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Audiência na OEA ouve vítimas de grandes tragédias ocorridas no Brasil

Repro­dução: © Anto­nio Cruz/ Agên­cia Brasil

Rompimento de barragens e incêndio na Boate Kiss estão entre os temas


Publicado em 12/07/2024 — 08:28 Por Léo Rodrigues ‑Repórter da Agência Brasil* — Rio de Janeiro

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A Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos, vin­cu­la­da à Orga­ni­za­ção dos Esta­dos Amer­i­canos (OEA), ouve nes­ta sex­ta-feira (12) víti­mas de diver­sas tragé­dias que ocor­reram nos últi­mas anos no Brasil e que não resul­taram em nen­hum respon­s­abi­liza­ção no âmbito crim­i­nal. Eles irão depor em audiên­cia que dis­cu­tirá se o Esta­do brasileiro, con­sideran­do a fal­ta de respos­ta judi­cial, tem envolvi­men­to nas vio­lações de dire­itos humanos cau­sadas por ativi­dades com­er­ci­ais.

Os depoi­men­tos terão iní­cio às 15h e serão trans­mi­ti­dos pelo canal da comis­são na platafor­ma Youtube. A audiên­cia terá, ao todo, uma hora e meia de duração, e rep­re­sen­tantes do Esta­do brasileiro tam­bém poderão faz­er uso da palavra.

Entre os par­tic­i­pantes, vão se pro­nun­ciar víti­mas das duas grandes tragé­dias da min­er­ação que ger­aram comoção no país. Em 2015, uma bar­ragem da min­er­ado­ra Samar­co, situ­a­da na zona rur­al de Mar­i­ana (MG), se rompeu, cau­san­do 19 mortes e geran­do impactos socioam­bi­en­tais em dezenas de municí­pios mineiros e capix­abas na Bacia do Rio Doce. A maio­r­ia dos denun­ci­a­dos obteve decisões favoráveis que lhe reti­raram a condição de réu e os poucos que ain­da fig­u­ram no proces­so crim­i­nal após oito anos não respon­dem mais por homicí­dio.

Rompimento Barragem Brumadinho
Repro­dução: Rompi­men­to de bar­ragem em Bru­mad­in­ho (MG) — Divulgação/Corpo de Bombeiros

Out­ra bar­ragem se rompeu em 2019 na cidade de Bru­mad­in­ho (MG), cau­san­do a per­da de 272 vidas. Ten­do em vista que a maio­r­ia das víti­mas tra­bal­havam na mina onde ocor­reu o colap­so, o episó­dio se tornou o maior aci­dente tra­bal­hista do país. A estru­tu­ra per­ten­cia à Vale, min­er­ado­ra que tam­bém esta­va envolvi­da na tragé­dia de 2015. Ela é uma das duas acionistas da Samar­co, ao lado da anglo-aus­traliana BHP Bil­li­ton. As famílias dos atingi­dos vêm prote­s­tando con­tra o habeas cor­pus con­ce­di­do recen­te­mente ao ex-pres­i­dente da Vale, Fábio Schvarts­man, que o livrou do proces­so crim­i­nal.

Tam­bém farão uso da palavra víti­mas do afun­da­men­to de cin­co bair­ros em Maceió, dev­i­do à explo­ração de minas de sal-gema pela petro­quími­ca Braskem. Emb­o­ra, nesse caso, não ten­ham ocor­ri­do mortes, esti­ma-se que cer­ca de 60 mil moradores tiver­am que se mudar do local e deixar para trás os seus imóveis. As víti­mas alegam que há casos de pes­soas que pos­te­ri­or­mente come­ter­am suicí­dios por causa da per­da de suas condições de vida.

Iminente colapso de uma mina de exploração de sal-gema da Braskem, provoca afundamento do solo que já condenou milhares de casas em bairros de Maceió. Foto: UFAL
Repro­dução: Imi­nente colap­so de uma mina de explo­ração de sal-gema da Braskem, provo­ca afun­da­men­to do solo que já con­de­nou mil­hares de casas em bair­ros de Maceió. Foto UFAL

O incên­dio da Boate Kiss, que deixou 242 mor­tos e mais de 600 feri­dos em San­ta Maria (RS) no ano de 2013, tam­bém está na pau­ta da audiên­cia. Qua­tros pes­soas chegaram a ser con­de­nadas a 18 anos de prisão em um tri­bunal de júri. No entan­to, a decisão foi pos­te­ri­or­mente anu­la­da, aten­den­do pedi­dos dos advo­ga­dos dos acu­sa­dos, que apon­taram nul­i­dades no proces­so. Atual­mente, o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) avalia recur­so do Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF), que pede que as sen­tenças sejam resta­b­ele­ci­das.

