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Cacique encontrado morto liderava aldeia que ocupa terreno da Vale

Repro­dução: © Célia Xakriiabá/X

Merong Kamakã Mongoió liderava grupo que se instalou em Brumadinho


Publicado em 06/03/2024 — 06:39 Por Leo Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

O cacique Merong Kamakã Mon­goió, encon­tra­do mor­to na man­hã de segun­da-feira (4) em Bru­mad­in­ho (MG), lid­er­a­va indí­ge­nas que há mais de dois anos vivem em um ter­reno da min­er­ado­ra Vale. Antes, eles se encon­travam dis­per­sos em áreas urbanas de cidades da região. O grupo se instalou no local em out­ubro de 2021, em um movi­men­to de retoma­da da aldeia.

Os kamakãs mon­goiós for­mam uma família do povo pataxó-hã-hã-hãe, cuja aldeia mãe se local­iza no litoral sul da Bahia, ao pé do Monte Pas­coal. Um vídeo divul­ga­do nas redes soci­ais pela União Nacional Indí­ge­na (UNI) em março de 2022 mostra o avanço dos tra­bal­hos em Bru­mad­in­ho. Nele, Merong expli­ca que a retoma­da mobi­li­zou kamakãs mon­goiós que, ao lon­go de 40 anos, deixaram a Bahia em momen­tos de con­fli­to e vivi­am em con­tex­to urbano, muitas vezes em situ­ação precária e sem aces­so a dire­itos que são asse­gu­ra­dos aos povos indí­ge­nas.

“Na pan­demia de covid-19, reivin­dicamos a garan­tia de vaci­na e de comi­da e esse dire­ito nos foi nega­do. Então ped­i­mos ao Grande Espíri­to que nos guiasse, cheg­amos aqui nesse ter­ritório que esta­va aban­don­a­do e com nascente. Tem­pos depois desco­b­ri­mos que ele é da Vale. Pode ser no papel, mas ela não mora aqui. A ter­ra é para nós viver­mos, para plan­tar­mos, para nos­sas cri­anças tomarem ban­ho no rio e ter edu­cação difer­en­ci­a­da. Essa luta não é só nos­sa. Quer­e­mos pro­te­ger as nascentes. Quer­e­mos pro­te­ger os ter­ritórios das crat­eras da min­er­ação”.

Out­ro vídeo mostra cer­imô­nia real­iza­da para demar­cação sim­bóli­ca da ter­ra. Nele, os indí­ge­nas apare­cem insta­lan­do uma pla­ca no ter­ritório, nome­an­do a Aldeia Kamakã Mon­goiõ. “O nos­so cor­po pode servir até de adubo para essa ter­ra, mas daqui nós não saí­mos”, disse Merong na ocasião.

Procu­ra­da pela Agên­cia Brasil, a min­er­ado­ra afir­ma que o ter­reno se des­ti­na à recu­per­ação ambi­en­tal e se tornou obje­to de dis­cussão na Justiça. “A Vale lamen­ta a morte do cacique Merong e se sol­i­dariza com seus famil­iares e a comu­nidade indí­ge­na”, acres­cen­ta o tex­to.

A pro­priedade da min­er­ado­ra fica em uma área con­heci­da como Vale do Cór­rego de Areias. O local está a aprox­i­mada­mente 20 quilômet­ros da Mina Cór­rego do Fei­jão, onde ocor­reu a rup­tura de uma bar­ragem que cau­sou 270 mortes em 2019. Entre os atingi­dos pelo episó­dio, está out­ra aldeia do povo pataxó-hã-hã-hãe. Situ­a­da às mar­gens do Rio Paraope­ba, ela se divid­iu após a tragé­dia e muitas famílias acabaram deixan­do o local.

O cor­po de Merong apre­sen­ta­va sinais de enfor­ca­men­to. Nat­ur­al de Con­tagem (MG), ele tin­ha 36 anos. Aciona­dos, poli­ci­ais mil­itares estiver­am pre­sentes no local e fiz­er­am um reg­istro de ocor­rên­cia como suicí­dio. Mas pes­soas próx­i­mas ao cacique não acred­i­tam nes­sa hipótese.

