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Candinho, único filho vivo de João Cândido, luta por reparação

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Ele foi perseguido e expulso da Marinha em 1912. Morreu na pobreza.


Pub­li­ca­do em 10/11/2023 — 09:30 Por Mar­i­ana Tokar­nia – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Em novem­bro de 1910, cer­ca de dois mil mar­in­heiros tomam o con­t­role de embar­cações da Mar­in­ha na Baía de Gua­n­abara, no Rio de Janeiro. Eles pedem o fim de cas­ti­gos cor­po­rais, as chi­batadas, e são lid­er­a­dos pelo mar­in­heiro João Cân­di­do Felis­ber­to, ou sim­ples­mente João Cân­di­do.

Os can­hões dos navios são apon­ta­dos para aque­la que era a cap­i­tal do Brasil na época, não com a intenção de bom­bardear, mas para chamar a atenção a práti­cas que ain­da reme­ti­am à recém-extin­ta escravidão. O estopim para a revol­ta foi a punição do mar­in­heiro Marceli­no Rodrigues Menezes com 250 chi­batadas.

O motim tomou grandes pro­porções e João Cân­di­do foi alça­do a herói e cele­bri­dade. Mas, assim como cresceu, a revol­ta foi abafa­da a pon­to da sua importân­cia ter sido invis­i­bi­liza­da por muitos anos.

Os mar­in­heiros que sobre­viver­am tiver­am a anis­tia nego­ci­a­da na época. João Cân­di­do, no entan­to, ape­sar de ter sido tam­bém anis­ti­a­do, foi dura­mente persegui­do, até ser expul­so da Mar­in­ha, em 1912. Ele mor­reu aos 89 anos, em 1969, na pobreza.

Hoje, a história é con­ta­da e recon­ta­da por Adal­ber­to Cân­di­do, o seu Can­d­in­ho, úni­co fil­ho vivo de João Cân­di­do. “É uma história muito boni­ta, é uma história de um herói pop­u­lar. Um país que não tem história não é um país, e meu pai deixou uma parte da história do Brasil”, diz.

João Cândido Felisberto (1880-1969) foi o principal líder da Revolta da Chibata, ocorrida no Rio de Janeiro em 1910, que acabou com os castigos corporais na Marinha de Guerra. Foto: Prefeitura de São João de Meriti/ Reprodução
João Cân­di­do Felis­ber­to foi o prin­ci­pal líder da Revol­ta da Chi­ba­ta, ocor­ri­da no Rio de Janeiro em 1910, que acabou com os cas­ti­gos cor­po­rais na Mar­in­ha de Guer­ra — Prefeitu­ra de São João de Meriti/Reprodução

Casa da Memória

No dia que se encon­trou com a equipe da Agên­cia Brasil, Can­d­in­ho par­tic­i­paria, em segui­da, de reunião para a con­strução da Casa de Memória Mar­in­heiro João Cân­di­do. A casa será con­struí­da pela Fun­dação de Artes do Esta­do do Rio de Janeiro (Funarj), em parce­ria com a prefeitu­ra de São João de Mer­i­ti, onde Can­d­in­ho nasceu e onde o pai viveu grande parte da vida.  “Ago­ra já tem peça de teatro, tem doutora­do, tudo que você imag­i­nar. Tudo que pos­sa ter ele, tem”, diz. Se antes ape­nas citar o nome de João Cân­di­do já trazia con­se­quên­cias para quem o fazia na Mar­in­ha, hoje batem con­tinên­cia para mim”, rev­ela. João Cân­di­do — tam­bém chama­do de Almi­rante Negro — patente eterniza­da na canção Mestre Sala dos Mares, de João Bosco.

O recon­hec­i­men­to, no entan­to, é recente, e ain­da tem um lon­go cam­in­ho. A família luta por reparação finan­ceira do Esta­do e pela inclusão do nome de João Cân­di­do no livro dos Heróis e Heroí­nas da Pátria.

Cri­a­do em 1992, o livro de aço — abri­ga­do no Pan­teão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, — reg­is­tra os nomes das pes­soas que tiver­am uma tra­jetória impor­tante na for­mação da história do país. Entre elas, estão, por exem­p­lo, Tiradentes, Chico Mendes e Macha­do de Assis.

João Cân­di­do nasceu em 1880 e era fil­ho de escrav­iza­dos. Entrou para a Mar­in­ha em uma época que a cor­po­ração reu­nia jovens excluí­dos social­mente. A maior parte dos mar­in­heiros era negra.

João Cân­di­do tin­ha muito tal­en­to. Segun­do o fil­ho, chegou a dar aulas para os ofi­ci­ais e oper­a­va navios de alta tec­nolo­gia para a época, como o Minas Ger­aes, usa­do na Revol­ta da Chi­ba­ta. Ele tin­ha um sen­so de cole­tivi­dade e luta­va por justiça.

