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Bahia revisa programa de proteção após assassinato de Mãe Bernadete

Repro­dução: © Foto

Estado tem 119 defensores dos direitos humanos sob proteção


Pub­li­ca­do em 20/08/2023 — 16:53 Por Andreia Verdélio – Repórter da Agên­cia Brasil  — Brasília

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O gov­er­no da Bahia está revisan­do todos os pro­to­co­los de pro­teção de defen­sores de dire­itos humanos, após o assas­si­na­to de Maria Bernadete Pací­fi­co, Mãe Bernadete. A mãe de san­to e lid­er­ança quilom­bo­la foi mor­ta na últi­ma quin­ta-feira (17) den­tro de casa no Quilom­bo Pitan­ga dos Pal­mares, no municí­pio Simões Fil­ho (BA). 

De acor­do com o secretário de Justiça e Dire­itos Humanos da Bahia, Felipe Fre­itas, equipes do gov­er­no estad­ual e do Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia estão atuan­do jun­tos para dis­cu­tir com os órgãos de segu­rança públi­ca o aper­feiçoa­men­to dos pro­gra­mas de pro­teção.

“A morte de uma defen­so­ra de dire­itos humanos é uma tragé­dia, ain­da mais se ela já ten­ha sido ameaça­da. O gov­er­no fed­er­al e o gov­er­no da Bahia estão revisan­do, obvi­a­mente não só na Bahia, como em todo o Brasil, todos os pro­to­co­los de pro­teção. Uma tragé­dia como essa pre­cisa faz­er com que a gente apri­more o pro­gra­ma, apri­more as medi­das de pro­teção, aper­feiçoe as ações de poli­ci­a­men­to em todo o país”, disse, neste domin­go (20), em entre­vista à Agên­cia Brasil.

Segun­do Fre­itas, as equipes estão em cam­po reforçan­do a segu­rança de ativis­tas da comu­nidade e da região. Famil­iares de Mãe Bernadete foram reti­ra­dos do Quilom­bo Pitan­ga do Pal­mares como medi­da de pro­teção.

Em nota pub­li­ca­da neste sába­do (19), o Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia infor­mou que, na próx­i­ma sem­ana, a Coor­de­nação-Ger­al do Pro­gra­ma de Pro­teção aos Defen­sores de Dire­itos Humanos estará na Bahia para “cumprir agen­da volta­da ao for­t­alec­i­men­to do pro­gra­ma de pro­teção no esta­do”. Os rep­re­sen­tantes do gov­er­no fed­er­al farão vis­i­tas a comu­nidades ameaçadas e querem reunir infor­mações para a refor­mu­lação dessa políti­ca públi­ca.

No âmbito fed­er­al, fica a car­go da Sec­re­taria Nacional de Pro­moção e Defe­sa dos Dire­itos Humanos a artic­u­lação entre os diver­sos órgãos e enti­dades. O pro­gra­ma, no entan­to, é imple­men­ta­do por meio de con­vênios real­iza­dos com gov­er­nos estad­u­ais que, por sua vez, cel­e­bram parce­rias com orga­ni­za­ções da sociedade civ­il.

Na Bahia, o pro­gra­ma estad­ual é exe­cu­ta­do por meio da Sec­re­taria de Justiça e Dire­itos Humanos da Bahia, que con­ta com uma enti­dade da sociedade civ­il como equipe téc­ni­ca para garan­tir os atendi­men­tos.

“O mais impor­tante, nesse momen­to, é a pri­or­i­dade nas inves­ti­gações. Porque o primeiro pas­so de uma pro­fun­da revisão dos pro­gra­mas de pro­teção pas­sa por encon­trar, efe­ti­va­mente, quem foram os execu­tores de Mãe Bernadete, toda a Polí­cia Civ­il está mobi­liza­da. Nos­sa obri­gação é ofer­e­cer uma respos­ta para esse caso e qual­i­ficar ain­da mais a políti­ca de pre­venção à vio­lên­cia e de pro­teção de pes­soas que se acham ameaçadas”, disse o secretário Felipe Fre­itas.

