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Brumadinho tem mais de 23 mil acordos de indenização fechados

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Nesta 5ªfeira, tragédia completa cinco anos


Pub­li­ca­do em 24/01/2024 — 09:48 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agên­cia Brasil — BRUMADINHO

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Mais de 23 mil atingi­dos pelo rompi­men­to da bar­ragem da Vale na Mina Cór­rego do Fei­jão, em Bru­mad­in­ho, em Minas Gerais, fecharam acor­dos de ind­eniza­ção com a min­er­ado­ra. Os dados são das insti­tu­ições de Justiça e foram apre­sen­ta­dos na últi­ma sex­ta-feira (19), quan­do o Min­istério Públi­co de Minas Gerais (MPMG) orga­ni­zou uma prestação públi­ca de con­tas. No even­to, foi feito um bal­anço dos três anos de imple­men­tação do acor­do de reparação.

Nes­ta quin­ta-feira (25), a tragé­dia com­ple­tará cin­co anos. O rompi­men­to da bar­ragem cau­sou 270 mortes e ger­ou grande dev­as­tação ambi­en­tal, além de destru­ir comu­nidades. Famil­iares dos mor­tos con­tabi­lizam 272 víti­mas, levan­do em con­ta que duas mul­heres estavam grávi­das. Um acor­do para a reparação foi fir­ma­do dois anos depois, em 4 de fevereiro de 2021. Ele tra­ta dos danos cole­tivos. Foram pre­vis­tos inves­ti­men­tos socioe­conômi­cos, ações de recu­per­ação socioam­bi­en­tal, ações voltadas para garan­tir a segu­rança hídri­ca, mel­ho­rias dos serviços públi­cos e obras de mobil­i­dade urbana, entre out­ras.

As partes optaram por man­ter as dis­cussões das ind­eniza­ções indi­vid­u­ais em para­le­lo nas nego­ci­ações judi­ci­ais e extra­ju­di­ci­ais que estavam em cur­so. Em parte dessas trata­ti­vas, os atingi­dos foram acom­pan­hados pela Defen­so­ria Públi­ca de Minas Gerais. Em abril de 2019, a insti­tu­ição assi­nou com a Vale um ter­mo de com­pro­mis­so definin­do os pro­ced­i­men­tos que via­bi­lizaram as nego­ci­ações indi­vid­u­ais.

De acor­do com a Defen­so­ria Públi­ca, por meio do ter­mo de com­pro­mis­so, foram ger­a­dos até dezem­bro 20.806 acor­dos que movi­men­ta­ram R$ 1,3 bil­hão. A ess­es números, se somam as ind­eniza­ções tra­bal­his­tas. Isso porque mais de 90% dos fun­cionários que mor­reram estavam tra­bal­han­do no com­plexo min­erário e eram empre­ga­dos da Vale ou das empre­sas ter­ce­i­rizadas que prestavam serviço na Mina Cór­rego do Fei­jão.

Brumadinho (MG), 23/01/2024 - Parque Cachoeira, bairro rural de Brumadinho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Par­que Cachoeira, bair­ro rur­al de Bru­mad­in­ho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em jul­ho de 2019, a min­er­ado­ra e o Min­istério Públi­co do Tra­bal­ho (MPT) assi­naram um acor­do para o paga­men­to das ind­eniza­ções aos famil­iares dos tra­bal­hadores que mor­reram e aos empre­ga­dos sobre­viventes. Des­de então, foram sela­dos 2.509 acor­dos que movi­men­ta­ram R$ 1,2 bil­hão.

Em nota, a min­er­ado­ra afir­ma que, des­de 2019, mais de 15,4 mil pes­soas fecharam acor­dos de ind­eniza­ção. “A Vale reafir­ma seu pro­fun­do respeito às famílias impactadas pelo rompi­men­to da bar­ragem e segue com­pro­meti­da com a reparação de Bru­mad­in­ho, pri­or­izan­do as pes­soas, as comu­nidades impactadas e o meio ambi­ente”, acres­cen­ta o tex­to.

