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Biólogos tentam salvar fauna ameaçada pelo fogo no Pantanal

Repro­dução: © Marce­lo Camargo/Agência Brasil

Incêndios afetaram até mesmo os tuiuiús, ave símbolo do bioma


Publicado em 13/07/2024 — 10:07 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Qua­tro anos após os dev­as­ta­dores incên­dios que incineraram cer­ca de 30% do Pan­tanal brasileiro, o fogo vol­ta a ameaçar as espé­cies ani­mais que vivem na região, con­sid­er­a­da um san­tuário da bio­di­ver­si­dade e um patrimônio nat­ur­al da humanidade. Enquan­to brigadis­tas, bombeiros, mil­itares e vol­un­tários ten­tam apa­gar as chamas as chamas, biól­o­gos, vet­er­inários e out­ros profis­sion­ais se dedicam a min­i­mizar o sofri­men­to ani­mal.

“O fogo é um fator estres­sante para a bio­di­ver­si­dade. Deve­mos ter muito cuida­do, pois é difí­cil pre­v­er por quan­to tem­po mais toda essa abundân­cia em ter­mos de fau­na e flo­ra resi­s­tirá até começar­mos a perder irre­me­di­avel­mente espé­cies para ess­es incên­dios inten­sos, que têm queima­do repeti­das vezes as mes­mas áreas”, disse à Agên­cia Brasil o biól­o­go Wen­er Hugo Arru­da Moreno, do Insti­tu­to Homem Pan­taneiro (IHP), orga­ni­za­ção não gov­er­na­men­tal (ONG) que des­de 2002 atua na con­ser­vação e preser­vação do Pan­tanal.

Corumbá (MS), 01/07/2024 - Brigadista observa acampamento montado na na Base do Prevfogo/Ibama. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução: Brigadista obser­va acam­pa­men­to mon­ta­do na na Base do Prevfogo/Ibama. Foto — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

O insti­tu­to é uma das orga­ni­za­ções da sociedade civ­il que inte­gram o Grupo de Res­gate Téc­ni­co Ani­mal Cer­ra­do Pan­tanal (Gre­tap), jun­to a rep­re­sen­tantes de órgãos, enti­dades e insti­tu­ições sul-mato-grossens­es e fed­erais, como o Insti­tu­to Brasileiro do Meio Ambi­ente e dos Recur­sos Nat­u­rais Ren­ováveis (Iba­ma).

O grupo foi insti­tuí­do em abril de 2021, na esteira dos incên­dios que se seguiram à grande seca de 2019 e 2020, a mais sev­era reg­istra­da em 50 anos. Cabe ao Gre­tap mon­i­torar, avaliar, res­gatar e dar assistên­cia a ani­mais afe­ta­dos por  even­tu­ais desas­tres ambi­en­tais no Mato Grosso do Sul. Pela exper­iên­cia de seus inte­grantes, em maio deste ano, parte do grupo via­jou ao Rio Grande do Sul, onde par­ticipou do res­gate e atendi­men­to a ani­mais domés­ti­cos e sil­vestres atingi­dos pelas recentes enchentes no esta­do.

Estu­do que pesquisadores brasileiros pub­licaram em dezem­bro de 2021, no per­iódi­co Sci­en­tif­ic Reports, esti­ma que, em 2020, os incên­dios pan­taneiros mataram, dire­ta­mente, cer­ca de 17 mil­hões de ani­mais ver­te­bra­dos.

A mor­tal­i­dade foi maior entre as peque­nas ser­pentes (os espe­cial­is­tas esti­mam que 9,4 mil­hões delas mor­reram) e pequenos roe­dores (3,3 mil­hões). Aprox­i­mada­mente 1,5 mil­hão de aves mor­reram queimadas, intox­i­cadas ou, pos­te­ri­or­mente, de fome. As chamas ou suas con­se­quên­cias tam­bém tiraram a vida de 458 mil pri­matas, 237 mil jacarés e 220 mil taman­duás.

Ain­da é cedo para diz­er se a tragé­dia se repe­tirá este ano, em dimen­sões semel­hantes. Con­tu­do, autori­dades já recon­hecem que o número de focos de incên­dio reg­istra­dos no bio­ma ao lon­go do primeiro semes­tre deste ano é o maior para o perío­do dos últi­mos 26 anos, superan­do inclu­sive o resul­ta­do de 2020.