Segurança no quilombo

Atual­mente, na Bahia, estão sob pro­teção 119  defen­sores de dire­itos humanos como quilom­bo­las, indí­ge­nas e tra­bal­hadores rurais,.

“O Brasil é um país muito vio­len­to. Infe­liz­mente, esta­dos que têm riquezas nat­u­rais, ativos min­erais impor­tantes, eles são obje­tos de dis­putas muito inten­sas entre o poder econômi­co e comu­nidades tradi­cionais. A Bahia é um dos esta­dos com maior número de comu­nidades indí­ge­nas e comu­nidades quilom­bo­las e isso cer­ta­mente faz com que haja, em torno dos dire­itos ter­ri­to­ri­ais dessas comu­nidades, uma forte dis­pu­ta”, expli­cou.

Lev­an­ta­men­to da Rede de Obser­vatórios de Segu­rança, real­iza­do com apoio das sec­re­tarias de segu­rança públi­ca estad­u­ais e divul­ga­do em jun­ho deste ano, já apon­ta­va a Bahia como o segun­do esta­do do Brasil com mais ocor­rên­cias de vio­lên­cia con­tra povos e comu­nidades tradi­cionais. Atrás ape­nas do Pará, a Bahia reg­istrou 428 víti­mas de vio­lên­cia no inter­va­lo de 2017 a 2022.

Mãe Bernadete esta­va no pro­gra­ma de pro­teção des­de 2017, quan­do seu fil­ho, Bin­ho do Quilom­bo, foi assas­si­na­do. Câmeras de segu­rança foram insta­l­adas na casa da mãe de san­to e a Polí­cia Mil­i­tar fazia ron­das no Quilom­bo Pitan­ga do Pal­mares. Segun­do Fre­itas, ela rece­bia vis­i­tas diárias, às vezes mais de uma por dia, em difer­entes horários, e tin­ha o con­ta­to tele­fôni­co dos coman­dantes da região.

Mãe Bernadete
Repro­dução: Mãe Bernadete — Arte sobre foto de Walis­son Braga/Conaq

“Além dis­so, ela foi aten­di­da, em maio, por uma equipe inter­dis­ci­pli­nar que fez uma entre­vista em pro­fun­di­dade com ela para poder faz­er uma atu­al­iza­ção das avali­ações de risco”, disse o secretário de Justiça e Dire­itos Humanos, expli­can­do que não hou­ve mudança de cenário que pedisse reforço na segu­rança de Mãe Bernadete recen­te­mente.

“Em que pese, nas falas que ela fazia, referir-se ao tema da ameaça como um prob­le­ma per­ma­nente nas comu­nidades e fos­se muito enfáti­ca na man­i­fes­tação pelo jul­ga­men­to dos assas­si­nos do seu fil­ho, ela não rela­tou para as equipes, nos relatórios que nós temos, nos con­tatos diários com a polí­cia, algo especí­fi­co que pudesse ense­jar uma out­ra medi­da”, expli­cou.

Linhas de investigação

De acor­do com o secretário de Justiça e Dire­itos Humanos da Bahia, exis­tem várias lin­has de inves­ti­gação em cur­so e nada foi descar­ta­do ain­da. “A gente não sabe de qual tipo de atu­ação de Mãe Bernadete decor­reu a exe­cução”, disse, expli­can­do que a com­bat­ivi­dade de defen­sores de dire­itos humanos é causa de incô­mo­do “a cer­tos poderes econômi­cos que querem, muitas vezes, vio­lar dire­ito dessas comu­nidades”.

A del­e­ga­da-ger­al da Polí­cia Civ­il, Heloísa Brito, lid­era pes­soal­mente as equipes na inves­ti­gação sobre os execu­tores e man­dantes do crime.

