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Bombeiro foi dado como morto após trabalhos de salvamento no Joelma

Repro­dução: © Paulo Pinto/Agência Brasil

Equipe relembra do trabalho no incêndio há 50 anos


Pub­li­ca­do em 01/02/2024 — 07:10 Por Elaine Patri­cia Cruz e Thi­a­go Padovan – Repórteres da Agên­cia Brasil e da TV Brasil — São Paulo

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“Meu nome esta­va na relação de mor­tos. É por isso que eu falo que o úni­co bombeiro que tin­ha fale­ci­do nesse incên­dio do Joel­ma era eu”. Naque­le dia 1º de fevereiro de 1974, o bombeiro João Simão de Souza, 73 anos, primeiro-sar­gen­to vet­er­a­no, foi dado como mor­to após ter tra­bal­ha­do por horas para sal­var víti­mas do grande incên­dio que con­sum­iu o Edifí­cio Joel­ma, no cen­tro da cap­i­tal paulista, e que lev­ou à morte 181 pes­soas.

A notí­cia surgiu logo após ele ter con­segui­do entrar no edifí­cio, já con­sum­i­do pelas chamas, para faz­er uma vis­to­ria. Foi então que ele encon­trou um rapaz gemen­do no local e ten­tou retirá-lo pelas escadas. Enquan­to fazia esse sal­va­men­to, uma laje caiu sobre eles. “Encon­trei um rapaz gemen­do e resolvi pegá-lo e descer [as escadas]. As águas [usadas para o com­bate às chamas] que caíam do pré­dio bati­am nas costas e a gente esta­va sem pro­teção, só com a roupa, e pare­cia que ia furar as costas da gente, de tão quentes. Eu esta­va descen­do [com a víti­ma] e vi uma entra­da. Quan­do cheguei per­to era um esta­ciona­men­to. E pen­sei em ficar­mos por ali. Mas sen­ti um puxão grande atrás de mim e o rapaz acabou cain­do do meu braço. Só vi um poeirão e fui apa­gan­do. Depois de muito tem­po, quan­do acordei, esta­va no hos­pi­tal”.

CAMINHOS DA REPORTAGEM: Cinzas de fevereiro: 50 anos do incêndio do Edifício Joelma. Foto: TV Brasil
Repro­dução: Joel­ma em chamas. Ima­gens feitas pela pro­du­to­ra Souza Lima rodaram o mun­do. Divulgação/ Pro­du­to­ra Souza Lima

Foi no hos­pi­tal que Simão, como é mais con­heci­do, final­mente desco­briu o que tin­ha acon­te­ci­do com ele e a víti­ma, que acabou não resistin­do. Foi tam­bém no hos­pi­tal que lhe con­taram que ele chegou a ser dado como mor­to após o aci­dente. Nesse aci­dente, Simão que­brou o nar­iz, os dentes, a clavícu­la, dois braços, duas per­nas e três coste­las. Uma dessas coste­las chegou a lhe per­furar o pul­mão.

“Quan­do acordei no hos­pi­tal, esta­va enges­sa­do do pescoço para baixo”, relem­bra.

Salvamento

O incên­dio no Edifí­cio Joel­ma, atual­mente chama­do de Edifí­cio Praça da Ban­deira, ocor­reu na man­hã do dia 1º de fevereiro de 1974, provo­ca­do por um cur­to-cir­cuito no sis­tema de refrig­er­ação do 12º andar. E não foi o úni­co grande incên­dio ocor­ri­do na cidade de São Paulo.

Alguns dos bombeiros que tra­bal­haram na ten­ta­ti­va de con­ter as chamas do Joel­ma e no socor­ro às víti­mas já tin­ham enfrenta­do um even­to muito pare­ci­do dois anos antes. Em fevereiro de 1972 eles tra­bal­haram no incên­dio do Edifí­cio Andraus, tam­bém no cen­tro da cap­i­tal paulista, que provo­cou a morte de 16 pes­soas e deixou mais de 300 feri­das. Esse é o caso de Simão e tam­bém do primeiro-sar­gen­to refor­ma­do do Cor­po de Bombeiros, Fran­clin de Jesus Fer­reira, de 76 anos.

