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Brasil não promove jornalismo plural, alerta Repórteres Sem Fronteiras

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal Jr / Agên­cia Brasil

Cerca de 26 milhões de brasileiros não têm acesso a notícias locais


Pub­li­ca­do em 02/03/2024 — 10:40 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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A Orga­ni­za­ção Não Gov­er­na­men­tal (ONG) Repórteres Sem Fron­teiras (RSF) pub­li­cou nes­ta sem­ana relatório em que aler­ta que não há no Brasil políti­cas sufi­cientes para pro­mover a plu­ral­i­dade no jor­nal­is­mo nacional. De acor­do com a orga­ni­za­ção, o país carece “de uma políti­ca mais robus­ta e estru­tu­ra­da de pro­moção da plu­ral­i­dade e diver­si­dade jor­nalís­ti­ca”.

“Num con­tex­to de recentes ataques ao Esta­do Democráti­co de Dire­ito no Brasil, a urgên­cia de asse­gu­rar nor­mas e políti­cas que for­t­aleçam um jor­nal­is­mo livre, plur­al e de con­fi­ança é cru­cial para a própria democ­ra­cia brasileira”, diz o doc­u­men­to, acres­cen­tan­do que “o Brasil segue dis­tante de um mar­co nor­ma­ti­vo que pro­te­ja e pro­mo­va o plu­ral­is­mo, a diver­si­dade e um jor­nal­is­mo forte e rel­e­vante”.

A plu­ral­i­dade ou diver­si­dade do jor­nal­is­mo é defen­di­da pela orga­ni­za­ção como condição necessária para garan­tir uma cober­tu­ra equi­li­bra­da e inclu­si­va dos acon­tec­i­men­tos, pro­moven­do uma sociedade mais infor­ma­da. Além dis­so, out­ra recomen­dação é a cri­ação de novas mídias locais para com­bat­er os chama­dos “deser­tos de notí­cias”. Esti­ma-se que 26 mil­hões de brasileiros de 2,7 mil cidades do país não têm qual­quer noti­ciário local.

Brasil não promove jornalismo plural, alerta Repórteres Sem Fronteiras - Totem usado para distribuir notícias por mídias periféricas, instalado em supermercado no distrito do Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Artur Romeu. Foto: Clarice Castro/MDHC
Repro­dução:  Dire­tor da RSF na Améri­ca Lati­na, Artur Romeu, fala sobre fal­ta de plu­ral­is­mo no jor­nal­is­mo brasileiro — Foto: Clarice Castro/MDHC

O dire­tor do RSF na Améri­ca Lati­na, Artur Romeu, lem­brou que o sis­tema infor­ma­ti­vo no Brasil é car­ac­ter­i­za­do por uma exces­si­va con­cen­tração da pro­priedade da mídia na mão de poucos gru­pos econômi­cos e que essa situ­ação é agrava­da pela frag­ili­dade dos setores de comu­ni­cação públi­ca, comu­nitária e de mídia per­iféri­ca, pop­u­lar ou inde­pen­dente.

“Frag­ili­dade essa que está muito asso­ci­a­da a uma fal­ta de incen­tivos e garan­tias insti­tu­cionais para que ess­es veícu­los pos­sam oper­ar numa situ­ação de menor pre­cariedade no seu tra­bal­ho”, desta­cou.

Em 2017, uma pesquisa do RSF, em parce­ria com o Inter­vozes, con­cluiu que as qua­tro maiores redes de tele­visão con­cen­travam 70% da audiên­cia nacional, o que con­fig­u­raria, segun­do essas orga­ni­za­ções, um oligopólio nas comu­ni­cações, o que é proibido pelo pará­grafo 5º do Arti­go 220 da Con­sti­tu­ição brasileira

Para pro­mover a diver­si­dade no jor­nal­is­mo do país, o relatório do Repórteres Sem Fron­teiras sug­ere a ofer­ta de sub­sí­dios estatais, a tax­ação das platafor­mas dig­i­tais para finan­ciar a diver­si­dade do jor­nal­is­mo no Brasil, bem como dis­tribuição da pub­li­ci­dade estatal “segun­do critérios claros e não dis­crim­i­natórios”.

Para a orga­ni­za­ção, fal­ta von­tade políti­ca para pro­mover essa agen­da, sejam dos gov­er­nos de esquer­da ou de dire­i­ta. “Nas últi­mas duas décadas, ape­sar de gestões que se declararam com­pro­meti­das com a con­strução de um ambi­ente midiáti­co plur­al e diver­so, o país viven­ciou, na práti­ca, a flex­i­bi­liza­ção das pou­cas regras anti-con­cen­tração na pro­priedade de emis­so­ras de radiod­i­fusão”, afir­ma o doc­u­men­to.

Mídia Periférica

A fal­ta de políti­cas para o jor­nal­is­mo inde­pen­dente, per­iféri­co e pop­u­lar, “que desem­pen­ha um papel cru­cial para a for­mação de cidadãos infor­ma­dos, críti­cos e par­tic­i­pa­tivos”, é apre­sen­ta­da pelo RSF como a mais pre­ocu­pante de todas.

O por­tal de notí­cias Desen­ro­la e Não Me Enro­la de São Paulo é uma dessas mídias per­iféri­c­as. Lança­do em 2013, o veícu­lo afir­ma que faz jor­nal­is­mo com obje­ti­vo de “reg­is­trar e refle­tir sobre as trans­for­mações soci­ais e a iden­ti­dade cul­tur­al dos sujeitos e ter­ritórios per­iféri­cos”.