“O cacique Merong foi assas­si­na­do. Sim­u­la­ram suicí­dio, mas não foi. Merong con­ver­sou comi­go em par­tic­u­lar por 30 min­u­tos no dia 25 de fevereiro. Ele esta­va com muitos planos para ampli­ar a luta”, pos­tou em suas redes soci­ais frei Gilvan­der Mor­eira, mem­bro da Comis­são Pas­toral da Ter­ra (CPT) e ami­go do cacique.

A Polí­cia Civ­il infor­mou que, por enquan­to, “nen­hu­ma lin­ha de inves­ti­gação está descar­ta­da”. A Polí­cia Fed­er­al con­fir­mou que tam­bém par­tic­i­pa das inves­ti­gações. Sua mobi­liza­ção se jus­ti­fi­ca porque caso se con­clua que Merong foi víti­ma de crime, a com­petên­cia para jul­gar o caso dev­erá ser fix­a­da levan­do em con­ta as moti­vações pre­sentes. A Súmu­la 140, do Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça (STJ), esta­b­elece que homicí­dios envol­ven­do indí­ge­nas são dis­cu­ti­dos na esfera estad­ual. No entan­to, con­forme a Con­sti­tu­ição Fed­er­al, a respon­s­abil­i­dade é do juí­zo fed­er­al se o crime estiv­er rela­ciona­do com dis­pu­ta ou con­fli­to em torno de dire­itos indí­ge­nas.

A morte do cacique foi lamen­ta­da em nota divul­ga­da pela Fun­dação Nacional dos Povos Indí­ge­nas (Funai). Em suas redes soci­ais, a dep­uta­da fed­er­al indí­ge­na Célia Xakri­abá (PSOL) pos­tou men­sagem sobre o ocor­ri­do. “Merong con­tin­uará vivo em nos­sos corações e na nos­sa luta, pois a luta é o que temos de her­ança”, escreveu. Man­i­fes­tações de luto tam­bém foram divul­gadas por diver­sas orga­ni­za­ções da sociedade civ­il, como a Con­fed­er­ação Nacional dos Agricul­tores Famil­iares e Empreende­dores Famil­iares do Brasil (Conafer) e o Con­sel­ho Indi­genista Mis­sionário (Cimi).

“Ape­sar dos sinais de suicí­dio, par­entes e ami­gos lev­an­tam a sus­pei­ta de pos­sív­el assas­si­na­to. É necessário que todas as pos­si­bil­i­dades sejam inves­ti­gadas com rig­or e seriedade por parte do Poder Públi­co. Mas sem perder de vista que os suicí­dios indí­ge­nas tam­bém devem ser vis­tos como um proces­so de vio­lên­cia con­tra os povos orig­inários enquan­to um pro­je­to de exter­mínio”, diz o tex­to divul­ga­do pelo Cimi.

O cacique Merong per­ten­cia à sex­ta ger­ação da família Kamakã Mon­goió e pas­sou parte da infân­cia no sul da Bahia. Ativista, ele se envolveu em mobi­liza­ções em diver­sos lugares do Brasil, ten­do apoia­do gru­pos kaingángs, xok­lengx e guara­nis. Era um entu­si­as­ta da retoma­da de ter­ritórios, acred­i­tan­do se tratar de uma for­ma de resistên­cia fun­da­men­tal con­tra o apaga­men­to dos povos indí­ge­nas.

O povo pataxó-hã-hã-hãe tem sido víti­ma de diver­sos atos vio­len­tos no últi­mo perío­do. Em dezem­bro do ano pas­sa­do, o cacique Lucas Kariri-Sapuyá, de 31 anos, foi exe­cu­ta­do em uma toca­ia no sul da Bahia. O mes­mo ocor­reu com a pajé Nega Pataxó, assas­si­na­da por fazen­deiros em janeiro deste ano tam­bém em solo baiano. Galdino, indí­ge­na víti­ma de um crime bár­baro que chocou o Brasil em 1997, tam­bém era do povo pataxó hã-hã-hãe: ele foi queima­do vivo em Brasília por jovens de elite.

Edição: Graça Adju­to

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