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Brasil é um dos países mais perigosos para defensores de direitos

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Foram assassinadas 169 pessoas entre 2019 e 2022, mostra ONG


Pub­li­ca­do em 12/12/2023 — 08:02 Por Eliane Gonçalves e Thi­a­go Padovan — Repórteres da Rádio Nacional e da TV Brasil — São Paulo

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“Eu sofri uma ten­ta­ti­va de homicí­dio den­tro deste ter­ritório no começo deste ano”. O rela­to é do xon­daro ruwixa Tia­go Hen­rique Karai Djekupe, da Ter­ra Indí­ge­na Jaraguá. Xon­daro ruwixa sig­nifi­ca líder  entre os guer­reiros, em guarani. Na sem­ana em que a Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos com­ple­ta 75 anos, a Agên­cia Brasil, em parce­ria com a TV Brasil e com a Rádio Nacional, pub­li­ca uma série de reporta­gens sobre o tema. 

No Brasil, o papel de ativis­tas e movi­men­tos soci­ais é impre­scindív­el para que dire­itos e garan­tias fun­da­men­tais saiam do papel. Mas ser um defen­sor de dire­itos humanos no Brasil sig­nifi­ca cor­rer riscos.

Lev­an­ta­men­to das orga­ni­za­ções Ter­ra de Dire­itos e Justiça Glob­al mostrou que, de 2019 a 2022, o Brasil reg­istrou 1.171 casos de vio­lên­cia con­tra defen­sores de dire­itos humanos, com 169 pes­soas assas­si­nadas. Uma mar­ca que colo­ca o Brasil entre os país­es mais perigosos do mun­do para quem defende os dire­itos humanos.

“[Situ­ações de] Pes­soas pas­sarem na frente da aldeia e ameaçar com arma. Apon­tar. Falar na região que min­ha cabeça esta­va a prêmio. Isso é o que vem trazen­do essa difi­cul­dade de eu con­seguir… viv­er mes­mo”, declara emo­ciona­do o jovem, de 29 anos, que é estu­dante de arquite­tu­ra e urban­is­mo da Esco­la da Cidade.

São Paulo (SP), 30/05/2023 - A polícia militar atira bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes guaranis do Jaraguá que protestavam contra o PL 490 do marco temporal na rodovia dos Bandeirantes. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: São Paulo — Polí­cia mil­i­tar ati­ra bom­bas de gás lac­rimogê­neo con­tra man­i­fes­tantes guara­nis do Jaraguá — Foto Rove­na Rosa/Agência Brasil (Arqui­vo)

Karai Djekupe é por­ta-voz de uma história ances­tral. “Eu sou nasci­do neste ter­ritório, Ter­ra Indí­ge­na Jaraguá. Nos­so ter­ritório, que foi inva­di­do em 1580 pelo ban­deirante Afon­so Sardinha, traf­i­cante de escra­vo angolano e con­heci­do como mata­dor de Car­i­jós. Car­i­jós que eram como nos chamavam, o povo Mbya Guarani”, con­ta. A história é anti­ga e com­plexa, mas aju­da a enten­der o con­tex­to em Karai Djekupé pas­sou a cor­rer risco de vida.

Histórico

A Ter­ra Indí­ge­na Jaraguá fazia parte de um aldea­men­to do sécu­lo 17, o Barueri, infor­ma relatório da Fun­dação Nacional do Índio (Funai) de 2013, assi­na­do pelo antropól­o­go Spen­sy Pimentel. Depois de sécu­los de col­o­niza­ção, muitos indí­ge­nas mor­reram, e alguns ado­taram a cul­tura dos col­o­nizadores. Out­ros resi­s­ti­ram. Nos anos de 1960, a família de Djekupé foi expul­sa de out­ro aldea­men­to guarani, no Sul do Brasil. Os avós seguiram, à força, para São Paulo, onde encon­traram guara­nis remanes­centes do Barueri no Pico do Jaraguá.

O Jaraguá é um pedac­in­ho preser­va­do da Mata Atlân­ti­ca em ple­na cidade de São Paulo. O ter­ritório foi demar­ca­do em 1987 com ape­nas 1,7 hectare, a menor reser­va indí­ge­na do Brasil. Em 2015, últi­mo ano do gov­er­no de Dil­ma Rouss­eff, a TI foi ampli­a­da e pas­sou a ter 532 hectares. Em 2016, uma por­taria do então pres­i­dente Michel Temer voltou a reduzir o ter­ritório, dessa vez para 3 hectares. Os indí­ge­nas recor­reram à Justiça e uma lim­i­nar sus­pendeu a vigên­cia da por­taria.

O tex­to de 2016, no entan­to, nun­ca foi, de fato revo­ga­do, e o fan­tas­ma da redução do ter­ritório segue assom­bran­do os guara­nis do Jaraguá. A reser­va indí­ge­na é cer­ca­da por grandes rodovias, lugar estratégi­co para os serviços de logís­ti­ca e cobiça­do pelo mer­ca­do imo­bil­iário. Karai Djekupe apren­deu cedo que os inter­ess­es econômi­cos de gente poderosa ali­men­tam a dis­pu­ta.

