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Blocos de saúde mental espalham alegria pelas ruas do Rio

Repro­dução: © Pamela Perez/Divulgção

Enredo deste ano homenageia mulheres importantes


Pub­li­ca­do em 04/02/2024 — 10:43 Por Alana Gan­dra — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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O Cole­ti­vo Car­navale­sco Tá Piran­do, Pira­do, Pirou! abre alas para a lou­cu­ra nesse domin­go (4), anteceden­do o car­naval ofi­cial do Rio de Janeiro 2024. A con­cen­tração está mar­ca­da para as 14h, na Aveni­da Pas­teur, na Urca, zona sul da cidade, próx­i­mo à Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Esta­do do Rio de Janeiro (Unirio), onde faz uma espé­cie de baile com mar­chas-ran­cho. Depois, já com apoio da bate­ria da Portela, começa a andar, com cam­in­hão de som, por vol­ta das 16h, em direção à Pra­ia Ver­mel­ha. Qua­torze sam­bas con­cor­reram à escol­ha do sam­ba enre­do deste ano do blo­co. Gan­hou o sam­ba de Flávia Cris e Dio­go Tapler, do Cen­tro de Atenção Psi­cos­so­cial (CAPS) Torqua­to Neto, de Del Castil­ho, zona norte do Rio.

Os com­po­nentes do cole­ti­vo Tá Piran­do, Pira­do Pirou são pacientes da rede públi­ca de saúde men­tal do Rio de Janeiro, profis­sion­ais do setor, famil­iares e sim­pa­ti­zantes da causa anti­man­i­co­mi­al. Emb­o­ra atra­ia mil­hares de foliões, o des­file é con­struí­do por cer­ca de 100 pes­soas, incluin­do ofic­i­nas de artes, per­cussão, com­posição musi­cal, reg­istro fono­grá­fi­co, escol­ha cole­ti­va do enre­do e con­cur­so de sam­bas real­iza­do no Rio Sce­nar­i­um, tradi­cional casa de sam­ba da Lapa.

O enre­do deste ano é Lou­cas, Div­inas e Mar­avil­hosas: Mul­heres que Mudaram o Mun­do, hom­e­nage­an­do mul­heres impor­tantes dos cenários brasileiro e inter­na­cional, como a psiquia­tra Nise da Sil­veira; a rain­ha do rock, Rita Lee; a escrito­ra e car­i­ca­tur­ista Pagu; a pin­to­ra Djani­ra; a escul­to­ra france­sa Camille Claudel; as Mães de Maio, da ditadu­ra argenti­na, que eram chamadas As Lou­cas da Praça; a escrito­ra Con­ceição Evaris­to, entre out­ros nomes.

A camise­ta traduz a hom­e­nagem por meio de uma flor, imag­i­na­da pelo ilustrador ofi­cial do blo­co, Samy das Cha­gas, que se tra­ta no CAPS Fran­co Baságlia, em Botafo­go, que ligou todos ess­es nomes como se fos­sem uma tra­ma. A pas­sista do blo­co vai para a rua este ano fan­tasi­a­da de Maria Feli­pa de Oliveira, escrav­iza­da lib­er­ta que defend­eu a Ilha de Ita­pari­ca, na Bahia, da invasão dos por­tugue­ses.

Desfile acústico

As infor­mações foram dadas à Agên­cia Brasil pelo psicól­o­go psi­canal­ista e espe­cial­ista em saúde men­tal Alexan­dre Ribeiro Wan­der­ley, cofun­dador e coor­de­nador do blo­co. “Quan­do o cam­in­hão chegar em frente ao Pão de Açú­car, haverá a tradi­cional revoa­da de balões de gás, seguin­do-se show em um pal­co mon­ta­do no local. Em segui­da, dan­do prossegui­men­to ao des­file, ago­ra acús­ti­co, e de acor­do com a tradição, se apre­sen­tarão blo­cos con­vi­da­dos, sim­pa­ti­zantes da causa de uma sociedade sem man­icômio. Por causa do enre­do de 2024, entre 18h e 19h, se apre­sen­tará nas areias da Pra­ia Ver­mel­ha um blo­co só de mul­heres, o Mul­heres Ren­dadas e, entre 19h e 20h, o blo­co Vem Cá, Min­ha Flor”.