“Não é pos­sív­el afir­mar a qual inter­esse Mãe Bernadete havia con­trari­a­do uma vez que ela era uma pes­soa que, na sua posição de defend­er sua comu­nidade, podia estar inco­modan­do muitas pes­soas e gru­pos. Des­de orga­ni­za­ções como gru­pos lig­a­dos ao trá­fi­co de dro­gas se sen­ti­ram, cer­ta­mente, inco­moda­dos com lid­er­ança de Mãe Bernadete, gru­pos econômi­cos que tin­ha inter­esse na explo­ração do ter­ritório, os respon­sáveis pela morte do fil­ho dela tam­bém podem estar muito inco­moda­dos com a sua mil­itân­cia”, disse Felipe Fre­itas.

Há ain­da, a cono­tação de racis­mo reli­gioso para o crime. Para o secretário, o racis­mo e a explo­ração econômi­ca de gru­pos de ter­ritórios tradi­cionais ger­am mais vul­ner­a­bil­i­dade para essas lid­er­anças. “Seja lá o que ten­ha sido moti­vação [para o crime], é inevitáv­el recon­hecer que o racis­mo e a intol­erân­cia reli­giosa e que os con­fli­tos ter­ri­to­ri­ais fazem parte do con­tex­to da vida das comu­nidades tradi­cionais”, acres­cen­tou o secretário.

Defensores da democracia

Com história de ativis­mo e pro­dução acadêmi­ca lig­a­dos ao movi­men­to negro, Felipe Fre­itas con­hecia Mãe Bernadete há mais de 16 anos e, segun­do ele, o sen­ti­men­to pes­soal e cole­ti­vo é de con­ster­nação com o crime bru­tal. A líder quilom­bo­la foi exe­cu­ta­da com tiros no ros­to enquan­to via tele­visão com dois netos e mais duas cri­anças na sala de sua casa e ter­reiro reli­gioso.

Simões Filho/ Bahia 19/08/2023 Casa da Mãe Bernadete, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, assassinada na Bahia. Foto Janaína Neri.
Repro­dução: Casa da Mãe Bernadete, lid­er­ança do Quilom­bo Pitan­ga dos Pal­mares, assas­si­na­da na Bahia. — Foto Janaí­na Neri.

“Nós não esta­mos aqui tratan­do ape­nas do nos­so dev­er, da nos­sa obri­gação de servi­dores públi­cos de inves­ti­gar e elu­ci­dar a morte de uma cidadã baiana que foi víti­ma de uma vio­lên­cia bru­tal. Nós esta­mos tam­bém aqui inves­ti­gan­do a morte de uma ami­ga, de uma pes­soa que era ali­a­da nos­sa, ali­a­da dos nos­sos inter­ess­es comuns no cam­po dos dire­itos humano”, disse Fre­itas, con­tan­do que ela inte­grou con­sel­hos de dire­itos do gov­er­no da Bahia e par­ticipou ati­va­mente de ini­cia­ti­vas de pro­gra­mas gov­er­na­men­tais.

Mãe Bernadete tam­bém era coor­de­nado­ra da Coor­de­nação Nacional de Artic­u­lação de Quilom­bos (Conaq) e ex-secretária de Pro­moção da Igual­dade Racial de Simões Fil­ho.

Para o secretário Felipe Fre­itas, defen­sores de dire­itos humanos e luta­dores soci­ais com­põem um papel fun­da­men­tal na vida democráti­ca. “Uma pes­soa como Mãe Bernadete cumpria um papel impor­tante na vida daque­la comu­nidade, não só porque ela luta­va por dire­ito, mas porque ela, na práti­ca, era alguém que luta­va por serviços públi­cos muito práti­cos, que fazia acol­hi­men­to de famílias, que ouvia pes­soas, que inter­me­di­a­va o aces­so das pes­soas aos serviços públi­cos, que favore­cia a entra­da do poder públi­co no local. Isso é uma coisa que é fun­da­men­tal para a vida democráti­ca e é obri­gação do Esta­do brasileiro reforçar, inten­si­ficar, qual­i­ficar e apri­morar as medi­das de pro­teção de pes­soas como ela”, desta­cou.

Edição: Aline Leal

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