...
quinta-feira ,19 setembro 2024
Home / Noticias / Brasil tem mais de 30 mil câmeras corporais em uso por policiais

Brasil tem mais de 30 mil câmeras corporais em uso por policiais

Repro­dução: © Rove­na Rosa/Agência Brasil

Dados são de levantamento feito pelo Ministério da Justiça


Pub­li­ca­do em 13/10/2023 — 08:25 Por Vitor Abdala — Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

ouvir:

Mais de 30 mil câmeras cor­po­rais estão em uso por poli­ci­ais e guardas munic­i­pais de todo o país, segun­do lev­an­ta­men­to feito pelo Min­istério da Justiça e Segu­rança Públi­ca (MJSP). Os equipa­men­tos são usa­dos em far­das dos agentes das forças de segu­rança para gravar ações e pro­te­ger tan­to os cidadãos quan­to os próprios poli­ci­ais.

O lev­an­ta­men­to é parte de um diag­nós­ti­co feito pelo MJSP, em parce­ria com uni­ver­si­dades, para traçar um quadro sobre o cenário atu­al do uso das câmeras (tam­bém con­heci­das pelo nome em inglês, body­cams) no país. De acor­do com o min­istério, até agos­to, 26 unidades da fed­er­ação já estavam usan­do o equipa­men­to ou se preparan­do para começar sua uti­liza­ção.

Três esta­dos estão com o uso mais difun­di­do, segun­do o MJSP: São Paulo, San­ta Cata­ri­na e Rio de Janeiro. Além dess­es, em out­ros qua­tro esta­dos, o proces­so de imple­men­tação já começou: Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondô­nia. Minas, por exem­p­lo, está em uma fase de pro­je­to-pilo­to, com o uso exper­i­men­tal de mil câmeras.

Ape­nas Mato Grosso ain­da não plane­ja adquirir os equipa­men­tos. Prefeituras, como a de Curiti­ba, já estão usan­do as câmeras em suas guardas munic­i­pais. A cap­i­tal paranaense tem cer­ca de 500 equipa­men­tos em uso.

O min­istério deve divul­gar, em novem­bro, uma dire­triz nacional para o uso dessas câmeras. O doc­u­men­to deve traz­er infor­mações sobre proces­sos como tem­po de gravação, roti­nas, quem pode aces­sar as ima­gens e como essas gravações podem ser guardadas e com­par­til­hadas.

As dire­trizes não serão obri­gatórias para esta­dos e municí­pios, já que eles con­tin­uarão ten­do autono­mia para cri­ar suas próprias regras para o uso das câmeras, mas servirão como parâmetro para as forças fed­erais e para finan­cia­men­tos à com­pra dess­es equipa­men­tos com recur­sos do Fun­do Nacional de Segu­rança Públi­ca (FNSP).

Uso de câmeras acopladas aos uniformes de policiais militares do estado de São Paulo para registro das suas ações, implementada em 18 unidades, ajudou a reduzir violência policial,trazendo resultados emblemáticos.
Repro­dução: Uso de câmeras acopladas aos uni­formes de poli­ci­ais mil­itares do esta­do de São Paulo — Rove­na Rosa/Agência Brasil

Além das dire­trizes para o uso das câmeras, o MJSP está elab­o­ran­do uma nor­mal de padroniza­ção e cer­ti­fi­cação para ess­es equipa­men­tos, com critérios téc­ni­cos para aux­il­iar esta­dos e municí­pios em seus proces­sos de aquisição das câmeras. Tam­bém serão ofer­e­ci­dos treina­men­tos para a oper­ação dessa tec­nolo­gia e avali­ações do impacto de sua adoção no país.

Jun­tas, essas ações fazem parte de um pro­je­to nacional de câmeras cor­po­rais do gov­er­no fed­er­al. “A ideia é mel­ho­rar a legit­im­i­dade e a con­fi­ança das pes­soas nas polí­cias. É faz­er com que as polí­cias sejam vis­tas de uma out­ra for­ma. E isso só será pos­sív­el por meio da mel­ho­ria da qual­i­dade do tra­bal­ho”, afir­ma o coor­de­nador-ger­al de Gov­er­nança e Gestão do Sis­tema Úni­co de Segu­rança Públi­ca, Már­cio Mat­tos.

Segurança de dados

Um dos pon­tos que con­starão na dire­triz nacional é a segu­rança da custó­dia das ima­gens, a fim de que pos­sa ser garan­ti­da sua inte­gri­dade e pos­te­ri­or uso em proces­sos judi­ci­ais.