Mapbiomas

Além dis­so, de acor­do com a rede Map­bio­mas, em jun­ho deste ano foi reg­istra­da a maior média de área queima­da para o mes­mo mês des­de 2012. A mar­ca super­ou a média históri­ca de setem­bro, mês em que os focos de calor ten­dem a inten­si­ficar, dada a per­sistên­cia do cli­ma seco.

“Aqui, em Mato Grosso do Sul, nos­so tra­bal­ho se inten­si­fi­cou muito nos últi­mos tem­pos, prin­ci­pal­mente no últi­mo mês”, afir­mou Moreno.

“Esta­mos fre­quente­mente indo às áreas pan­taneiras atingi­das pelos incên­dios. Ver­i­fi­camos o ambi­ente, e vemos se os ani­mais estão retor­nam às áreas debil­i­ta­dos, ou se as espé­cies que lá per­manecem têm refú­gios para obter os recur­sos necessários à sobre­vivên­cia. Temos obser­va­do muitas car­caças de répteis, pequenos roe­dores e anfíbios, mas ain­da esta­mos começan­do o proces­so de con­tagem”, disse Moreno. Ele desta­cou a veloci­dade com que o fogo tem se espal­ha­do pela veg­e­tação, que nes­ta época do ano cos­tu­ma estar bas­tante seca.

“O Pan­tanal não é para amadores. É pre­ciso con­hecer bem a área, saber como se for­mam os corre­dores de propa­gação do fogo. O fogo é assus­ta­dor. A veloci­dade com que ele avança e o taman­ho da área atingi­da são impres­sio­n­antes. Com­bat­er às chamas e pro­te­ger a fau­na é um tra­bal­ho difí­cil.”

Segun­do Moreno, antes de ir a cam­po, os agentes pre­cisam faz­er um diag­nós­ti­co pre­lim­i­nar da área, usan­do drones e fer­ra­men­tas de geo­proces­sa­men­to.

“Temos que esper­ar entre 48 horas e 72 horas a par­tir do fim das chamas para poder­mos deslo­car uma equipe para deter­mi­na­do lugar, sob risco de deixar as pes­soas em peri­go”, acres­cen­tou Moreno, desta­can­do os riscos da ativi­dade.

“Daí a sen­sação de alívio que sin­to quan­do local­izamos um ani­mal que, ape­sar de tudo, não pre­cisa de res­gate, que bas­ta o mon­i­torar­mos e, se pre­ciso, suple­men­tar a ali­men­tação até que a veg­e­tação se recom­pon­ha.”

No fim do mês pas­sa­do, o fotó­grafo da Agên­cia Brasil, Marce­lo Camar­go, pas­sou dias acom­pan­han­do brigadis­tas com­bat­en­do as chamas. Camar­go teste­munhou e reg­istrou o sofri­men­to ani­mal e a dev­as­tação da veg­e­tação pan­taneira. Na man­hã do dia 30, enquan­to se deslo­cavam, de helicóptero, para uma área de difí­cil aces­so, as equipes avis­taram um tuiuiú, ave sím­bo­lo do Pan­tanal, pou­sa­do na copa de uma grande árvore, em meio a uma área ain­da fumegante. Olhan­do mais aten­ta­mente, perce­ber­am que o ani­mal pare­cia estar pro­te­gen­do seus ovos, em um nin­ho con­struí­do entre os gal­hos mais altos.

Corumbá (MS), 01/07/2024 - Após a chegada de mais equipamentos e reforços vindos de várias partes do País, brigadistas se preparam na Base do Prevfogo/Ibama para mais um dia de combates. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Repro­dução:  Após a chega­da de mais equipa­men­tos e reforços vin­dos de várias partes do País, brigadis­tas se preparam na Base do Prevfogo/Ibama para mais um dia de com­bat­es. Foto: — Marce­lo Camargo/Agência Brasil

“Seria o primeiro dia de atu­ação da equipe de brigadis­tas quilom­bo­las da comu­nidade Kalun­ga, de Cav­al­cante [GO], na região. Está­va­mos a cam­in­ho de uma área de mata fecha­da com um grande número de focos de incên­dio, a cer­ca de 50 quilômet­ros de Corum­bá [MS]. Durante o per­cur­so, o pilo­to do helicóptero avis­tou o tuiuiú e iden­ti­fi­cou o nin­ho, no alto da árvore, com ao menos três ovos den­tro. Ain­da havia um foco de incên­dio ao redor da árvore, que esta­va expelin­do fumaça. Os pilo­tos sobrevoaram o local para mar­car as coor­de­nadas [de geolo­cal­iza­ção], para que os brigadis­tas ten­tassem aces­sar o local em out­ro momen­to. Eu então con­segui reg­is­trar min­has primeiras ima­gens”, con­tou Camar­go ao retornar a Brasília.

