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Brasil perdeu o timing para erradicar Aedes, diz infectologista

Repro­dução: © Instagram/@drbandeira

Para ele, saída é apostar em vacina e pesquisas nacionais


Pub­li­ca­do em 30/01/2024 — 07:41 Por Paula Labois­sière — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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O mos­qui­to Aedes aegyp­ti, trans­mis­sor de todas as arbovi­ros­es que atual­mente cir­cu­lam no país, inclu­sive a dengue, chegou a ser errad­i­ca­do do ter­ritório brasileiro por vol­ta de 1950, como resul­ta­do de uma série de medi­das para o con­t­role da febre amarela. Entre­tan­to, dadas as atu­ais pro­porções de infes­tação, é impos­sív­el son­har com esse cenário nova­mente. “O Aedes veio para ficar”, aler­tou o infec­tol­o­gista Anto­nio Car­los Ban­deira.

For­ma­do pela Uni­ver­si­dade Fed­er­al da Bahia e espe­cial­ista em saúde públi­ca pela Fac­ul­dade de Saúde Públi­ca da Uni­ver­si­dade de São Paulo, Ban­deira desco­briu, em 2015, a chega­da do vírus Zika ao Brasil. A doença tam­bém é trans­mi­ti­da pelo Aedes aegyp­ti. Em entre­vista à Agên­cia Brasil, o médi­co citou alter­ações climáti­cas, sobre­tu­do o aumen­to das tem­per­at­uras, como fatores que colab­o­ram para a explosão de casos de dengue este ano.

O infec­tol­o­gista man­i­festou pre­ocu­pação com o ressurg­i­men­to do sorotipo 3 da dengue no país – que não cir­cula­va de for­ma epidêmi­ca há mais de 15 anos. “Mas, inde­pen­den­te­mente do sorotipo, pre­ocu­pa a grande quan­ti­dade de casos que a gente tem. Porque uma grande quan­ti­dade de casos impli­ca uma grande quan­ti­dade de com­pli­cações e uma grande quan­ti­dade de pos­síveis óbitos”.

Con­fi­ra a seguir os prin­ci­pais tre­chos da entre­vista:

Agên­cia Brasil: Nas primeiras sem­anas de 2024, o número de casos de dengue mais que dobrou em relação ao mes­mo perío­do de 2023, que já havia sido clas­si­fi­ca­do como ano epidêmi­co. O que tem cau­sa­do essa explosão de casos no Brasil?
Anto­nio Car­los Ban­deira: Vários fatores têm cau­sa­do essa explosão. O primeiro e mais impor­tante têm sido as alter­ações climáti­cas. Hou­ve ago­ra, com o El Niño, nos últi­mos dois anos, uma com­bi­nação de muito calor no corre­dor que segue da Região Cen­tro-Oeste e desce pela porção oeste das regiões Sud­este e Sul. Esse corre­dor climáti­co acabou facil­i­tan­do muito a dis­sem­i­nação do mos­qui­to tan­to para locais da Região Sud­este e, mais impor­tante ain­da, da Região Sul. Isso facil­i­tou que o Aedes aegyp­ti pudesse ser dis­sem­i­na­do. Não só o Brasil, mas país­es cir­cun­viz­in­hos como Paraguai e Argenti­na viver­am a mes­ma situ­ação: uma chega­da muito forte do Aedes aegyp­ti. É um pas­so para começar a ter epi­demias de dengue, chikun­gun­ya e zika.

Out­ro fator é o des­man­te­la­men­to que hou­ve, de cer­ta maneira, nos últi­mos anos, de uma vig­ilân­cia mais proa­t­i­va no sen­ti­do de insti­tuir medi­das como lar­vi­ci­da ou o famoso fumacê. Temos perío­dos que ficaram sem lar­vi­ci­das. E o ter­ceiro fator é pegar a pop­u­lação que é exata­mente dessas regiões que citei e que eram vir­gens de dengue. Difer­ente­mente da Região Nordeste, em que as pes­soas fre­quente­mente tiver­am episó­dios pre­gres­sos de dengue. Ness­es casos, a pes­soa fica um pouco mais resistente, ape­sar de ain­da poder pegar a doença por out­ros soroti­pos. No caso da Região Sul, está todo mun­do ali sem nen­hum tipo de pro­teção ante­ri­or. E a vaci­na só ago­ra está sendo pen­sa­da.

Agên­cia Brasil: O recente aumen­to das tem­per­at­uras em prati­ca­mente todo o país asso­ci­a­do à grande quan­ti­dade de chu­vas con­tribui de algu­ma for­ma para esse agrava­men­to do cenário da dengue?
Ban­deira: É, isso que faz com que a coisa com­plique. Você tem esse corre­dor de calor e ele fica oscilan­do com mui­ta pre­cip­i­tação plu­viométri­ca de for­ma inten­si­va. Isso facil­i­tou demais. Calor e mui­ta chu­va inter­mi­tente são a com­bi­nação prin­ci­pal para a dengue. Por cul­pa, de cer­ta maneira, do El Niño. O Aedes aegyp­ti se repro­duz mais rápi­do e vive mais quan­to mais ele­va­da é a tem­per­atu­ra. A situ­ação é essa. Ele vive mais e se mul­ti­pli­ca mais.

