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Caso Samarco: STJ anula regra de R$ 2,3 mil para reparar corte de água

Repro­dução: © Anto­nio Cruz/ Agên­cia Brasil

Decisão atende pedido do Ministério Público de Minas Gerais


Publicado em 24/05/2024 — 09:18 Por Léo Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Rio de Janeiro

Uma anti­ga decisão do Tri­bunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) envol­ven­do o proces­so de reparação dos danos cau­sa­dos pelo rompi­men­to da bar­ragem da min­er­ado­ra Samar­co foi der­ruba­da, em Brasília, pelo Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça (STJ).

Em 2019, a ind­eniza­ção por danos morais para moradores que sofr­eram com a inter­rupção no fornec­i­men­to de água nos dias após a tragé­dia foi uni­formiza­da. Foi fix­a­do o dire­ito de cada víti­ma rece­ber R$ 2,3 mil.

Essa padroniza­ção do val­or ind­eniza­tório foi anu­la­da na últi­ma terça-feira (21) pela Segun­da Tur­ma do STJ. A decisão — por una­n­im­i­dade — aten­deu pedi­do for­mu­la­do pelo Min­istério Públi­co de Minas Gerais (MPMG). Atingi­dos tam­bém foram ouvi­dos pelo STJ, que criticaram a decisão do TJMG e con­sid­er­aram que o val­or fix­a­do era irrisório.

O rompi­men­to da bar­ragem, local­iza­da na zona rur­al de Mar­i­ana (MG), ocor­reu em novem­bro de 2015. Na ocasião, foram lib­er­a­dos 39 mil­hões de met­ros cúbi­cos de rejeitos que for­maram uma avalanche e alcançaram o Rio Doce, geran­do impactos em dezenas de municí­pios mineiros e capix­abas até a foz na cidade de Lin­hares (ES).

A inter­rupção súbi­ta do fornec­i­men­to de água afe­tou mil­hares de moradores. Em muitos casos, sem pre­visão de reg­u­lar­iza­ção, a min­er­ado­ra e suas acionistas Vale e BHP Bil­li­ton pre­cis­aram custear o abastec­i­men­to medi­ante cam­in­hões-pipa.

A situ­ação ger­ou uma enx­ur­ra­da de ações judi­ci­ais em bus­ca de providên­cia e  ind­eniza­ção por danos morais. Diante da situ­ação, a Samar­co pediu a instau­ração de um Inci­dente de Res­olução de Deman­das Repet­i­ti­vas (IRDR).

Tra­ta-se de uma ino­vação do Códi­go do Proces­so Civ­il que entrou em vig­or em 2015. Por meio do mecan­is­mo, um entendi­men­to é fix­a­do e deve servir de parâmetro para que juízes analisem ações repet­i­ti­vas sobre deter­mi­na­da matéria. Além de dar celeri­dade à Justiça, o IRDR bus­ca evi­tar sen­tenças con­tra­ditórias em proces­sos sobre o mes­mo assun­to.

O Tri­bunal de Justiça de Minas Gerais aceitou o pedi­do da min­er­ado­ra para que fos­se fix­a­do um entendi­men­to úni­co sobre o val­or das ind­eniza­ções e tomou a decisão em out­ubro de 2019. Des­de então, jul­ga­men­tos no esta­do pas­saram a recon­hecer o dire­ito das víti­mas da tragé­dia no esta­do de rece­ber R$ 2,3 mil. Exceções pode­ri­am ser admi­ti­das nos casos em que cir­cun­stân­cias especí­fi­cas jus­ti­fi­cas­sem um val­or mais ele­va­do. Mas, para adul­tos em condições nor­mais de saúde, a padroniza­ção pre­cis­aria ser respeita­da.

O Min­istério Públi­co chegou a esti­mar que havia cer­ca de 50 mil ações indi­vid­u­ais trami­tan­do no TJMG envol­ven­do a questão e defend­eu que as ind­eniza­ções não fos­sem infe­ri­ores a R$ 10 mil. Esse posi­ciona­men­to, no entan­to, não foi acol­hi­do pela justiça mineira.

Falta de participação

Ao anal­is­ar o caso, o STJ avaliou que o TJMG não respeitou os req­ui­si­tos do Códi­go de Proces­so Civ­il para instau­rar o Inci­dente de Res­olução de Deman­das Repet­i­ti­vas.

Um dos prob­le­mas desta­ca­dos foi a fal­ta de par­tic­i­pação de rep­re­sen­tantes das víti­mas no jul­ga­men­to. “O IRDR não pode ser inter­pre­ta­do de for­ma a dar origem a uma espé­cie de ‘justiça de cidadãos sem ros­to e sem fala’, calan­do as víti­mas de danos em mas­sa em priv­ilé­gio ao cau­sador do dano”, disse o min­istro Her­man Ben­jamin, rela­tor do caso.