Paulo Car­val­ho, que perdeu seu fil­ho Rafael Car­val­ho na tragé­dia da Boate Kiss, é um dos que par­tic­i­parão da audiên­cia. Ele é atual­mente dire­tor jurídi­co da Asso­ci­ação dos Famil­iares de Víti­mas e Sobre­viventes da Tragé­dia de San­ta Maria (AVTSM).

Santa Maria (RS) - Um ano do incêncio na Boate Kiss durante show na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A pedido de moradores, policial militar deposita flores em frente a boate (Wilson Dias/Agência Brasil)
Repro­dução: San­ta Maria (RS) — Um ano do incên­cio na Boate Kiss durante show na madru­ga­da do dia 27 de janeiro de 2013. Foto Wil­son Dias/Agência Brasil/Arquivo

“Com o tem­po, fomos ven­do que a mes­ma coisa esta­va acon­te­cen­do com as tragé­dias que suced­er­am a da Boate Kiss. Estavam ten­do o mes­mo cam­in­ho: a impunidade, a fal­ta de respos­ta do Esta­do brasileiro, o despre­zo às víti­mas, as vio­lações cres­centes por meio de proces­sos con­tra os pais. Há proces­sos movi­dos con­tra atingi­dos em Maceió, em Mar­i­ana e em Bru­mad­in­ho. É muito claro que há uma intim­i­dação de empre­sas, pro­pri­etários e do próprio Esta­do brasileiro que inibem os famil­iares na bus­ca por Justiça”, disse.

De acor­do com Paulo Car­val­ho, as víti­mas dos difer­entes episó­dios começaram a se unir em janeiro deste ano durante as ativi­dades em Bru­mad­in­ho (MG) que mar­caram os cin­co anos do rompi­men­to da bar­ragem da min­er­ado­ra Vale. Jun­tos, eles teri­am perce­bido a repetição dos mes­mos expe­di­entes judi­ci­ais.

“Em casos de grande impacto, a respos­ta do Esta­do deve ser muito mais ágil. Ao con­trário do que está ocor­ren­do. Elas são muito lentas, aceitam manobras imorais da defe­sa dos réus. Somos favoráveis ao dev­i­do proces­so legal, inde­pen­den­te­mente se são cul­pa­dos ou inocentes. Mas o que acon­tece é que não se segue o dev­i­do proces­so. Eles são tran­ca­dos, arquiv­a­dos, trava­dos por questões proces­suais irrel­e­vantes, são con­ce­di­dos habeas cor­pus indis­tin­ta­mente. Não se deixa que se con­heça a ver­dade. E a prin­ci­pal estraté­gia é bus­car a pre­scrição. No caso da Boate Kiss, são 11 anos. É o que todo mun­do sabe. Bas­ta que se ten­ha poder e din­heiro”.

Na audiên­cia, será dis­cu­ti­do ain­da o incên­dio nas insta­lações do Nin­ho do Urubu, cen­tro de treina­men­to do Fla­men­go. No episó­dio, ocor­ri­do em fevereiro de 2019, mor­reram dez garo­tos entre 14 e 16 anos, que inte­gravam as cat­e­go­rias de base do clube. Até o momen­to, não hou­ve respon­s­abi­liza­ção crim­i­nal. O advo­ga­do Louis de Caste­ja, que rep­re­sen­ta a família de Chris­t­ian Esmério, vê cul­pa do clube e do Poder Públi­co.