Agên­cia Brasil: A dengue tem com­por­ta­men­to sazon­al e sem­pre retor­na de for­ma epidêmi­ca de tem­pos em tem­pos. É comum ter­mos dois anos con­sec­u­tivos de epi­demia se já con­sid­er­ar­mos 2023 e 2024?
Ban­deira: Esta­mos diante de pop­u­lações vir­gens. A maio­r­ia dos casos de dengue que esta­mos ten­do no ano pas­sa­do e este ano é na Região Sud­este e Sul. Essa pop­u­lação que nun­ca teve dengue antes está muito suscetív­el.

Agên­cia Brasil: O pico da dengue no Brasil geral­mente acon­tece entre março e maio. Em função do iní­cio pre­coce de casos, já em out­ubro do ano pas­sa­do, há chance de esse pico chegar mais cedo em 2024?
Ban­deira: No ano pas­sa­do, a gente teve uma situ­ação com­ple­ta­mente difer­ente porque tive­mos, como de praxe, a dengue no iní­cio do ano. Em fevereiro, já tín­hamos muitos casos. Mas, nor­mal­mente, as taxas começam a subir em fevereiro, março, abril e, em maio, começam a cair. No ano pas­sa­do, essas taxas foram altas o primeiro semes­tre prati­ca­mente inteiro, até jul­ho. E só foram começar a cair em agos­to, já mostran­do um com­por­ta­men­to difer­ente.

Talvez algu­mas regiões atin­jam o pico de dengue antes, mas isso não é garan­ti­do. Ness­es proces­sos epidêmi­cos, cada esta­do, na ver­dade, tem um com­por­ta­men­to. Depende da pre­co­ci­dade com que se começa a detec­tar, usar lar­vi­ci­da em grande quan­ti­dade, fumacê, aler­tar a pop­u­lação. Cada esta­do tem uma inter­venção difer­ente. Um está em calami­dade públi­ca e, em out­ro, a coisa é inten­sa, mas não é trág­i­ca. Cada local aca­ba ten­do uma dinâmi­ca difer­ente. Se você não fiz­er nada, o pico pode chegar antes sim.

Agên­cia Brasil: O sorotipo 3 da dengue não cir­cula­va de for­ma epidêmi­ca no Brasil há mais de 15 anos, mas voltou a reg­is­trar casos em 2023 e em 2024. Como esse ressurg­i­men­to pode agravar ain­da mais as per­spec­ti­vas para este ano?
Ban­deira: Sem dúvi­da, o tipo 3 voltou a cir­cu­lar. A gente só não sabe se ele vai ser o respon­sáv­el pela maio­r­ia dos casos. A gente não tem como saber isso neste momen­to. Já tive­mos a intro­dução de soroti­pos que começam a cir­cu­lar, mas não vão muito adi­ante. No pas­sa­do, o sorotipo 4, por exem­p­lo, começou, mas não domi­nou o espec­tro da doença. O sorotipo 3 real­mente pre­ocu­pa porque é mais um sorotipo para causar a doença. Por out­ro lado, pode ser que ele não seja dom­i­nante na maior parte dos esta­dos do Brasil. O que a gente está ven­do hoje é que os soroti­pos 1 e 2 estão fazen­do uma grande quan­ti­dade de noti­fi­cação no Brasil como um todo.

Neste momen­to, inde­pen­den­te­mente do sorotipo, pre­ocu­pa a grande quan­ti­dade de casos que a gente tem. Porque uma grande quan­ti­dade de casos impli­ca uma grande quan­ti­dade de com­pli­cações e uma grande quan­ti­dade de pos­síveis óbitos.

Agên­cia Brasil: O Aedes aegyp­ti chegou a ser errad­i­ca­do do ter­ritório brasileiro por vol­ta de 1950 como resul­ta­do de medi­das para con­t­role da febre amarela. É pos­sív­el son­har com esse cenário nova­mente, dadas as pro­porções atu­ais de infes­tação?
Ban­deira: Jamais. Nun­ca mais. Não tem como. O Aedes veio para ficar e só faz aumen­tar. Começou em 1980 no Rio de Janeiro e, hoje, já está pre­sente em prati­ca­mente todos os municí­pios do Brasil. É um mos­qui­to alta­mente domi­cil­iáv­el. Nes­sas tem­per­at­uras ele­vadas, não tem como. E a ten­ta­ti­va de traz­er aque­les mosquit­in­hos trans­gêni­cos, que real­mente pode­ri­am aju­dar num deter­mi­na­do momen­to, hoje em dia, não tem como. Você teria que soltar mos­qui­tos trans­gêni­cos aos bil­hões no Brasil inteiro. A gente real­mente perdeu o tim­ing da coisa porque ficou para­do. Ficou-se, todos os anos, esperan­do que a epi­demia fos­se emb­o­ra. Mas o vírus não entende os ape­los e os clam­ores humanos. Ele quer con­tin­uar. Veio pra ficar mes­mo. A saí­da nos­sa ago­ra é a vaci­na. Não tem out­ra.

