. Para a mãe, tudo o que o fil­ho con­quis­tou é uma respos­ta a quem não con­fiou ou arriscou pre­visões ruins. “A defi­ciên­cia int­elec­tu­al na Sín­drome de Down é social, históri­ca e cul­tural­mente con­struí­da”, obser­va a mãe.

Brasília (DF) 21/03/2024 - As tintas que saem das mãos e dos pincéis do artista plástico brasiliense Lúcio Piantino, de 28 anos de idade, trazem uma linguagem abstrata e de sentido humano e inclusivo tão concreto. O rapaz, multiartista, também atua, dança e faz do palco uma própria casa. Ali encarna palhaço, drag queen e amando tudo o que faz. Foto: Lúcio Piatino/Arquivo Pessoal
Repro­dução: Lúcio Pianti­no, de 28 anos, encar­na pal­haço e drag queen. Foto: Lúcio Piantino/Arquivo Pes­soal

No pal­co ou nas telas, o artista diz que o mais inspi­rador está na família e nos ami­gos. As artes estão unidas. “A min­ha lona de cin­co met­ros virou o cenário da min­ha peça”. Depois de encer­rar o ensi­no médio, quer faz­er o cur­so supe­ri­or em artes.

Música

Out­ro apaixon­a­do pelo pal­co é o mineiro Eduar­do Gon­ti­jo, ou Dudu do Cava­co, de 33 anos de idade. O músi­co toca 10 instru­men­tos de per­cussão e, nes­ta quin­ta-feira (21), Dia de Con­sci­en­ti­za­ção sobre a Sín­drome de Down, se apre­sen­ta com a can­to­ra Rober­ta Sá, em show no Teatro Unimed, em Brasília. Ele recor­da que pegou gos­to pela músi­ca des­de os cin­co anos de idade. Des­de então, vive em difer­entes rit­mos. Sam­ba, pagode, músi­ca pop­u­lar brasileira.  “No pal­co, eu me sin­to com ener­gia boa e levan­do amor para as pes­soas”, rev­ela.

Esse amor ele sen­tiu den­tro de casa. Foi o irmão, o advo­ga­do Leonar­do Gon­ti­jo, de 45 anos, 12 anos mais vel­ho que o caçu­la da família, se viu inco­moda­do com a exclusão e fal­ta de infor­mações sobre pes­soas com Sín­drome de Down. “Os médi­cos, quan­do meu irmão nasceu, chegaram a diz­er que ele não iria andar ou falar”, recor­da.

Ele criou uma orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG), a Mano Down, com a final­i­dade de apoiar as pes­soas nes­sa condição com difer­entes ações de inclusão, da edu­ca­cional ao mer­ca­do de tra­bal­ho.

“A gente atende mil famílias. Em 1990, a expec­ta­ti­va de vida das pes­soas com Down era de menos de 25 anos. Ago­ra, já são 60 anos. A alfa­bet­i­za­ção, que em 1990 era menos de 10%, con­tin­ua a mes­ma”, afir­ma.

Sensibilizar

Gon­ti­jo entende que a prin­ci­pal função é sen­si­bi­lizar. “A gente só muda um pre­con­ceito com um novo con­ceito. No caso do Dudu, 17 esco­las negaram o dire­ito de ele estu­dar. A nos­sa prin­ci­pal ban­deira hoje é a esco­la inclu­si­va”, salien­ta. Assim como quer o Dudu do Cava­co. Além de mais músi­cas gravadas e shows, o instru­men­tista tem son­hos.

“Quero faz­er mais palestras com meu irmão para con­tar nos­sas histórias. Quero ter um fil­ho com a min­ha esposa (com quem está casa­do há dois anos). E out­ro grande son­ho que eu ten­ho é tocar com o rei Rober­to Car­los”, rev­ela. O músi­co diz que está preparadís­si­mo para as emoções que vêm por aí.

Edição: Kle­ber Sam­paio

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