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Brasil tem estrutura digital colonizada, alerta sociólogo

© TV PUC/Reprodução

Em julho, governo lançou plano com o conceito de Soberania Digital


Publicado em 07/09/2024 — 08:12 Por Lucas Pordeus León — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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O colo­nial­is­mo dig­i­tal é a capaci­dade dos país­es que sedi­am as gigantes das tec­nolo­gias das comu­ni­cações e infor­mações, as chamadas big techs, de con­tro­larem os flux­os econômi­cos, políti­cos e cul­tur­ais em país­es que não detém essas estru­turas dig­i­tais, segun­do define o sociól­o­go Sér­gio Amadeu da Sil­veira.

Para o pro­fes­sor da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do ABC (UFABC), ape­sar do Brasil ser um país inde­pen­dente politi­ca­mente, ain­da não desen­volveu sua sobera­nia dig­i­tal e tem a estru­tu­ra col­o­niza­da por empre­sas sedi­adas prin­ci­pal­mente nos Esta­dos Unidos.

“Des­de o sécu­lo 19, a gente não tem uma relação col­o­niza­da com Por­tu­gal, por óbvio. Mas a colo­nial­i­dade e suas várias sub­or­di­nações per­manecem. Nós entreg­amos nos­sos dados para o exte­ri­or e, com ess­es dados, os sis­temas de inteligên­cia arti­fi­cial (IA) cri­am pro­du­tos e serviços e depois ven­dem para a nos­sa pop­u­lação e extraem mais riqueza ain­da”, expli­ca.

Enquan­to no iní­cio do sécu­lo 20 as empre­sas de petróleo eram as mais valiosas do mun­do em val­or de mer­ca­do, hoje são as empre­sas de tec­nolo­gia da infor­mação que lid­er­am o rank­ing das mais poderosas com­pan­hias do plan­e­ta.

Das dez maiores com­pan­hias em val­or de mer­ca­do lis­tadas pela Com­pa­nies Markey Cap, seis são da tec­nolo­gia da infor­mação: Microsoft, Apple, Nvidia, Alphabet/Google, Ama­zon e Meta/Facebook, todas dos Esta­dos Unidos.

O pro­fes­sor Sér­gio Amadeu, que pesquisa as con­se­quên­cias políti­cas e econômi­cas do uso da IA, argu­men­ta que os país­es que desen­volvem essa tec­nolo­gia usam o con­t­role sobre a estru­tu­ra dig­i­tal para influ­en­ciar os demais país­es. “Isso a gente chama de colo­nial­is­mo dig­i­tal”, disse.

“Essas empre­sas não querem só gan­har din­heiro no Brasil com os dados que cole­tam das pes­soas. Elas querem poder. Então elas afrontam as estru­turas do Esta­do, elas definem con­du­tas do gov­er­no”, desta­cou Sér­gio, que citou ain­da o com­por­ta­men­to no Brasil da platafor­ma X, que desre­speitou decisões do Judi­ciário brasileiro, o que lev­ou ao seu blo­queio no país.

Colonialismo

O pesquisador Michael Kwet, autor do livro Colo­nial­is­mo Dig­i­tal: O Império dos EUA e novo impe­ri­al­is­mo no Sul Glob­al, afir­ma que, no colo­nial­is­mo dig­i­tal, “as cor­po­rações estrangeiras minam o desen­volvi­men­to local, dom­i­nam o mer­ca­do e extraem a recei­ta do Sul Glob­al, com poder obti­do prin­ci­pal­mente por meio da dom­i­nação da estru­tur­al da arquite­tu­ra dig­i­tal”.

O Sul Glob­al é o ter­mo usa­do para se referir aos país­es não desen­volvi­dos ou emer­gentes que, em sua maio­r­ia, estão local­iza­dos no Hem­is­fério Sul do plan­e­ta.

Segun­do Micheal Kwet, o fato de sedi­ar as grandes big techs do plan­e­ta “con­fer­em aos Esta­dos Unidos imen­so poder políti­co, econômi­co e social”.

Em decre­to pres­i­den­cial de fevereiro de 2019, o então pres­i­dente dos EUA, Don­ald Trump, deter­mi­nou os critérios para “man­ter a lid­er­ança amer­i­cana em inteligên­cia arti­fi­cial”.

“Os Esta­dos Unidos devem pro­mover um ambi­ente inter­na­cional que apoie a pesquisa e ino­vação em IA amer­i­cana e abra mer­ca­dos para as indús­trias de IA amer­i­canas, ao mes­mo tem­po em que asse­gure nos­sa van­tagem tec­nológ­i­ca em IA e pro­te­ja nos­sas tec­nolo­gias críti­cas de IA da aquisição por com­peti­dores estratégi­cos e nações adver­sárias”, diz o decre­to da Casa Bran­ca.

Os EUA tam­bém têm bus­ca­do traz­er de vol­ta para o país a indús­tria de chips de apar­el­hos eletrôni­cos, dev­i­do ao seu papel estratégi­co para a sobera­nia dig­i­tal.

“Os EUA estão pro­te­gen­do cada vez mais os dados da sua pop­u­lação. É só você ver o que eles estão fazen­do com o Tik­Tok lá”, lem­bra o pro­fes­sor Sér­gio Amadeu. Em abril deste ano, o Con­gres­so norte-amer­i­cano aprovou uma lei para proibir a rede social chi­ne­sa no país.