A divergên­cia entre os números apre­sen­ta­dos pela Vale e os divul­ga­dos pela Defen­so­ria Públi­ca e pelo MPT pode se dar porque alguns atingi­dos têm dire­ito a mais de um acor­do, como, por exem­p­lo, no caso daque­les que perder­am par­entes e sofr­eram out­ros impactos. Mas tam­bém há divergên­cia nas cifras envolvi­das. A Vale ale­ga ter des­ti­na­do ao todo R$ 3,5 bil­hões em ind­eniza­ções.

Sem negociação

Para a Asso­ci­ação dos Famil­iares das Víti­mas e Atingi­dos pelo Rompi­men­to da Bar­ragem em Bru­mad­in­ho (Avabrum), esse proces­so ind­eniza­tório foi atro­pela­do. A enti­dade con­sid­era que não hou­ve nego­ci­ação. Era aceitar a ofer­ta ou recusar.

“Até teve uma escu­ta, mas não havia espaço para argu­men­tos. E foi tudo muito em cima do acon­te­ci­do. A gente ain­da esta­va com 197 pes­soas não encon­tradas, em meio ao caos, e as reuniões sobre as ind­eniza­ções já tin­ham começa­do”, diz a engen­heira civ­il Josiane Melo, que inte­gra a dire­to­ria da Avabrum, e faz duras críti­cas ao acor­do. Ela perdeu sua irmã Eliane Melo, que esta­va grávi­da de cin­co meses.

Josiane se recor­da que havia um temor rela­ciona­do com um arti­go da refor­ma tra­bal­hista. Aprova­da em 2017 por meio da Lei Fed­er­al 13.467 e san­ciona­da pelo então pres­i­dente Michel Temer, ela definia que o paga­men­to máx­i­mo para ind­eniza­ção por danos morais em caso de aci­dente de tra­bal­ho dev­e­ria ser de 50 vezes o val­or do salário do empre­ga­do.

Brumadinho (MG), 22/01/2024 - A familiar de vítima e membra da AVABRUM, Joseane Melo, participa do seminário
Repro­dução: Josiane Melo par­tic­i­pa do sem­i­nário “5 Anos Sem Justiça — Rompi­men­to Bar­ragem da Vale em Bru­mad­in­ho — 272 mortes”, na Câmara Munic­i­pal de Bru­mad­in­ho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil — Tânia Rêgo/Agência Brasil

Dessa for­ma, os par­entes de uma víti­ma que tivesse um salário de R$ 3 mil, por exem­p­lo, não pode­ri­am rece­ber jun­tos mais do que R$ 150 mil. Ape­nas no ano pas­sa­do, o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) con­sider­ou ile­gal essa lim­i­tação. Assim, na época, como os val­ores definidos entre Vale e MPT era supe­ri­ores aos pre­vis­tos na lei, havia pou­ca esper­ança em con­seguir mel­hores condições.

“Falavam muito dessa questão do lim­ite. Usou-se dessa pos­si­bil­i­dade”, diz Josiane. A engen­heira civ­il avalia que as famílias ficaram acuadas. Ela, no entan­to, não gos­ta de falar do tema. “A vida não tem reparação. Não há val­or que com­pre uma vida. A vida não vol­ta atrás, então pra gente nós somos os mais mis­eráveis. Nós perdemos aqui­lo que a gente tin­ha de mais espe­cial que é o con­vívio com os nos­sos entes famil­iares, a con­strução dos nos­sos son­hos e da nos­sa família”, acres­cen­ta.

Hou­ve, porém, atingi­dos que preferi­ram bus­car a ind­eniza­ção de for­ma indi­vid­ual, recor­ren­do a advo­ga­dos par­tic­u­lares. Isso ocor­reu tan­to na Justiça do Tra­bal­ho como na Justiça comum. Em alguns casos, porém, a expec­ta­ti­va de obter cifras mais ele­vadas acabou sendo frustra­da já que os juízes uti­lizaram como refer­ên­cia os ter­mos fir­ma­dos pela Vale com o MPT e com a Defen­so­ria Públi­ca. Ou seja, per­cor­reram um out­ro cam­in­ho, mais demor­a­do, para obter resul­ta­dos semel­hantes.

