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“Capoeira é meu remédio”, diz mestre de 96 anos

Repro­dução: © Arqui­vo da família

Mestre Felipe é homenageado com título de doutor honoris causa


Pub­li­ca­do em 27/01/2024 — 15:12 Por Luiz Clau­dio Fer­reira — Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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Aos 96 anos de idade, o mestre de capoeira Felipe San­ti­a­go, de San­to Amaro da Purifi­cação (BA), não para de can­tar. Nem fica longe do berim­bau. Ele é o mestre mais anti­go do mun­do. Nes­ta sem­ana, durante o 5º Rede Capoeira, rece­beu um recon­hec­i­men­to sim­bóli­co como “herói nacional e guardião dos saberes” jun­to a out­ros 13 mestres octagenários.Em março, Felipe hom­e­nagea­do com o títu­lo de doutor hon­oris causa pela Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Recôn­ca­vo Baiano. O homem, que começou a tra­bal­har cri­ança como cor­ta­dor de cana e, depois, explo­rado em usi­nas, se aposen­tou como fer­reiro. Mas foi a capoeira que lhe deu esper­ança viu vidas serem trans­for­madas. “Capoeira é meu remé­dio”, diz.

Para ele, inclu­sive, a capoeira com­bat­eu his­tori­ca­mente o racis­mo. “Aju­dou a cri­ar respeito e união”, afir­ma. Ele expli­ca que poli­ci­ais perseguiam quem prat­i­ca­va a ativi­dade em embar­cações. “Aos poucos, quan­do chegou aos bair­ros, foi sendo menos pior. Foi pas­san­do para as pon­tas de rua e depois para o cen­tro. Isso mostra que ela vem ten­do mais respeito.”

Mestres da Capoeira – Mestre Felipe. Foto: Ricardo Prado/Divulgação
Repro­dução: Para mestre Felipe, ativi­dade não tem idade para começar nem lim­ite de parar. Foto: Ricar­do Prado/Divulgação

“O coração da minha vida”

As hom­e­na­gens recentes emo­cionam o homem. “É uma grande val­oriza­ção que estão me dan­do. A capoeira é o coração da min­ha vida”. Ele recor­da que começou na ativi­dade com 18 anos e nun­ca parou. “Para mim, mes­mo que eu não jogue, eu toco e can­to. Estou abrindo a min­ha mente, o meu coração. Estou me sentin­do feliz no meio dos meus irmãos.”

O Mestre Felipe, que gravou oito dis­cos com músi­cas de capoeira, iden­ti­fi­ca que a man­i­fes­tação artís­ti­ca aju­dou a enten­der o respeito que se deve ter com mais vel­hos e tam­bém com os mais novos. “Na min­ha juven­tude, os jovens eram bem edu­ca­dos e respeita­dores”. Ele teste­munha que ele e out­ros mestres evi­taram que jovens em vul­ner­a­bil­i­dade acabassem no cam­in­ho do crime e do vício.

Ele lamen­ta que a voz e a rapi­dez de movi­men­tos não são mais os mes­mos. Mas foi a vida na roda com os ami­gos que lhe garan­ti­ram a vital­i­dade de hoje. “Tem que saber se cuidar e não faz­er mui­ta imprudên­cia com a saúde. A ali­men­tação antes era mel­hor.”

No enten­der do mestre, a ativi­dade não tem idade para começar nem lim­ite de parar.

Biografia

A história do mestre Felipe foi con­ta­da pela fil­ha de cri­ação, Simone Souza, de 52 anos. Ela deve lançar na sem­ana que vem a biografia com o títu­lo “Mestre Felipe: Eu Nasci em San­to Amaro, Relatos Biográ­fi­cos e Memórias”, em uma pro­dução inde­pen­dente.