Soberania Digital

Do lado opos­to ao con­ceito de colo­nial­is­mo dig­i­tal ou de dados, os pesquisadores desen­volver­am o con­ceito de Sobera­nia Dig­i­tal. Segun­do Sil­veira, a Sobera­nia Dig­i­tal ocorre quan­do um país ou sociedade con­tro­la “as tec­nolo­gias que são indis­pen­sáveis para o nos­so cotid­i­ano, nos­sa autode­ter­mi­nação e desen­volvi­men­to. É a capaci­dade de con­tro­lar os com­po­nentes fun­da­men­tais do proces­so dig­i­tal”.

O pro­fes­sor da UFABC argu­men­ta que estatais como Ser­pro e Dat­aPrev, assim como o Ban­co do Brasil, têm cen­tros de armazena­men­to de dados, mas ess­es serviços vêm sendo ter­ce­i­riza­dos no Brasil.

“As big techs, a par­tir da primeira déca­da do sécu­lo 21, começaram a faz­er pressão para ter­ce­i­rizar a infraestru­tu­ra com­puta­cional. Dizem que não pre­cisamos ter um monte de servi­dor, que eles cuidam dis­so para o Brasil”, comen­tou Sér­gio.

Para ele, cri­ar Sobera­nia Dig­i­tal e enfrentar o colo­nial­is­mo de dados é jus­ta­mente “con­tro­lar tec­nolo­gias estratég­i­cas, ter infraestru­turas de armazena­men­to e proces­sa­men­to de dados sober­a­nos e tam­bém con­tro­lar os dados em vez de enviar as infor­mações para serem proces­sadas no estrangeiro”.

A pesquisa Edu­cação Vigia­da, deste ano, rev­el­ou que de 154 domínios de e‑mails de insti­tu­ições de ensi­no supe­ri­or do Brasil, 74% são armazena­dos no Google e 9% na Microsoft.

“Mal con­seguimos man­ter os dados das uni­ver­si­dades nas próprias uni­ver­si­dades. Os dados da edu­cação públi­ca brasileira são usa­dos para treinar a inteligên­cia arti­fi­cial dessas grandes empre­sas. Nós esta­mos per­den­do recur­sos econômi­cos fun­da­men­tais ao perder dados”, aler­ta o sociól­o­go Amadeu da Sil­veira.

Na sem­ana pas­sa­da, a Autori­dade Nacional de Pro­teção de Dados (ANPD), órgão respon­sáv­el por zelar pela pro­teção dos dados no Brasil, autor­i­zou a Meta, dona do Face­book, Insta­gram e What­sApp, a usar dados pes­soais dos brasileiros para treinar a inteligên­cia arti­fi­cial da empre­sa.

Inteligência artificial

Em jul­ho deste ano, o gov­er­no brasileiro lançou o Plano Brasileiro de Inteligên­cia Arti­fi­cial 2024–2025 trazen­do, pela primeira vez para uma políti­ca públi­ca, o con­ceito de Sobera­nia Dig­i­tal.

O plano pre­vê inves­ti­men­tos de R$ 23 bil­hões em 4 anos para “trans­for­mar o país em refer­ên­cia mundi­al em ino­vação e efi­ciên­cia no uso da inteligên­cia arti­fi­cial, espe­cial­mente no setor públi­co”.

Os campeões em inves­ti­men­tos em IA são Esta­dos Unidos, que aplicaram R$ 63 bil­hões em recur­sos públi­cos e R$ 380 bil­hões em pri­va­dos, em 2023, segui­do pela Chi­na, que investiu R$ 306 bil­hões com recur­sos públi­cos e out­ros R$ 39 bil­hões com din­heiro pri­va­do em IA no ano pas­sa­do, segun­do lev­an­ta­men­to do Min­istério da Ciên­cia, Tec­nolo­gia e Ino­vação.

pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va tem defen­di­do nos fóruns inter­na­cionais o desen­volvi­men­to de uma IA do Sul Glob­al para com­pe­tir com a dos país­es desen­volvi­dos. Além dis­so, tem pres­sion­a­do para que se crie uma gov­er­nança glob­al da IA. “Na área dig­i­tal, viven­ci­amos con­cen­tração sem prece­dentes nas mãos de um pequeno número de pes­soas e de empre­sas, sedi­adas em um número ain­da menor de país­es”, aler­tou o pres­i­dente, acres­cen­tan­do que é pre­ciso pro­mover “uma inteligên­cia arti­fi­cial que tam­bém ten­ha a cara do Sul Glob­al, con­sid­er­a­dos em desen­volvi­men­to, que for­t­aleça a diver­si­dade cul­tur­al e lin­guís­ti­ca e que desen­vol­va a econo­mia dig­i­tal de nos­sos país­es”.

Congresso Nacional

No Con­gres­so Nacional, trami­ta o Pro­je­to de Lei 2.338/23, que reg­u­la­men­ta a IA no Brasil. A votação do tex­to já foi adi­a­da diver­sas vezes e sofre pressão con­trária da Con­fed­er­ação Nacional da Indús­tria (CNI) e das big techs, que aler­tam que a reg­u­lação pode­ria iso­lar o Brasil tec­no­logi­ca­mente.

Para o espe­cial­ista Sér­gio Amadeu da Sil­veira, a oposição ao pro­je­to bus­ca man­ter o mer­ca­do nacional para as grandes empre­sas estrangeiras. “As grandes cor­po­rações que con­tro­lam o desen­volvi­men­to da IA não querem nen­hum imped­i­men­to ao seu negó­cio. Obvi­a­mente, eles acionam seus sócios menores no Brasil e que têm lob­by no Con­gres­so Nacional”.

Edição: Fer­nan­do Fra­ga

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