“Como é que eu com­par­til­ho os dados das câmeras cor­po­rais com out­ras insti­tu­ições como Min­istério Públi­co, Poder Judi­ciário, defen­so­rias garan­ti­n­do a inte­gri­dade das evidên­cias? Porque, se eu per­co a inte­gri­dade dessas evidên­cias, seu val­or como pro­va num proces­so judi­cial deixa de exi­s­tir”, afir­ma Mat­tos.

Pedro Sal­i­ba, coor­de­nador da Data Pri­va­cy Brasil, orga­ni­za­ção que tem pesquisa­do o uso dos dados das câmeras cor­po­rais, afir­ma que é pre­ciso demon­strar tec­ni­ca­mente que as ima­gens orig­i­nais estão preser­vadas.

“Você tem que sal­var essas ima­gens de for­ma que você con­si­ga demon­strar tec­ni­ca­mente que essas ima­gens não foram edi­tadas ou adul­ter­adas de algu­ma for­ma. Para isso, a gente pre­cisa de req­ui­si­tos téc­ni­cos especí­fi­cos”, expli­ca.

Sal­i­ba desta­ca o caso recente de um poli­cial que ten­tou usar as ima­gens das câmeras cor­po­rais para se defend­er de um proces­so judi­cial. As provas, no entan­to, não foram aceitas pela Justiça porque havia indí­cios de que as ima­gens tin­ham sido manip­u­ladas.

O coor­de­nador tam­bém que é pre­ciso definir critérios como a pos­si­bil­i­dade de reg­is­trar a local­iza­ção de onde as ima­gens foram gravadas e o con­t­role remo­to dess­es vídeos, por meio de sis­temas como trans­mis­são ao vivo.

Na Oper­ação Maré, ini­ci­a­da na últi­ma segun­da-feira (9) no esta­do do Rio de Janeiro, por exem­p­lo, vários poli­ci­ais usavam as câmeras cor­po­rais. As ima­gens eram trans­mi­ti­das ao vivo para o Cen­tro Inte­gra­do de Coman­do e Con­t­role (CICC), onde eram acom­pan­hadas por out­ros agentes e autori­dades.

“A gente tem que pen­sar na pri­vaci­dade dos agentes poli­ci­ais tam­bém. Que parâmet­ros serão esta­b­ele­ci­dos para acionar as ima­gens remo­ta­mente? A gente se ques­tiona tam­bém como está sendo fei­ta a pro­teção dess­es dados do GPS. Porque poten­cial­mente há um risco. Algum inci­dente de segu­rança pode, por exem­p­lo, expor a estraté­gia de inteligên­cia da Polí­cia Mil­i­tar. Ou pode haver algu­ma perseguição políti­ca com relação a um agente poli­cial especí­fi­co”, expli­ca Sal­i­ba.

O Insti­tu­to Sou da Paz é out­ra orga­ni­za­ção que estu­da a implan­tação de câmeras cor­po­rais no país. Recen­te­mente, pub­li­cou uma nota téc­ni­ca sobre o uso dess­es equipa­men­tos.

Para a dire­to­ra exec­u­ti­va do insti­tu­to, Car­oli­na Ricar­do, é pre­ciso haver um con­t­role sobre quem aces­sa as ima­gens. Isso é impor­tante para garan­tir tan­to a pri­vaci­dade dos poli­ci­ais quan­to a inte­gri­dade dess­es vídeos como provas.

“Essa imagem não é públi­ca. Ela é uma imagem que, a princí­pio, está no ban­co de dados da Polí­cia Mil­i­tar. Exis­tem órgãos que podem aces­sar, que são órgãos do sis­tema de Justiça. [E para ess­es órgãos] vale a mes­ma coisa em ter­mos de ras­trea­men­to. Quem usou, quem aces­sou, quan­do”, desta­ca.

“Você pre­cisa ter a difi­cul­dade de baixar a imagem. Essas ima­gens não são facil­mente baix­adas, elas são acessíveis no sis­tema. Ter um sis­tema de segu­rança é muito impor­tante na hora de armazenar. E aí você garante que essas ima­gens vão ser aces­sadas por, enfim, órgãos juris­di­cionais que têm atribuição legal para isso”, com­ple­ta Car­oli­na.