“A par­tic­i­pação das víti­mas dos danos em mas­sa – autores das ações repet­i­ti­vas – con­sti­tui o núcleo duro do princí­pio do con­tra­ditório no jul­ga­men­to do IRDR. É o mín­i­mo que se deve exi­gir para garan­tir a observân­cia ao dev­i­do proces­so legal, sem pre­juí­zo da par­tic­i­pação de out­ros atores rel­e­vantes, como o Min­istério Públi­co e a Defen­so­ria Públi­ca. A par­tic­i­pação dess­es órgãos públi­cos não dis­pen­sa esse con­tra­ditório mín­i­mo”, acres­cen­tou.

O STJ con­sider­ou, ain­da, que o IRDR, em regra, deve ser instau­ra­do a par­tir de proces­sos que já este­jam em cur­so na segun­da instân­cia e que envolvam questões de dire­ito orig­i­nadas de deman­das de mas­sa. Con­forme apon­tou o relatório do min­istro Ben­jamin, aprova­do pelos demais mag­istra­dos, a Samar­co indi­cou como rep­re­sen­ta­tivos da con­tro­vér­sia um caso que trami­ta­va em juiza­do espe­cial e out­ro que se encon­tra­va ain­da em primeira instân­cia.

Procu­ra­da pela Agên­cia Brasil, a min­er­ado­ra infor­mou que não vai comen­tar o assun­to. A decisão do STJ anu­la ape­nas a uni­formiza­ção das sen­tenças pro­feri­das pela justiça mineira.

O Tri­bunal de Justiça do Espíri­to San­to (TJES) tam­bém instau­rou o IRDR para uni­formizar as ind­eniza­ções por dano moral rela­ciona­do com o corte no fornec­i­men­to de água. A decisão — toma­da em 2017 — apon­tou que a inter­rupção do abastec­i­men­to em municí­pios capix­abas foi infe­ri­or a cin­co dias e fixou o val­or de R$ 1 mil para os moradores afe­ta­dos.

Os paga­men­tos têm sido real­iza­dos pela Fun­dação Ren­o­va, enti­dade cri­a­da con­forme acor­do para reparação dos danos fir­ma­do alguns meses após a tragé­dia entre a Samar­co, a Vale, a BHP Bil­li­tonas, a União e os gov­er­nos de Minas Gerais e do Espíri­to San­to.

Con­heci­do como Ter­mo de Transação e Ajus­ta­men­to de Con­du­ta (TTAC), ele esta­b­ele­ceu pro­gra­mas a serem imple­men­ta­dos, incluin­do de ind­eniza­ções. As min­er­ado­ras se respon­s­abi­lizaram pelo custeio de todas as ações pactu­adas e a gestão das medi­das ficou a car­go da Fun­dação Ren­o­va.

A enti­dade infor­mou que, no caso do jul­ga­men­to do IRDR, não é parte do proces­so. Em relatórios já divul­ga­dos, a Fun­dação Ren­o­va afir­ma que, até dezem­bro de 2023, des­ti­nou R$ 13,89 bil­hões para ind­eniza­ções. Os paga­men­tos ref­er­entes à inter­rupção do abastec­i­men­to de água rep­re­sen­tam cer­ca de 2,2% desse total, soman­do R$ 305,5 mil­hões.

Lucros cessantes

Out­ra decisão judi­cial tam­bém favoráv­el aos atingi­dos foi toma­da recen­te­mente pela Justiça Fed­er­al. O juiz Viní­cius Cobuc­ci deter­mi­nou, no dia 15 de maio, que seja man­ti­do o paga­men­to dos lucros ces­santes, isto é, os gan­hos finan­ceiros que os tra­bal­hadores vêm deixan­do de obter des­de o rompi­men­to da bar­ragem. Muitos dos ben­e­fi­ci­a­dos pela decisão são pescadores. A pesca foi uma das ativi­dades mais afe­tadas dev­i­do à poluição das águas e mor­tan­dade dos peix­es.

A con­tro­vér­sia envolve a sus­pen­são dess­es paga­men­tos com base no sis­tema ind­eniza­tório sim­pli­fi­ca­do con­heci­do como Nov­el, que vig­or­ou entre 2020 e 2023. A Fun­dação Ren­o­va foi autor­iza­da a implan­tá-lo a par­tir de uma con­tro­ver­sa decisão judi­cial que fixou val­ores para diver­sos tipos de danos.