“Ele nun­ca lev­ou um cas­ti­go, mas não aceita­va que os com­pan­heiros dele [pas­sas­sem por isso], entende?”, diz. “Ele tin­ha con­vivên­cia com ofi­ci­ais e tudo, mas tin­ha aque­le ide­al, não era porque tin­ha con­vivên­cia com ofi­cial da Mar­in­ha que aceita­va aqui­lo”.

Tudo que sabe sobre o pai, Can­d­in­ho apren­deu depois da morte dele. Era a irmã, Zeelân­dia Cân­di­do de Andrade, quem cui­da­va da história e lega­do do pai. “Meu pai era muito fecha­do. Gaú­cho. Ele não con­ta­va nada. Eu só vim entrar depois do falec­i­men­to dele e da min­ha irmã, que min­ha irmã era mais atu­ante. Eu tam­bém, tra­bal­han­do, não tin­ha tem­po. Ago­ra, só tem eu para advog­ar”, expli­ca.

João Cân­di­do nasceu em Encruzil­ha­da (RS) e, ao lon­go da vida, teve pelo menos sete fil­hos. “Meu pai era mar­in­heiro, né”, brin­ca, Can­d­in­ho. Depois de ser expul­so da Mar­in­ha, ele teve mui­ta difi­cul­dade para con­seguir emprego. Viveu da pesca, segun­do o fil­ho, “até a estru­tu­ra dele não dar mais”. E viveu sem­pre próx­i­mo ao mar. “Ele dizia que o mar era família dele, que era ami­go”, con­ta o fil­ho.

Rio de Janeiro (RJ), 08/11/2023 - Entrevista com Adalberto Cândido, o Candinho, filho de João Cândido Felisberto, o marinheiro líder da Revolta da Chibata, conhecido como Almirante Negro. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Adal­ber­to Cân­di­do, fil­ho de João Cân­di­do — foto — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Busca por direitos

Esta sem­ana, o Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF) no Rio de Janeiro envi­ou doc­u­men­to ao Exec­u­ti­vo e à Câmara dos Dep­uta­dos defend­en­do a reparação — inclu­sive finan­ceira — à família de João Cân­di­do. O MPF pediu a man­i­fes­tação da Comis­são de Anis­tia e da Coor­de­nação-Ger­al para Memória e Ver­dade sobre Escravidão e o Trá­fi­co Transatlân­ti­co, ambas vin­cu­ladas ao Min­istério de Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, no pra­zo de um mês.

O MPF argu­men­ta que — emb­o­ra anis­ti­a­do duas vezes – em 2008 ele rece­beu uma anis­tia depois de mor­rer no gov­er­no de Luiz Iná­cio Lula da Sil­va – o mar­in­heiro não chegou a rece­ber nen­hu­ma com­pen­sação. Pela car­reira na Mar­in­ha, da qual ele foi pri­va­do, teria uma série de bene­fí­cios, não ape­nas para ele como para a família. Um arcabouço de leis, cita­do pelo MPF — cor­rob­o­ra o dire­ito a esse tipo de com­pen­sação.

“Min­ha família vive toda com difi­cul­dade. São tra­bal­hadores. Então, se hou­ver essa reparação para eles… Porque para mim, eu já estou mais para lá, com 85 anos, mas eles não”, afir­ma Can­d­in­ho.

“Os mar­in­heiros foram anis­ti­a­dos, uns chegaram a capitão de corve­ta, capitão de fra­ga­ta, meu pai, não. Ele foi absorvi­do, mas não teve mais espaço na Mar­in­ha, nem ind­eniza­ção, nem nada”, recla­ma.

Além dis­so, o MPF e a família defen­d­em que ele seja ofi­cial­mente con­sid­er­a­do herói, que ten­ha o nome inscrito no livro dos Heróis e Heroí­nas da Pátria. A inclusão está trami­tan­do no Con­gres­so Nacional e ain­da pre­cisa ser aprova­da pela Câmara dos Dep­uta­dos antes de ir para a sanção pres­i­den­cial. Atual­mente, o Pro­je­to de Lei (PL) 4046/2021, já aprova­do pelo Sena­do Fed­er­al, está na Comis­são de Cul­tura da Câmara.

Samba-enredo

Can­d­in­ho e a família preparam-se para levar a história de João Cân­di­do para o car­naval de 2024 do Rio de Janeiro. A esco­la de sam­ba Paraí­so do Tuiu­ti irá hom­e­nagear o líder da Revol­ta da Chi­ba­ta com o sam­ba-enre­do Glória ao Almi­rante Negro. “Rece­bi com mui­ta gratidão essa notí­cia”, opina Can­d­in­ho. Ele irá des­fi­lar em um dos car­ros alegóri­cos com out­ros famil­iares. “Querem até que eu faça ginás­ti­ca, exer­cí­cio físi­co”, sor­ri.

Edição: Kle­ber Sam­paio

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