Capa do livro
Repro­dução: Capa do livro Longe do Nin­ho, da jor­nal­ista Daniela Arbex, sobre o incên­dio do NIn­ho do Urubu que viti­mou 10 atle­tas ado­les­centes em 2019 — Divulgação/Editora Intrínse­ca

“A par­tir do momen­to em que o Fla­men­go tem um cen­tro de treina­men­to inter­di­ta­do, sem alvará e sem autor­iza­ção para rece­ber cri­anças, ele já está com­ple­ta­mente erra­do. E é evi­dente que existe respon­s­abil­i­dade do municí­pio do Rio de Janeiro, e talvez do esta­do. Eles foram total­mente coniventes e neg­li­gentes. Sabi­am que não havia alvará, sabi­am que tin­ha inter­dição e apli­cavam mul­tas irrisórias. Eles não fiz­er­am nada e em um país sério teri­am sido denun­ci­a­dos por omis­são”, avalia.

A família de Chris­t­ian Esmério foi a úni­ca que não fechou acor­do com o Fla­men­go, por dis­cor­dar dos val­ores ofer­e­ci­dos. Movee uma ação judi­cial e já obteve sen­tença fixan­do ind­eniza­ções por dano moral para os pais e os irmãos do ado­les­cente, bem como uma pen­são men­sal até a data que a víti­ma com­ple­ta 45 anos. Recur­sos foram apre­sen­ta­dos tan­to pelo Fla­men­go, que con­tes­ta sua respon­s­abi­liza­ção, quan­to pela defe­sa da família, que bus­ca majo­rar os val­ores. “O clube ten­tou se uti­lizar da pan­demia para poder estran­gu­lar finan­ceira­mente as famílias e faz­er com que elas acabassem esta­b­ele­cen­do um acor­do”, crit­i­ca Louis de Caste­ja.

Todos ess­es episó­dios jun­tos cus­taram mais de 500 vidas, além de ger­ar muitas seque­las físi­cas e sofri­men­to emo­cional às víti­mas. “Ape­sar de serem tragé­dias tão difer­entes em sua natureza, elas guardam em comum a irre­spon­s­abil­i­dade movi­da pela ganân­cia e a impunidade”, diz comu­ni­ca­do da Asso­ci­ação dos Famil­iares de Víti­mas e Atingi­dos pelo Rompi­men­to da Bar­ragem em Bru­mad­in­ho (Avabrum).

Segun­do a enti­dade, a expec­ta­ti­va é de que a comis­são cobre o Esta­do brasileiro para “tornar efe­ti­va a fis­cal­iza­ção das ativi­dades empre­sari­ais e com­er­ci­ais no país a fim de evi­tar novas tragé­dias” e cumprir “seu dev­er de proces­sar e punir os respon­sáveis, para que as vio­lações de dire­itos humanos não se repi­tam”. Paulo Car­val­ho desta­ca que as tragé­dias foram pre­ce­di­das de des­cumpri­men­tos de nor­mas de segu­rança. Ele espera que o Brasil mude de pos­tu­ra para penalizar exem­plar­mente as empre­sas que afrontarem ou neg­li­gen­cia­rem as deter­mi­nações das autori­dades fis­cais.

O pai de uma das vítimas, Paulo Carvalho fala sobre os 10 anos do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul
Repro­dução: O pai de uma das víti­mas, Paulo Car­val­ho fala sobre os 10 anos do incên­dio da Boate Kiss, em San­ta Maria, no Rio Grande do Sul — Foto Tomaz Silva/Agência Brasil

“É pre­ciso recon­hecer as fal­has. Do con­trário, out­ra tragé­dia é questão de tem­po. A gente não sabe quan­do, mas ela vai ocor­rer se essa situ­ação con­tin­uar. Argenti­na, Esta­dos Unidos, Romê­nia, Rús­sia, Cor­eia do Sul e França tiver­am tragé­dias semel­hantes e realizaram uma respon­s­abi­liza­ção muito ágil. E o resul­ta­do foi a pre­venção de out­ras tragé­dias. Qual é a jus­ti­fica­ti­va para um país que leva 11 anos e não con­segue respon­s­abi­lizar ninguém?”, ques­tio­nou. Ele cita o caso do incên­dio da Boate Lame Horse, que deixou 156 mor­tos na Rús­sia em dezem­bro de 2010. Em abril de 2013, oito pes­soas foram con­de­nadas.

* Colaborou Fabi­ana Sam­paio — Repórter da Rádio Nacional do Rio de Janeiro

Edição: Graça Adju­to

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