...
sexta-feira ,14 fevereiro 2025
Home / Noticias / Catadora de papel e escritora, Carolina de Jesus faria 110 anos hoje

Catadora de papel e escritora, Carolina de Jesus faria 110 anos hoje

Repro­dução: © Audálio Dan­tas

Site com obras da autora é ponto de encontro de leitores e estudiosos


Publicado em 14/03/2024 — 08:25 Por Daniel Mello — Repórter da Agência Brasi — São Paulo

ouvir:

Quar­to de Despe­jo, livro mais con­heci­do da escrito­ra Car­oli­na Maria de Jesus, pub­li­ca­do a par­tir de diários man­u­scritos, começa com uma pas­sagem nar­ran­do o dia 15 de jul­ho de 1955. “Hoje é o aniver­sário de min­ha fil­ha Vera Eunice”, ano­ta a auto­ra que ficou con­heci­da em 1960 por rev­e­lar o cotid­i­ano na Favela do Canindé, zona norte paulis­tana, para o restante do Brasil e o mun­do. “Eu não pos­so faz­er uma fes­tin­ha porque isto é o mes­mo que quer­er agar­rar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço. Só jan­tar”, segue sobre a pre­visão para aque­le dia.

Ape­sar da pre­ocu­pação de comem­o­rar o aniver­sário da fil­ha, não é pos­sív­el saber como Car­oli­na se sen­tia em seu próprio aniver­sário. Não foi pub­li­ca­da nen­hu­ma ano­tação rel­a­ti­va ao dia 14 de março, dia em que nasceu no ano de 1914, em Sacra­men­to, Minas Gerais. Se estivesse viva, a escrito­ra faria 110 anos nes­ta quin­ta-feira (14).

Carolina Maria de Jesus
Repro­dução: Car­oli­na de Jesus era muitas vezes retrata­da “com expressão cabis­baixa, por vezes melancóli­ca” — Arquivo/Audálio Dan­tas

Mes­mo não sendo pos­sív­el ter certeza sobre os sen­ti­men­tos de Car­oli­na naque­le tem­po, o res­gate históri­co feito para a exposição Um Brasil para brasileiros, do Insti­tu­to Mor­eira Salles, deixa claro que Car­oli­na tin­ha noção da sua importân­cia para o mun­do. No catál­o­go da mostra, inau­gu­ra­da em 2021, os curadores Hélio Menezes e Raquel Bar­reto con­tam que a bus­ca por fotos da escrito­ra trouxe um imag­inário difer­ente do que era veic­u­la­do pelos jor­nais e revis­tas enquan­to ela esta­va viva.

Elegante e orgulhosa

“A pesquisa rev­el­ou tam­bém um número expres­si­vo de ima­gens que rompem a forte con­venção visu­al sobre a auto­ra”, desta­ca a dupla no tex­to. Segun­do os curadores, Car­oli­na era muitas vezes retrata­da “com expressão cabis­baixa, por vezes melancóli­ca”, ten­do a favela do Canindé como cenário de fun­do pref­er­en­cial.

Em con­tra­posição, Menezes e Raquel con­tam ter encon­tra­do um grande mate­r­i­al, boa parte ante­ri­or ao lança­men­to do primeiro livro, em que a auto­ra aparece “vai­dosa, ele­gante, con­sciente de sua pre­sença e orgul­hosa de si”.

Car­oli­na aparece sor­ri­dente e vesti­da com muito apuro ao ser retrata­da ao lado do então pres­i­dente João Goulart, que segu­ra uma das cópias do livro de estreia da auto­ra. Ao todo, foram ven­di­dos 200 mil exem­plares, com tradução para 17 idiomas. O man­datário tam­bém ri de for­ma disc­re­ta. A fil­ha Vera Eunice encara a câmera com uma expressão séria, um pouco triste. A foto ilus­trou reportagem do Cor­reio da Man­hã, em novem­bro de 1961 e faz atual­mente parte do acer­vo do Arqui­vo Nacional.

São Paulo - Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras do Brasil, é considerada uma das mais importantes escritoras do país. A autora viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo. Foto: CCSP
Repro­dução: São Paulo — Car­oli­na Maria de Jesus é con­sid­er­a­da uma das mais impor­tantes escritoras do país. Foto: CCSP

A escrito­ra se sus­ten­tou em boa parte da vida, mes­mo em um perío­do após o lança­men­to no mer­ca­do edi­to­r­i­al, catan­do mate­ri­ais reci­cláveis. Porém, Car­oli­na sem­pre acred­i­tou no próprio poten­cial como escrito­ra, envian­do orig­i­nais para diver­sos edi­tores. Inclu­sive, a fil­ha Vera Eunice ten­ta atual­mente reaver parte desse mate­r­i­al que não teria sido devolvi­do à família.