No car­naval do ano pas­sa­do, o blo­co criou um car­ro alegóri­co bati­za­do A Bar­ca dos Encan­ta­dos, hom­e­nage­an­do qua­tro fun­dadores da agremi­ação que mor­reram durante a pan­demia da covid-19, com refer­ên­cias de várias tradições reli­giosas, trazen­do, na frente, a figu­ra de Ieman­já. “E a gente achou tão boni­to que ele acabou incor­po­ra­do ao des­file deste ano. Do ano pas­sa­do para cá, a gente enten­deu que surgiu uma nova tradição no blo­co. Quan­do o des­file chega na pra­ia, a gente joga as flo­res no mar e pres­ta hom­e­nagem à Ieman­já”.

Carnaval 2024 - Bloco Tá Pirando Pirado Pirou. Foto: Pamela Perez/Divulgação
Repro­dução: Car­naval 2024 — Blo­co Tá Piran­do Pira­do Pirou — Pamela Perez/Divulgação

Hospício

O blo­co foi fun­da­do em dezem­bro de 2004, pegan­do carona no movi­men­to cul­tur­al de revi­tal­iza­ção do car­naval de rua do Rio. Nes­sa época, havia duas insti­tu­ições psiquiátri­c­as vin­cu­ladas, o hos­pi­tal psiquiátri­co Insti­tu­to Philippe Pinel e o Insti­tu­to de Psiquia­tria da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ). Hoje, se trans­for­mou em um blo­co da rede públi­ca de saúde men­tal, porque reúne CAPs de várias regiões do Rio. O primeiro des­file saiu no car­naval de 2005, ain­da na Rua Lau­ra Müller, em Botafo­go, cuja asso­ci­ação era uma das fun­dado­ras.

A mudança para a Aveni­da Pas­teur se deu por uma questão de espaço e, tam­bém, por uma questão sim­bóli­ca, em função de o lugar ter abri­ga­do o primeiro hos­pí­cio da Améri­ca Lati­na, fun­da­do pelo Imper­ador D. Pedro II, em 1852. “Ele tem essa dimen­são políti­co lib­ertária. Um lugar, que já foi um espaço de con­fi­na­men­to, ago­ra é o des­file que aca­ba nes­sa imagem de liber­dade que é o mar. Mui­ta coisa acon­te­ceu ness­es 20 anos”, disse Alexan­dre Ribeiro Wan­der­ley.

A por­ta-ban­deira do Tá Piran­do Pira­do Pirou é paciente do Ipub/UFRJ e o mestre-sala se tra­ta no CAPS Fran­co Baságlia, em Botafo­go. O intér­prete do sam­ba enre­do é paciente do CAPS de Ban­gu. “E a gente mis­tu­ra tam­bém com músi­cos e can­tores profis­sion­ais. O blo­co todo é feito nes­sa cos­tu­ra den­tro e fora do setor de saúde men­tal, dan­do sem­pre esse destaque para os nos­sos usuários, com uma nova iden­ti­dade que não aque­la do psiquia­triza­do”, expli­ca Wan­der­ley.

Império Colonial

Carnaval 2024 - Bloco Império Colonial desfila dia 6/2. Foto: Império Colonial/Divulgação
Repro­dução: Car­naval 2024 — Blo­co Império Colo­nial des­fi­la dia 6 de fevereiro– Império Colonial/Divulgação

Cri­a­do em 2009 por pacientes da saúde men­tal da anti­ga Colô­nia Juliano Mor­eira, em Jacarepaguá, o blo­co Império Colo­nial traz como enre­do em 2024 100 Anos de Trans­for­mação, 1 Ano de Folia. O des­file acon­tece na terça-feira (6), com con­cen­tração a par­tir das 14h e saí­da do corte­jo a par­tir das 15h. A apre­sen­tação será fei­ta no ter­ritório da ex-colô­nia, que é con­sid­er­a­do um sub-bair­ro de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro.