Mas hou­ve exceções. Em setem­bro de 2019, por exem­p­lo, a min­er­ado­ra foi con­de­na­da pelo Tri­bunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a pagar R$ 11,8 mil­hões de ind­eniza­ção por danos morais a qua­tro famil­iares que perder­am entes queri­dos na tragé­dia. As víti­mas estavam hospedadas na Pou­sa­da Nova Estân­cia, que foi soter­ra­da pela lama de rejeitos.

Uma das críti­cas da Avabrum envolve a dis­crepân­cia entre os recur­sos des­ti­na­dos às ind­eniza­ções e aque­les anual­mente aprova­dos para dis­tribuição de lucros e div­i­den­dos. Somente no últi­mo ano, a Vale pagou cer­ca de R$ 28,9 bil­hões em proven­tos aos seus acionistas.

Liquidação coletiva

Em março do ano pas­sa­do, uma decisão do Tri­bunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) chegou a esta­b­ele­cer um novo ingre­di­ente para o proces­so ind­eniza­tório. O juiz Muri­lo Sil­vio de Abreu acol­heu pedi­do do MPMG e con­cor­dou com a pos­si­bil­i­dade de liq­uidação cole­ti­va. Dessa for­ma, os atingi­dos, caso quisessem, pode­ri­am pleit­ear suas ind­eniza­ções de for­ma con­jun­ta. No momen­to, porém, a decisão está revo­ga­da.

Essa era uma deman­da anti­ga de algu­mas enti­dades que rep­re­sen­tam as víti­mas. Elas avaliam que, na nego­ci­ação indi­vid­ual, o atingi­do se encon­tra numa posição mais vul­neráv­el diante da min­er­ado­ra.

A decisão foi toma­da pelo juiz Muri­lo Sil­vio na mes­ma ação em que a Vale foi con­de­na­da em 2019, de for­ma genéri­ca, a reparar todos os danos da tragé­dia, incluin­do aí os indi­vid­u­ais, sejam eles pat­ri­mo­ni­ais (como danos mate­ri­ais e lucros ces­santes) e extra­p­at­ri­mo­ni­ais (como danos morais e estéti­cos).

Brumadinho (MG), 23/01/2024 - Local onde funcionava a mina Córrego do Feijão da Vale do Rio Doce e estações de busca de vítimas do rompimento da barragem. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Repro­dução: Local onde fun­ciona­va a mina Cór­rego do Fei­jão da Vale do Rio Doce e estações de bus­ca de víti­mas do rompi­men­to da bar­ragem. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Com a eta­pa de liq­uidação cole­ti­va instau­ra­da, se ini­cia­ria a fase de definição de parâmet­ros para iden­ti­ficar as pes­soas que têm dire­ito à ind­eniza­ção, bem como os val­ores dessas ind­eniza­ções. Para tan­to, os atingi­dos pode­ri­am con­tar com os lev­an­ta­men­tos das asses­so­rias téc­ni­cas que eles escol­her­am para aux­il­iá-los. Algu­mas delas já pos­suem uma matriz de danos, por meio do qual podem cal­cu­lar em um proces­so cole­ti­vo as ind­eniza­ções de cada um.

Tam­bém havia sido fix­a­do pelo juiz a inver­são do ônus da pro­va. Ou seja, se o atingi­do ale­gar que sofreu um dano não recon­heci­do pela Vale, caberá à min­er­ado­ra provar que o dano não ocor­reu. A decisão nomea­va ain­da como peri­ta a Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Minas Gerais (UFMG). Caberia a ela prestar auxílio ao juí­zo na hora de arbi­trar os val­ores ind­eniza­tórios.

Em setem­bro, porém, Muri­lo recon­heceu que tomou a decisão sem inti­mar a Vale para se man­i­fes­tar e se retra­tou. Ele abriu pra­zo de 10 dias para que a min­er­ado­ra apre­sen­tasse seu posi­ciona­men­to. A decisão ante­ri­or foi revo­ga­da. A Vale argu­men­tou que a fase de liq­uidação não pode ser ini­ci­a­da porque há estu­dos peri­ci­ais ain­da em cur­so, os quais serão sufi­cientes para iden­ti­ficar todos os danos indi­vid­u­ais e val­orá-los. Tam­bém defend­eu a liq­uidação de for­ma indi­vid­ual como meio mais ade­qua­do.