Além de seu títu­lo mais famoso, a auto­ra lançou em vida os títu­los Casa de Alve­nar­ia (1961), Pedaços de Fome (1963) e Provér­bios (1963). Há ain­da o auto­bi­ográ­fi­co Diário de Biti­ta, pub­li­ca­do em 1986, após a morte da auto­ra, em 1977, de com­pli­cações da asma.

A tra­jetória de Car­oli­na foi acom­pan­ha­da pelos jor­nais por décadas. Em várias ocasiões, a escrito­ra se insurgiu con­tra o racis­mo. “É próprio dos dita­dores não gostar da ver­dade e dos negros” protestou, con­tra a cen­sura impos­ta pelo regime de António de Oliveira Salazar, de Por­tu­gal, ao seu livro em 1961. A manchete faz parte do mate­r­i­al reunido pelo IMS.

Novas homenagens

O insti­tu­to lança no dia em que a auto­ra com­ple­taria 110 anos uma pági­na na inter­net com mate­r­i­al sobre a vida e obra de Car­oli­na. Está disponi­bi­liza­do na ínte­gra um dos dois cader­nos man­u­scritos do orig­i­nal Um Brasil para os brasileiros, que após ser edi­ta­do e pub­li­ca­do na França se tornar­ia o Diário de Biti­ta.

Há ain­da car­tas envi­adas e rece­bidas pela escrito­ra, fotografias e reporta­gens. Uma lin­ha do tem­po apre­sen­ta a tra­jetória de Car­oli­na, começan­do pela sua ances­tral­i­dade, com o nasci­men­to do avô da escrito­ra, Bene­dic­to José da Sil­va, em 1862, 26 anos antes da abolição da escra­vatu­ra. É pos­sív­el ver em vídeo a auto­ra no sítio em Par­el­heiros, no extremo-sul da cap­i­tal paulista, com­pra­do com o din­heiro con­segui­do pelo tra­bal­ho como escrito­ra.

“Tem uma pro­pos­ta cen­tral neste site, que é o de ser um pon­to de encon­tro, onde admi­radores, estu­diosos, leitores e todas as pes­soas que se sen­tem tocadas por Car­oli­na poderão com­par­til­har aspec­tos pre­ciosos de sua vida e obra em movi­men­to”, diz a respon­sáv­el pela con­cepção do pro­je­to,  Fer­nan­da Miran­da.

São Paulo - Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras do Brasil, é considerada uma das mais importantes escritoras do país. A autora viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na Zona Norte de São Paulo. Foto: CCSP
Repro­dução: São Paulo — Car­oli­na Maria de Jesus viveu boa parte de sua vida na favela do Canindé, na zona norte de São Paulo. Foto: CCSP

Segun­do a fil­ha da escrito­ra, Vera Eunice segue em nego­ci­ação a cri­ação de um memo­r­i­al em hom­e­nagem a Car­oli­na em Sacra­men­to. Para Vera o novo espaço poderá acol­her mel­hor o acer­vo da escrito­ra que está na cidade mineira De acor­do com ela, o local que abri­ga atual­mente parte dos man­u­scritos de Car­oli­na não tem condições ade­quadas para preser­var o mate­r­i­al e per­mi­tir o aces­so ao públi­co. “A gente já está lutan­do faz muitos anos pra poder tirar a Car­oli­na da prisão. Ela está na prisão, né? Eles falam que é um arqui­vo, mas está na prisão”, ironiza Vera sobre o pré­dio onde atual­mente está o acer­vo, que é uma anti­ga cadeia.

O IMS e o Museu Afro Brasil, na cap­i­tal paulista, tam­bém guardam parte do mate­r­i­al rel­a­ti­vo a vida e obra da auto­ra.

Edição: Maria Clau­dia

LOGO AG BRASIL

Você pode Gostar de:

Governo estimula criação de secretarias para as mulheres nas cidades

Número de secretarias passou de 258 em 2023 para 1.045 em 2024 Gilber­to Cos­ta — …