À época da cri­ação do blo­co, havia uma roda de sam­ba, ativi­dade desen­volvi­da pela Rede de Saúde do ter­ritório. “Ela foi se tor­nan­do um blo­co, muito pelo próprio movi­men­to dos par­tic­i­pantes”, disse à Agên­cia Brasil o artic­u­lador do Cen­tro de Con­vivên­cia do Museu Bis­po do Rosário, Artur Tor­res, que está à frente do blo­co. Atual­mente, o blo­co tem 12 inte­grantes fixos, entre tra­bal­hadores, comu­nidade e usuários da rede de saúde men­tal. Mas nas apre­sen­tações no ter­ritório, chega a ter 20 rit­mis­tas. Alguns só podem vir em apre­sen­tações especí­fi­cas. “Mas o blo­co é sem­pre aber­to”, garan­tiu Tor­res.

Durante o ano, são real­izadas ofic­i­nas car­navalescas, sem­pre estim­u­lan­do a comu­nidade viz­in­ha a par­tic­i­par através das letras. “Porque a gente tem um encon­tro de com­pos­i­tores e as letras vão trazen­do a própria história da comu­nidade, do ter­ritório da Colô­nia”. Este ano, o blo­co terá a primeira ala infan­til, resul­ta­do de parce­ria do Cen­tro de Con­vivên­cia em Saúde Men­tal com o Cen­tro de Atenção Psi­cos­so­cial Infan­to-Juve­nil (CAP­Si).

Em relação ao enre­do, Artur Tor­res esclare­ceu que o blo­co não está comem­o­ran­do a Colô­nia Juliano Mor­eira nem o man­icômio em si. “A gente está comem­o­ran­do o quan­to esse ter­ritório, com essa história que per­pas­sa ali pelo man­icômio, se trans­for­mou. O quan­to a gente con­seguiu mod­i­ficar e trans­for­mar essa história em um ano de folia porque é o ano inteiro de cen­tenário. E a gente vai faz­er um ano inteiro de fes­ta, de movi­men­to, de novas trans­for­mações. Viva dona Nise da Sil­veira!”.

Difer­ente da maio­r­ia dos blo­cos de rua, o Império Colo­nial não escol­he um sam­ba enre­do a cada ano. Além do sam­ba prin­ci­pal Ale­gria Ger­al, cri­a­do por todo o cole­ti­vo de com­pos­i­tores da agremi­ação e can­ta­do a cada ano, o Império Colo­nial toca um repertório de sam­bas durante o per­cur­so.

Iniciativas

O atu­al dire­tor do Museu Bis­po do Rosário, Alexan­dre Tri­no, disse à Agên­cia Brasil que o blo­co mobi­liza ini­cia­ti­vas rela­cionadas à arte e cul­tura na comu­nidade que se efe­ti­vam no car­naval, mas tam­bém com as ativi­dades que, de algu­ma for­ma, no decor­rer do proces­so de preparo para o car­naval, mobi­lizam a própria equipe do museu e do cen­tro de con­vivên­cia. “Tudo isso, de algu­ma for­ma, mobi­liza os nos­sos par­tic­i­pantes e efe­tivos do museu, que atu­am em out­ras ativi­dades lig­adas à arte e à cul­tura e pro­duzem uma iden­ti­dade de ações rela­cionadas ao blo­co em si”.

Tri­no expli­cou que o número de par­tic­i­pantes cresce à medi­da que o des­file se aprox­i­ma e são real­iza­dos os prepar­a­tivos para o corte­jo. A agremi­ação se artic­u­la com out­ros blo­cos par­ceiros rela­ciona­dos à luta anti­man­i­co­mi­al no Rio de Janeiro, como o Lou­cu­ra Sub­ur­bana.