“Seguimos para nos­so des­ti­no, a par­tir de onde os brigadis­tas tiver­am que abrir cam­in­ho em meio à mata fecha­da. Foram cer­ca de duas horas só para con­seguirmos chegar ao foco do incên­dio. E após muitas horas, no horário com­bi­na­do para o helicóptero nos res­gatar, não tín­hamos con­segui­do chegar nem per­to do local onde avis­ta­mos o tuiuiú. Durante o voo de vol­ta a Corum­bá, eu ain­da fiz mais umas fotos. Havia ao menos um pás­saro, aparente­mente guardan­do o nin­ho. Out­ras pes­soas, em out­ras aeron­aves, dis­ser­am ter vis­to dois pás­saros adul­tos, um casal, mas isso eu não pres­en­ciei. Na man­hã seguinte, o pilo­to do primeiro helicóptero que pas­sou pelo local já não encon­trou a árvore de pé. Mais tarde, quan­do con­segui lugar em uma aeron­ave, con­segui iden­ti­ficar parte da árvore caí­da no chão e o nin­ho, aparente­mente queima­do, próx­i­mo”, rela­tou o fotó­grafo da Agên­cia Brasil.

Uma família de bugios teve um pouco mais de sorte. Ou muito mais sorte, con­sideran­do que, ape­sar de expul­sos de seu ban­do e com difi­cul­dades para encon­trar ali­men­tos, não sofr­eram qual­quer fer­i­men­to e estão receben­do aju­da dos mem­bros do Gre­tap, con­forme con­tou o biól­o­go do Insti­tu­to do Homem Pan­taneiro.

“Recebe­mos o chama­do de uma sen­ho­ra, ribeir­in­ha, que acha­va que a fêmea tin­ha sofri­do queimaduras e pre­cisa­va de cuida­dos. Ao chegar­mos à área, na região de Baía do Caste­lo, na margem dire­i­ta do Rio Paraguai, a cer­ca de duas horas de viagem de bar­co a par­tir de Corum­bá, encon­tramos um ban­do de bugios e maca­cos-da-noite. Só na segun­da ten­ta­ti­va local­izamos, iso­la­da, a fêmea que procurá­va­mos. Ela não tin­ha queimaduras. Era seu fil­hote, recém-nasci­do, bas­tante magro e debil­i­ta­do, que esta­va se segu­ran­do nela. Além da fêmea com seu fil­hote, havia um macho. Provavel­mente, os três foram expul­sos de seu grupo dev­i­do à escassez de recur­sos. Nestes casos, nos­sa estraté­gia é mon­i­torar os ani­mais. Admin­is­tramos um pouco de fru­tas, um aporte nutri­cional bási­co, e insta­lam­os câmeras na área para poder­mos obser­var se o ban­do vai aceitar os ali­men­tos”, con­cluiu  Wen­er Hugo Arru­da Moreno.

Devastação

Coor­de­nado­ra opera­cional do Grupo de Res­gate Téc­ni­co Ani­mal Cer­ra­do Pan­tanal (Gre­tap), a biólo­ga e vet­er­inária Paula Hele­na San­ta Rita reforça que as con­se­quên­cias de mais uma tem­po­ra­da de fogo sem con­t­role estão sendo “dev­as­ta­do­ras” para os ani­mais.

“Para a fau­na, as con­se­quên­cias são as piores pos­síveis. Vão da morte dire­ta de ani­mais, por incin­er­ação e inalação de fumaça e fuligem, a mortes pos­te­ri­ores, por fal­ta de ali­men­tos e out­ras questões, poden­do, inclu­sive, no lim­ite, inter­ferir na questão da repro­dução das espé­cies, caso haja a per­da de um número sig­ni­fica­ti­vo de indi­ví­du­os”, expli­cou Paula.

“Alguns fatores, como a própria ação humana, se somaram e tive­mos a ante­ci­pação [ocor­rên­cia] do fogo. Nós [do Gre­tap] esta­mos mon­i­toran­do a situ­ação, prin­ci­pal­mente em locais por onde o fogo já pas­sou, e fazen­do o aporte nutri­cional bási­co quan­do necessário. Tam­bém deslo­camos alguns ani­mais que encon­tramos próx­i­mos a áreas de fogo”, con­cluiu a coor­de­nado­ra do Gre­tap.

Edição: Maria Clau­dia

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