São Paulo (SP), 30/05/2023 - Interdição da rodovia Bandeirantes pelos indígenas do Jaraguá contra a PL 490 do marco temporal. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: São Paulo — Inter­dição da Rodovia dos Ban­deirantes pelos indí­ge­nas do Jaraguá — Foto Rove­na Rosa/Agência Brasil (Arqui­vo)

“Quan­do eu tin­ha por vol­ta de 9 anos de idade chegou aqui a família Pereira Leite. A família de Joaquim Pereira Leite, que foi min­istro do Meio Ambi­ente do [ex-pres­i­dente Jair] Bol­sonaro. Ele veio reivin­di­can­do uma das áreas que estavam se for­man­do na aldeia, que chama de Tekoa. A Tekoa Pyau fica encosta­da na Rodovia dos Ban­deirantes e ele chegou falan­do que que­ria faz­er ali uma trans­porta­do­ra, aces­so para a rodovia, que a área ali era dele, era uma gle­ba. E ele que­ria que nos­so xer­amõi [meu avô] aceitasse um pun­hado de din­heiro em tro­ca de sair da ter­ra. Nos­so xer­amõi falou que não se tro­ca­va ter­ra por papel e que a gente ia ficar ali, que aque­la ter­ra era sagra­da para nós”, lem­bra.

Luta por direitos

A família Pereira Leite é ape­nas uma das 15 que reivin­dicam a pro­priedade de partes da Ter­ra Indí­ge­na Jaraguá. Karai Djekupe entrou para a lista de defen­sores de dire­itos humanos que são víti­mas de vio­lên­cia no Brasil. O lev­an­ta­men­to da Ter­ra de Dire­itos e da Justiça Glob­al mostra que corre ain­da mais risco quem luta pelo dire­ito à ter­ra ou defende o meio ambi­ente, como é o caso dos guarani em São Paulo. De cada dez casos de agressões, oito foram de pes­soas envolvi­das em con­fli­tos fundiários. Do total, 140 defen­sores e defen­so­ras foram assas­si­na­dos por defend­er seus ter­ritórios.

O indi­genista Bruno Pereira e o jor­nal­ista Dom Phillips, mor­tos no Vale do Javari em 2022, entram nes­sa estatís­ti­ca. Mas o lev­an­ta­men­to ain­da não inclui o assas­si­na­to de Maria Bernadete Pací­fi­co, a Mãe Bernadete, lid­er­ança do Quilom­bo de Pitan­ga dos Pal­mares, na Bahia, assas­si­na­da em 2023 na frente dos netos, no dia 17 de agos­to. Não é por aca­so que indí­ge­nas e quilom­bo­las estão entre as prin­ci­pais víti­mas na luta por dire­itos.

“Ela [a luta por dire­itos] está atrav­es­sa­da por uma dico­to­mia, vamos diz­er assim, que per­siste des­de o nos­so pas­sa­do escrav­agista, que é uma dico­to­mia entre os alguém e os ninguém”, diz o psi­canal­ista Chris­t­ian Dunker, pro­fes­sor do Insti­tu­to de Psi­colo­gia da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP).

São Paulo (SP), 30/05/2023 - A polícia militar atira bombas de gás lacrimogêneo contra manifestantes guaranis do Jaraguá que protestavam contra o PL 490 do marco temporal na rodovia dos Bandeirantes. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Repro­dução: São Paulo — Polí­cia Mil­i­tar ati­ra bom­bas de gás lac­rimogê­neo con­tra man­i­fes­tantes guara­nis do Jaraguá — Foto Rove­na Rosa/Agência Brasil

Foi com lágri­mas nos olhos e a voz embar­ga­da que Karai Djekupe disse o que sig­nifi­ca ser uma pes­soa alcança­da pelos dire­itos humanos. “Acho que é o dire­ito de viv­er. Não ter medo que alguém mate seu fil­ho. Não ter medo de sair na rua e alguém te dar um tiro. Por você sim­ples­mente quer­er defend­er a sua for­ma de ser. Acho que é isso. Des­cul­pa”, disse à reportagem.

Dunker ques­tiona esse cenário em que os dire­itos são garan­ti­dos par­cial­mente, numa lóg­i­ca exclu­dente. “Aque­les que têm lugar onde moram, têm habite-se, que con­stroem segun­do as leis, pagam impos­tos, são recon­heci­dos pelo Esta­do, têm aces­so à saúde e edu­cação. E aque­les que estão no uni­ver­so do, dig­amos assim, vida sem val­or, que podem ser matadas impune­mente, que são ninguém, que são quase gente. A gente força a mão ao diz­er isso porque esse é um regime tác­i­to de negação de dire­itos humanos.”

A reportagem ten­tou con­ta­to com o ex-min­istro do Meio Ambi­ente Joaquim Pereira Leite, mas não con­seguiu até a lib­er­ação des­ta matéria.

Edição: Graça Adju­to

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