Agên­cia Brasil: O con­t­role dos cri­adouros do mos­qui­to, em tese, não é algo tão difí­cil de se faz­er. O que fal­ta? Mais cam­pan­ha? Maior con­sci­en­ti­za­ção?
Ban­deira: Cuba, que é uma ilhaz­in­ha minús­cu­la quan­do com­para­da ao Brasil, não con­seguiu erradicar os cri­adouros com um sis­tema políti­co alta­mente cen­tral­iza­do. Para a gente, não tem como. É abso­lu­ta­mente impos­sív­el, não tem como. A úni­ca pos­si­bil­i­dade seri­am tec­nolo­gias novas, ino­vado­ras mes­mo. Mas até isso bate em uma situ­ação de cus­to que pode ser muito ele­va­do para o país todo. Serve para algu­mas regiões de epi­demia, mas é impos­sív­el acabar com o Aedes aegyp­ti. Não é fac­tív­el, não é viáv­el. Só em filme de Hol­ly­wood.

Agên­cia Brasil: O Brasil ain­da reg­is­tra lixões e esgo­to a céu aber­to, além de uma grande quan­ti­dade de ter­renos bal­dios sem fis­cal­iza­ção ade­qua­da. Como o sen­hor avalia as ações para con­t­role do mos­qui­to no país ao lon­go dos últi­mos anos? É pre­ciso mudar de estraté­gia?
Ban­deira: Acho que a gente tem que inve­stir em pesquisa. Os gov­er­nos, sejam eles fed­er­al, estad­ual ou munic­i­pal, pre­cisam enten­der, de uma vez por todas, que o que resolve os nos­sos prob­le­mas é a pesquisa fei­ta aqui den­tro, para as nos­sas neces­si­dades. É inves­ti­men­to mas­si­vo em pesquisa, pra gente poder desco­brir novas dro­gas pra dengue, novas vaci­nas e assim por diante.

Em segun­do lugar, a gente tem que ter cor­agem mes­mo para pen­sar em atu­ar nas fave­las. Você olha, por exem­p­lo, o que acon­tece com a dengue. Geral­mente, nas áreas urban­izadas, você tem uma taxa de dengue muito menor. Não deixa de ter, mas é menor. Quan­do você olha as fave­las, essas aglom­er­ações no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em qual­quer lugar do Brasil, ess­es locais con­cen­tram uma quan­ti­dade gigan­tesca de pes­soas num espaço minús­cu­lo. Isso vai facil­i­tar muito a trans­mis­são. Um mos­qui­to vai picar 20, 30 pes­soas e pas­sar a dengue porque estão muito per­t­in­ho umas das out­ras. Não há recol­hi­men­to de lixo ade­qua­do, isso facili­ta água para­da. A questão do sanea­men­to bási­co é hor­ro­roso. Mes­mo em águas sujas, o Aedes con­segue se mul­ti­plicar. São áreas críti­cas para trans­mis­são da doença.

Tam­bém são críti­cas para a crim­i­nal­i­dade, para o trá­fi­co de dro­gas, para doenças diar­re­icas, para tudo. A gente pre­cis­aria faz­er um inves­ti­men­to. São 11 mil­hões de pes­soas no Brasil que vivem nas fave­las. Quero ver um PAC [Pro­gra­ma de Acel­er­ação do Cresci­men­to] das fave­las. Algum gov­er­nante que ten­ha cor­agem de faz­er isso. Para que você pos­sa urbanizar. Não pre­cisa deslo­car a pop­u­lação para fora. Você vai urbanizar aqui­lo ali. Talvez ten­ha que desapro­pri­ar uma peque­na quan­ti­dade de pes­soas, mas pas­sar ruas, sanea­men­to bási­co, cole­ta de lixo, orga­ni­zar o espaço urbano de for­ma que você pos­sa faz­er ações de saúde, lar­vi­ci­da, pas­sar fumacê. Hoje em dia, se você tem um sur­to em qual­quer favela do Brasil, você não con­segue subir com o fumacê, pas­sar lar­vi­ci­da. Não con­segue faz­er nada. Isso sim é atu­ar nas causas raízes dos prob­le­mas.

A melhor forma de combater a dengue é impedir a reprodução do mosquito. Foto: Arte/EBC
Repro­dução

Edição: Juliana Andrade

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