O livro tra­ta, por exem­p­lo, do pas­sa­do da família de vidas escrav­izadas, mes­mo depois da Lei do Ven­tre Livre. Felipe perdeu os pais na ado­lescên­cia e se viu soz­in­ho. “A capoeira foi fun­da­men­tal para ele [para se inte­grar com out­ras pes­soas].  Ele não teve fil­hos biológi­cos, con­heceu a mãe [já fale­ci­da], se apaixo­nou. E eu con­vi­vo como fil­ha dele há 33 anos e aju­do no que pre­cis­ar”. Simone aju­da a divul­gar a obra do mestre e tirar as histórias dele da invis­i­bil­i­dade.

Resistência

Para o capoeirista Jair Oliveira, o mestre Sabiá, de 52 anos, que coor­de­nou o even­to em Sal­vador de recon­hec­i­men­to aos idosos, Felipe de San­to Amaro é uma refer­ên­cia de vida. “Todo mun­do que vai ao Recôn­ca­vo Baiano sabe do mestre e ele pre­cisa ser recon­heci­do em vida. Pre­cisamos enten­der o racis­mo estru­tur­al que aca­ba invi­a­bi­lizan­do ess­es home­ns de tan­to saber, e deve­mos agrade­cer em vida todo esse lega­do porque pavi­men­ta a estra­da na qual hoje cam­in­hamos.”

Mestres da Capoeira – Mestre Sabiá. Foto: Ricardo Prado/Divulgação
Repro­dução: Para mestre Sabiá a roda de capoeira tem caráter de cole­tivi­dade. Foto: Ricar­do Prado/Divulgação

Sabiá entende que faz parte da tradição da comu­nidade capoeirista aju­dar nos cuida­dos dos mais vel­hos. “Eu acho que a sociedade como um todo tem que traz­er um olhar mais hon­esto para a capoeira, com mais clareza do que ela rep­re­sen­ta, do que ela sig­nifi­ca. A capoeira é um movi­men­to de resistên­cia muito sig­ni­fica­ti­vo.”

Ele cita que a capoeira chega a ser mais recon­heci­da inter­na­cional­mente do que no Brasil e lem­bra que há muitas esco­las públi­cas estrangeiras que incluem a ativi­dade como matéria cur­ric­u­lar. “A ativi­dade rep­re­sen­ta arte, cria­tivi­dade, impro­vi­so, exer­cí­cio físi­co. É uma exce­lente fer­ra­men­ta de edu­cação e de visão social.”

Mandinga

Sabiá expli­ca que a roda de capoeira tem caráter de cole­tivi­dade e gen­erosi­dade sim­boliza­da por pes­soas baten­do pal­ma em um cenário de inclusão e de social­iza­ção. O mestre, há 22 anos, fun­dou uma ONG chama­da Pro­je­to Mandin­ga, que é um pon­to de cul­tura. Ele con­tabi­liza que pelo menos cin­co mil jovens em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade ten­ham pas­sa­do pelo pro­je­to.

“Vários meni­nos vier­am de comu­nidades e em risco. Hoje já temos mais de 22 esco­las fora do Brasil. Através da capoeira, troux­er­am dig­nidade à sua casa, pos­si­bil­i­dades e cri­aram uma nova per­spec­ti­va tan­to para ele quan­to para a sua família”. Ele viu a for­mação dos futur­os mestres  que ensi­nam capoeira mun­do afo­ra tam­bém em comu­nidades.

Mestres da Capoeira – Foto: Ricardo Prado/Divulgação
Repro­dução: Mestres prati­cam a capoeira como resistên­cia cul­tur­al – Foto: Ricar­do Prado/Divulgação

“Home­ns como o mestre Felipe praticaram a capoeira como uma resistên­cia cul­tur­al diante de tudo o que acon­te­cia em suas vidas. Hoje, pre­cisamos enten­der que pode ser uma fer­ra­men­ta de inserção social”.  Para ele, parece sim­ples: o berim­bau, uma roda, movi­men­tos coor­de­na­dos, bas­tante impro­vi­so e o poder das pal­mas que dá para ouvir de longe.

Edição: Maria Clau­dia

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