Para aderir ao Nov­el, os atingi­dos pre­cisavam assi­nar um ter­mo de quitação ampla e defin­i­ti­va. Segun­do a Fun­dação Ren­o­va, através do doc­u­men­to, eles abri­ram mão de todas as pre­ten­sões finan­ceiras decor­rentes do rompi­men­to. Em relação aos lucros ces­santes, os tra­bal­hadores afe­ta­dos que aderi­ram ao Nov­el tiver­am dire­ito a val­ores que fari­am jus a um perío­do de 71 meses, con­ta­dos de novem­bro de 2015 a out­ubro de 2021. O repasse foi feito em parcela úni­ca.

Muitos dos que aderi­ram ao Nov­el já estavam inscritos no Pro­gra­ma de Ind­eniza­ção Medi­da (PIM), que entrou em vig­or em 2016. Ele foi o primeiro sis­tema volta­do para o paga­men­to das ind­eniza­ções. Repass­es ref­er­entes aos lucros ces­santes men­sais que ocor­ri­am através do PIM foram inter­rompi­dos para aque­les que ingres­saram no Nov­el.

Na nova decisão, Cobuc­ci pon­tu­ou que não é pos­sív­el falar em quitação irrestri­ta e abso­lu­ta, sem qual­quer parâmetro tem­po­ral. Ele obser­vou que a Justiça já afas­tou da quitação os danos futur­os. Segun­do ele, é o caso dos lucros ces­santes, que são “oca­sion­a­dos pela notória inca­paci­dade da Ren­o­va de pro­duzir ações reais, conc­re­tas e sig­nif­i­cantes para a efe­ti­va retoma­da das condições econômi­cas e ambi­en­tais ante­ri­ores ao desas­tre”.

fotos do local onde aconteceu a tragédia pelos os rezidos de menerios das barragens de Santarem e Fundão,na cidade de Bento Rodrigues distrito de Mariana. Antonio Cruz/ Agência Brasil/Arquivo
Repro­dução: Tragé­dia matou mais de 19 pes­soas e destru­iu casas e veícu­los  Foto: Anto­nio Cruz/ Agên­cia Brasil/Arquivo

Cobuc­ci afir­ma que, enquan­to não for pos­sív­el o reiní­cio seguro das ativi­dades pro­du­ti­vas, haverá con­se­quên­cias. “Have­ria enriquec­i­men­to sem causa por parte das cau­sado­ras do dano, na medi­da em que deixaram de ind­enizar as víti­mas pelos efeitos con­tin­u­a­dos e per­ma­nentes do rompi­men­to da bar­ragem, que se ren­o­vam pelo pas­sar do tem­po e pela inér­cia em pro­duzir as condições ideais socioe­conômi­cas e ambi­en­tais”, acres­cen­tou.

Ele con­cor­dou em parte com a ale­gação da Fun­dação Ren­o­va de que o lucro ces­sante pode deixar de ser pago caso o atingi­do este­ja desem­pen­han­do out­ras ativi­dades pro­du­ti­vas difer­entes das orig­i­nais.

Pon­der­ou, no entan­to, que cabe à enti­dade provar essa situ­ação e que é necessário sen­si­bil­i­dade para avaliar cada caso. “Se o atingi­do foi força­do a procu­rar out­ra ativi­dade econômi­ca, pela ausên­cia do paga­men­to do lucro ces­sante e se esta ativi­dade é precária, evi­den­te­mente não pode ter nega­do o dire­ito”, argu­men­tou.

Em nota, a Fun­dação Ren­o­va infor­mou que se man­i­fes­tará sobre a questão nos autos do proces­so. A decisão de Cobuc­ci tam­bém deter­mi­na que a enti­dade implante o PIM de for­ma inte­gral em cin­co municí­pios do litoral do Espíri­to San­to — São Mateus, Lin­hares, Aracruz, Ser­ra e Con­ceição da Bar­ra. Dessa for­ma, os atingi­dos dessas local­i­dades poderão ser ind­eniza­dos pela tragé­dia.

Os cin­co municí­pios cita­dos na decisão já havi­am sido recon­heci­dos como atingi­dos pelo Comitê Interfed­er­a­ti­vo (CIF), coor­de­na­do pelo Insti­tu­to Brasileiro do Meio Ambi­ente e dos Recur­sos Nat­u­rais Ren­ováveis (Iba­ma) e tem como atribuição definir dire­trizes para as ações reparatórias con­duzi­das pela Fun­dação Ren­o­va. No entan­to, a questão foi judi­cial­iza­da pela Samar­co. Ape­nas no mês pas­sa­do, a Justiça vali­dou a posição do CIF. Assim, o número de cidades atingi­das subiu para 43.

Edição: Kle­ber Sam­paio

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