“Ouvi­mos no rádio que esta­va ten­do um incên­dio no cen­tro da cidade. Não sabíamos o que era, mas quan­do falou que era em um edifí­cio, logo imag­inei o Andraus, onde já tin­ha tra­bal­ha­do. ‘Deve ser out­ro pavoroso’, imag­inei”, disse Fer­reira.

O tra­bal­ho em ambos os edifí­cios, no entan­to, não guardou muitas semel­hanças. Se no Andraus muitas das víti­mas foram sal­vas pelo alto, já que o edifí­cio con­ta­va com helipon­to, no Joel­ma isso não ocor­reu. Pouquís­si­mas víti­mas pud­er­am ser sal­vas no segun­do incên­dio dessa for­ma, já que os helicópteros não con­seguiam pousar no local: a cober­tu­ra do pré­dio tin­ha tel­has de amianto e não tin­ha helipon­to.

São Paulo (SP) 31/01/2024 - 50 anos do incêncio do Edificio Joelma.Foto: Bombeiro Mato Grosso do Sul/Divulgação
Repro­dução: Cober­tu­ra do pré­dio tin­ha tel­has de amianto e nen­hum helipon­to — Bombeiro Mato Grosso do Sul/Divulgação

“Todo mun­do [do Joel­ma] resolveu subir para o tel­ha­do porque eles se lem­braram do Andraus. Mas o primeiro helicóptero que ten­tou, não con­seguiu [parar] por causa da hélice. Teve um [bombeiro que esta­va no helicóptero] que ten­tou pular [do helicóptero para a cober­tu­ra]. Mas ele pas­sou pelo tel­ha­do e parece que que­brou o tornoze­lo. Não tin­ha aque­le tipo de sal­va­men­to que teve no Andraus”, detal­ha o primeiro-tenente vet­er­a­no Rober­to Sil­va, 83 anos.

Já a semel­hança entre ambos os sal­va­men­tos foi que, nos anos 70, não havia equipa­men­tos ade­qua­dos para se tra­bal­har na con­tenção de incên­dios. A começar pela far­da.

“Naque­la época, a far­da era de man­ga cur­ta”, con­ta Sil­va. Por isso, antes de entrar em um pré­dio em chamas, ele sem­pre pas­sa­va Hipoglós em todo o cor­po, para evi­tar que a água quente caísse pela pele despro­te­gi­da. “O povo pas­sa­va no ros­to e nos braços. Não era como os equipa­men­tos que exis­tem hoje”.

“No out­ro dia a gente não con­seguia colo­car a far­da, prin­ci­pal­mente a grandona, porque as costas queimaram todas. A sorte é que lev­a­mos bas­tante Hipoglós. Mas ficamos um bom tem­po sem por roupa, prin­ci­pal­mente nas costas, porque queimou tudo”, acres­cen­ta Fer­reira.

“Era uma por­caria as botas que a gente usa­va. A sola saiu de tan­to calor. O que sobrou para a gente tra­bal­har foi o coração”.

De acor­do com Fer­reira, as far­das não eram o úni­co prob­le­ma que os bombeiros enfrentavam naque­la época para tra­bal­har em um incên­dio. “O que a gente mais pre­cisa­va era de viatu­ra, mas elas eram sucateadas e tam­bém eram pou­cas”. Out­ro prob­le­ma é que a esca­da magirus, naque­la época, só alcança­va até o 14º andar, insu­fi­ciente para faz­er o res­gate em edifí­cios muito altos.

Essas condições são hoje bem difer­entes, con­tou o major da reser­va Eduar­do Boan­erges Bar­bosa, 77 anos. “Hoje o bombeiro está muito mais prepara­do para entrar no incên­dio, com capacete, capa amer­i­cana, bota alemã e cin­to alemão”, citou.