Direitos dos cidadãos

Out­ro pon­to que pre­cisa ser dis­cu­ti­do, na avali­ação dos espe­cial­is­tas, é o uso que será feito dessas ima­gens, uma vez que são gravadas e armazenadas. Pedro Sal­i­ba desta­ca, por exem­p­lo, que há uma dis­cussão sobre se ima­gens gravadas em uma situ­ação pode­ri­am ser usadas em proces­sos não rela­ciona­dos à ocor­rên­cia que motivou aque­la gravação.

Ele expli­ca que nos Esta­dos Unidos hou­ve o caso de ima­gens cap­turadas durante o atendi­men­to a uma ocor­rên­cia de vio­lên­cia domés­ti­ca que foram usadas pos­te­ri­or­mente em um proces­so de trá­fi­co de dro­gas con­tra o irmão da víti­ma.

Sal­i­ba tam­bém ressalta que o uso dessas ima­gens pela impren­sa deve ser dis­cu­ti­do. “Se a impren­sa quis­er ter aces­so às ima­gens de câmeras cor­po­rais por con­ta de um fato rel­e­vante de inter­esse públi­co, a gente tem que pen­sar como essas ima­gens podem ou não ser disponi­bi­lizadas. A gente tem que pen­sar tam­bém que as ima­gens dessas câmeras cor­po­rais não podem servir para a espetac­u­lar­iza­ção da vio­lên­cia. A gente vê muito nas platafor­mas dig­i­tais ima­gens de vio­lên­cia geran­do enga­ja­men­to e prin­ci­pal­mente geran­do recur­sos finan­ceiros.”

Já Car­oli­na Ricar­do desta­ca que é pre­ciso tomar cuida­do com tec­nolo­gias cujos usos na segu­rança públi­ca ger­am debates e polêmi­cas, como o recon­hec­i­men­to facial e a cri­ação de ban­cos de ima­gens de sus­peitos (para recon­hec­i­men­to por víti­mas de crimes).

“A gente pre­cisa ter muito cuida­do e é pre­ciso que a gente pare a dis­cussão e nem avance. Acho que a gente não tem maturi­dade nem para avançar mes­mo na tec­nolo­gia de câmera para mon­i­torar pla­cas de car­ro. A gente pre­cisa avançar muito na implan­tação das câmeras como elas são hoje. Elas ain­da estão numa grande fase de testes”, disse a dire­to­ra do Sou da Paz.

Paulo Cruz Ter­ra, pro­fes­sor de história da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), pesquisa a reação de movi­men­tos soci­ais a tec­nolo­gias de inteligên­cia apli­ca­da à segu­rança públi­ca, como o recon­hec­i­men­to facial. Segun­do ele, his­tori­ca­mente, gov­er­nos e sociedades cos­tu­mam acred­i­tar que a tec­nolo­gia pode resolver todos os prob­le­mas.

“Existe uma visão da sociedade, de for­ma ger­al, que cos­tu­ma atribuir sen­ti­do quase mági­co à tec­nolo­gia. Ela é apre­sen­ta­da por parte do poder públi­co como capaz de solu­cionar os prob­le­mas”, expli­ca Ter­ra.

No entan­to, há sem­pre uma pre­ocu­pação com o uso incor­re­to que pode ser feito com essa tec­nolo­gia.

“É impor­tante rela­cionar à própria história que a polí­cia tem no nos­so país. É inter­es­sante perce­ber como os ativis­tas rela­cionam, por exem­p­lo, a tec­nolo­gia de recon­hec­i­men­to facial com o racis­mo pre­sente na história.”

Mes­mo com a neces­si­dade de dis­cu­tir regras e pro­ced­i­men­tos para garan­tir a segu­rança de dados e seu uso cor­re­to, tan­to Sal­i­ba quan­to Car­oli­na acred­i­tam que as câmeras são impor­tantes para pro­te­ger os cidadãos de abu­sos da polí­cia quan­to para defend­er o próprio poli­cial de fal­sas denún­cias.

“Nesse momen­to, o grande pre­juí­zo à pop­u­lação é não ter a câmera. Ago­ra você tem como com­pro­var fatos que antes você só tin­ha a palavra da polí­cia da própria polí­cia. Você tem uma teste­munha eletrôni­ca dess­es fatos”, afir­ma Sal­i­ba.

Edição: Juliana Andrade

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

É mentira que o voto valerá como prova de vida nas Eleições 2024

Repro­dução: tse.jus.br A Justiça Eleitoral esclarece que são falsos informes que vêm circulando de que …