Transferência de renda

No mês seguinte ao rompi­men­to da bar­ragem, a Justiça mineira deter­mi­nou que a Vale ini­ci­asse o paga­men­to de um auxílio emer­gen­cial men­sal aos atingi­dos. O val­or fix­a­do era de um salário mín­i­mo por adul­to, a metade dessa quan­tia por ado­les­cente e um quar­to para cada cri­ança. Ini­cial­mente, fazi­am jus ao bene­fí­cio todos os moradores de Bru­mad­in­ho, sem dis­tinção. Nos demais municí­pios atingi­dos, o auxílio foi con­ce­di­do a pes­soas que resi­dem até um quilômetro de dis­tân­cia da cal­ha do Rio Paraope­ba.

Ain­da no fim de 2019, ocor­reu uma alter­ação. O critério para aces­so ao bene­fí­cio foi man­ti­do, mas o val­or foi reduzi­do pela metade para quem não residisse em comu­nidades dire­ta­mente afe­tadas pelo rejeito.

Brumadinho (MG), 22/01/2024 - Seminário
Repro­dução: Sem­i­nário “5 Anos Sem Justiça — Rompi­men­to da Bar­ragem da Vale em Bru­mad­in­ho — 272 mortes”, movi­men­tou a Câmara Munic­i­pal de Bru­mad­in­ho. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A redução dos val­ores aumen­tou a insat­is­fação das comu­nidades atingi­das que já fazi­am out­ras críti­cas rela­cionadas com a imple­men­tação do auxílio: se queix­avam do critério geográ­fi­co e tam­bém do poder de decisão que se encon­tra­va nas mãos da Vale. Era a min­er­ado­ra que avali­a­va se cada atingi­do tin­ha ou não dire­ito ao repasse.

O acor­do fir­ma­do em 2021 bus­cou aten­der algu­mas reivin­di­cações. Foi cri­a­do um pro­gra­ma de trans­fer­ên­cia de ren­da sob gestão da Fun­dação Getúlio Var­gas (FGV), em sub­sti­tu­ição ao auxílio emer­gen­cial men­sal. Além dis­so, foram reser­va­dos R$ 4,4 bil­hões dos R$ 37,68 bil­hões a serem apor­ta­dos pela Vale con­forme fir­ma­do no acor­do.

Pedidos negados

A FGV teria autono­mia inclu­sive para reavaliar todos os pedi­dos ante­ri­or­mente nega­dos pela min­er­ado­ra. Tan­tos os auxílios men­sais que havi­am sido pagos pela Vale, como os repass­es feitos através do pro­gra­ma insti­tuí­do pelo acor­do não se con­fun­dem com as ind­eniza­ções indi­vid­u­ais. O primeiro bus­ca asse­gu­rar as condições de vida e o segun­do é uma reparação pelos danos cau­sa­dos.

O pro­gra­ma teve iní­cio em novem­bro de 2021. Emb­o­ra ten­ha sido estru­tu­ra­do para durar qua­tro anos se encer­ran­do em out­ubro de 2025, ele dev­erá ser imple­men­ta­do por mais tem­po. De acor­do com a FGV, os R$ 4,4 bil­hões des­ti­na­dos ao pro­gra­ma foram empre­ga­dos em um fun­do e os rendi­men­tos já pro­por­cionaram um acrésci­mo pat­ri­mo­ni­al sig­ni­fica­ti­vo. Dessa for­ma, ele poderá prosseguir pelo menos até abril de 2026.

Atual­mente, o repasse médio é de R$ 648 por pes­soa. Alguns atingi­dos recebem val­ores difer­en­ci­a­dos, como aque­les que são famil­iares dos mor­tos e os que vivi­am ou ain­da vivem na chama­da zona quente, onde estão os bair­ros mais impacta­dos. Segun­do dados da FGV, há 132.094 ben­e­fi­ci­a­dos, cer­ca de 17 mil a mais na com­para­ção com os dados de seis meses atrás.

Edição: Kle­ber Sam­paio

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