Out­ro fator que con­tribuiu para que o tra­bal­ho de con­tenção de incên­dio acon­teça de for­ma mais efi­ciente nos dias de hoje são as exigên­cias de segu­rança pre­di­al, que pas­saram a ser reg­u­la­men­tadas. Em 1974, o Joel­ma não tin­ha iso­la­men­to entre os andares, nem escadas de emergên­cia, nem briga­da de incên­dio, aspec­tos que são obri­gatórios em edifí­cios atual­mente. “A sorte que temos dos incên­dios atu­ais não serem iguais ao do Joel­ma é que hoje a lei obri­ga que os edifí­cios ten­ham brigadas de incên­dio, que con­tro­lam o fogo e não deix­am que ele passe para incên­dio. Fogo é con­troláv­el. No incên­dio, ele está fora de con­t­role”, expli­ca major Boan­erges.

Reconhecimento

Anos se pas­saram da tragé­dia, mas o tra­bal­ho desen­volvi­do pelos bombeiros nun­ca deixou de ser recon­heci­do, ape­sar das difi­cul­dades encon­tradas na ocasião. Na tarde des­ta quin­ta-feira (1), por exem­p­lo, a Câmara Munic­i­pal de São Paulo vai hom­e­nagear os bombeiros que tra­bal­haram para sal­var víti­mas e con­ter as chamas do Edifí­cio Joel­ma.

Mas essa não será a úni­ca hom­e­nagem que ess­es bombeiros já pres­en­cia­ram pelo ato. A maior delas não veio de nen­hum órgão públi­co, empre­sa ou insti­tu­ição: mas da lem­brança das víti­mas que eles sal­varam.

No ano pas­sa­do, por exem­p­lo, durante entre­vista a um pro­gra­ma de TV que trata­va sobre o incên­dio, Simão foi recon­heci­do por uma das víti­mas a quem res­ga­tou do Joel­ma: o microem­presário Mau­ro Ligere Fil­ho, de 73 anos, a quem ele salvou do para­peito do 22º andar.

“No ano pas­sa­do, fui con­vi­da­do para dar uma entre­vista para um pro­gra­ma de TV. Con­ver­san­do com ele [Mau­ro Ligere Fil­ho], ele con­tou que esta­va naque­le beiral”, lem­brou Simão. “Ele me recon­heceu e, naque­la hora, eu sen­ti um arrepio. A gente vai lá e sal­va, mas não recon­hece a pes­soa. Mas ele me recon­heceu. Eu falei: ‘gan­hei out­ro ami­go’. E ago­ra, de vez em quan­do ele liga para mim”, con­ta Simão.

“Ele ago­ra é um ami­go que eu ten­ho, que eu gan­hei, e que só fui encon­trar após 49 anos”, con­fir­mou Ligere Fil­ho, em entre­vista à EBC.

Dever cumprido

Pas­sa­dos 50 anos, o que ficou para a equipe foi o sen­ti­men­to de que cumpri­ram o tra­bal­ho da mel­hor maneira que podi­am. “Dev­er cumpri­do. Fize­mos o que nos­so coração man­dou. Éramos tão pequenin­in­hos, ínfi­mos. Mas diante da quan­ti­dade de bombeiros que estavam lá, jun­tos nos tor­namos grandes”, se orgul­ha Fer­reira.

Tam­bém ficou o sen­ti­men­to de tris­teza. “Foi um pedac­in­ho do ar-condi­ciona­do per­to de um pré­dio daque­le. Me emo­ciono ao lem­brar dis­so depois de 50 anos. Cheguei a son­har muitas vezes o mes­mo son­ho. É duro lem­brar tudo aqui­lo, dá von­tade de esque­cer”, disse Sil­va.

Entre essas memórias e sen­ti­men­tos que os qua­tro com­par­til­ham, ficou tam­bém um dese­jo comum. “Depois de 50 anos do incên­dio do Joel­ma, ten­ho isso comi­go: que um incên­dio como esse nun­ca mais se repi­ta em São Paulo”, reforçou Simão.

TV Brasil preparou um espe­cial sobre os 50 anos do incên­dio do Joel­ma, que vai ao ar no Cam­in­hos da Reportagem, no dia 4 de fevereiro, às 22h

Edição: Aline Leal

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