Na avali­ação de Alexan­dre Tri­no, o Império Colo­nial só traz bene­fí­cios aos ex-assis­ti­dos da Colô­nia Juliano Mor­eira e à viz­in­hança. “Aca­ba sendo uma estraté­gia de arte e cul­tura que pro­duz inserção social dess­es ex-inter­nos da colô­nia que hoje têm autono­mia de vida e que, de algu­ma for­ma, inter­agem cul­tural­mente com a pro­pos­ta que o blo­co ofer­ece, não somente no des­file, mas em toda a mon­tagem estru­tur­al, que vai des­de a escol­ha do sam­ba, até a elab­o­ração de adereços, ale­go­rias, fan­tasias e tudo o mais.

Loucura Suburbana

A questão do tem­po vai nortear o des­file do car­naval 2024 do blo­co Lou­cu­ra Sub­ur­bana, que con­cen­tra no dia 8, às 16h, no Insti­tu­to Nise da Sil­veira, com saí­da pelas ruas do bair­ro do Engen­ho de Den­tro, zona norte do Rio, às 17h. A bate­ria Ensande­ci­da acom­pan­ha os foliões, con­vo­can­do a pop­u­lação para a “liber­dade da lou­cu­ra de amar”, adi­anta o coor­de­nador téc­ni­co do Pon­to de Cul­tura Lou­cu­ra Sub­ur­bana, Richard Ruszyn­s­ki. “Des­ta vez, ficou muito pre­sente a questão do tem­po para a gente: do pas­sa­do, do pre­sente e do futuro. Isso muito rela­ciona­do com a história do Lou­cu­ra e do bair­ro”.

Carnaval 2024 - Bloco Loucura Suburbana desfila no dia 08/02. Foto: PH Noronha/ Divulgação
Repro­dução: Blo­co Lou­cu­ra Sub­ur­bana des­fi­la no dia 08 de fevereiro — PH Noronha/ Divul­gação

O enre­do se baseia na frase: “O sam­ba da gente é nos­so pre­sente, pas­sa­do e futuro”. Ruszyn­s­ki acres­cen­ta que “isso rela­ciona toda a história do Lou­cu­ra com o bair­ro, que tem históri­co de sam­ba, de blo­co de car­naval, com a saúde men­tal, com o Insti­tu­to Nise da Sil­veira. Daí surgiu a ideia de abor­dar isso este ano”.

O sam­ba enre­do foi escol­hi­do no últi­mo dia 25 de janeiro. Con­cor­reram 36 sam­bas, de auto­ria de usuários, tra­bal­hadores e foliões de todos os gêneros e raças, mas o com­pos­i­tor Adil­son Nogueira do Ama­r­al, usuário do Cen­tro de Atenção Psi­cos­so­cial (CAPS) Manoel de Bar­ros, foi o vence­dor com a músi­ca “Te amei, Te amo, Te amarei”. Adil­son é tri­cam­peão do car­naval do blo­co, com sam­bas vence­dores nos car­navais de 2014, 2015 e, ago­ra, em 2024.

O blo­co reúne profis­sion­ais de saúde, anti­gos assis­ti­dos do Insti­tu­to Nise da Sil­veira, famil­iares, pacientes atu­ais, pes­soal das residên­cias ter­apêu­ti­cas (RTs), pes­soas que já não têm mais inter­nação. “É muito bacana por isso. Aca­ba viran­do um ato tam­bém de sol­i­dariedade e de apoio à refor­ma psiquiátri­ca”, disse Richard Ruszyn­s­ki. A por­ta-ban­deira con­tin­ua sendo Elisama Arnaud, que tem como mestre-sala Sidi­mar Mar­in­ho, ambos ex-assis­ti­dos pelo insti­tu­to. Mais de 2 mil pes­soas, em média, par­tic­i­pam do des­file.

Edição: Aline Leal

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