O cofun­dador do site, o jor­nal­ista Ronal­do Matos, que atua na Rede Jor­nal­is­tas das Per­ife­rias, defende que a mídia per­iféri­ca é necessária porque muitas pau­tas de inter­ess­es dessas comu­nidades não têm espaço nos veícu­los com­er­ci­ais.

“As mídias inde­pen­dentes com a atu­ação das per­ife­rias e fave­las têm o grande papel de dis­sem­i­nar infor­mações para essa pop­u­lação que não tem esse noti­ciário garan­ti­do nos jor­nais tradi­cionais que eles estão acos­tu­ma­dos a con­sumir”, desta­cou.

Brasil não promove jornalismo plural, alerta Repórteres Sem Fronteiras - Totem usado para distribuir notícias por mídias periféricas, instalado em supermercado no distrito do Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Erezin e Cribeirão
Repro­dução: Ronal­do Matos é cofun­dador do por­tal Desen­ro­la e Não Me Enro­la e atua na Rede Jor­nal­is­tas das Per­ife­rias. Foto: Erezin e Cribeirão

Matos ressaltou que out­ra função do jor­nal­is­mo per­iféri­co, além da cober­tu­ra dos acon­tec­i­men­tos, é o de “letra­men­to midiáti­co”, que é a habil­i­dade de con­sumir infor­mações de for­ma críti­ca, pos­si­bil­i­tan­do, por exem­p­lo, difer­en­ciar fatos de notí­cias fal­sas.

“A cul­tura de con­sumir notí­cias é eli­ti­za­da. Ela per­tence a uma classe social que nos dom­i­na. Pre­cisamos, cada vez mais, tomar decisões que vão mex­er com a nos­sa vida, basea­da numa leitu­ra qual­i­fi­ca­da do jor­nal­is­mo no Brasil”, expli­cou.

Brasil não promove jornalismo plural, alerta Repórteres Sem Fronteiras - Totem usado para distribuir notícias por mídias periféricas, instalado em supermercado no distrito do Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Alexandro Silva
Repro­dução: Totem usa­do para dis­tribuir notí­cias por mídias per­iféri­c­as, insta­l­a­do em super­me­r­ca­do no dis­tri­to do Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Alexan­dro Sil­va

Uma das ações das mídias per­iféri­c­as em São Paulo é a dis­tribuição de notí­cias em telas dig­i­tais em comér­cios das per­ife­rias e fave­las paulis­tas. Atual­mente, são 15 telas insta­l­adas em mais de 10 dis­tri­tos das per­ife­rias de São Paulo, que alcançam uma média de 500 mil pes­soas por mês.

Ronal­do Matos con­ta, por out­ro lado, que essas mídias enfrentam graves prob­le­mas de finan­cia­men­to. Elas cos­tu­mam se sus­ten­tar por assi­nat­uras do públi­co, por vaquin­has, por meio de edi­tais públi­cos volta­dos ao setor cul­tur­al, e tam­bém por meio de parce­rias com os veícu­los tradi­cionais.

“Elas acabam sucateadas, ten­do val­ores de recur­sos de paga­men­tos muito baixos. Você tem car­ga horária ele­va­da e mui­ta pre­cariza­ção. Além dis­so, são feitas, em sua maio­r­ia, por profis­sion­ais negros que se for­maram em uni­ver­si­dades e não foram aceitos pelo mer­ca­do de tra­bal­ho do jor­nal­is­mo tradi­cional. Não tiver­am espaço nas TVs, nos grandes jor­nais, nas grandes emis­so­ras de rádio”, com­ple­tou.

Em 2019, Ronal­do coor­de­nou uma pesquisa que mapeou 97 ini­cia­ti­vas de comu­ni­cação local na cidade de São Paulo. Do total do con­teú­do dis­tribuí­do por essas mídias, 80% eram de pro­dução autoral. Dess­es veícu­los, 64% fun­cionavam com dois a cin­co profis­sion­ais e oito de cada dez dess­es profis­sion­ais tin­ham out­ra ativi­dade para com­ple­tar a ren­da.

Apoio estatal e taxação de plataformas

O RSF afir­ma que o número reduzi­do de empre­sas de comu­ni­cação con­tem­pladas pela pub­li­ci­dade gov­er­na­men­tal rep­re­sen­ta um entrave para a pro­moção de um ambi­ente jor­nalís­ti­co plur­al e diver­so no país.

“Sem o desen­volvi­men­to e imple­men­tação de uma políti­ca volta­da para mídias não com­er­ci­ais, inde­pen­dentes e region­ais, um fomen­to con­cre­to à ampli­ação da var­iedade de vozes nas comu­ni­cações brasileiras segue inex­is­tente”, diz o doc­u­men­to.

Sobre as pro­postas de tax­ação das platafor­mas que usam con­teú­do jor­nalís­ti­co em trami­tação no Con­gres­so Nacional, o RSF diz que elas podem rep­re­sen­tar um alívio para o setor, mas aler­ta que os pro­je­tos exis­tentes pre­cisam ser aper­feiçoa­d­os para finan­ciar a plu­ral­i­dade no jor­nal­is­mo.

“[Os pro­je­tos] seguem o mod­e­lo ado­ta­do em país­es como Aus­trália e Canadá, onde platafor­mas nego­ci­am com veícu­los de comu­ni­cação val­ores pelo uso dos seus con­teú­dos, mas não define clara­mente que tipo de uti­liza­ção de con­teú­dos jor­nalís­ti­cos ense­jaria remu­ner­ação nem esta­b­elece critérios para con­tem­plar veícu­los menores, region­ais e sem fins lucra­tivos”, desta­cou.

Edição: Car­oli­na Pimentel

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