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Cem anos do rádio no Brasil: o padre brasileiro que inventou o rádio

Repro­dução: © Hamil­ton Almei­da

Pub­li­ca­do em 31/05/2022 — 06:22 Por Luiz Clau­dio Fer­reira, repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

padre Landell de Moura
Repro­dução: Cem anos do rádio no Brasil: Padre Lan­dell de Moura con­viveu com um pé na fé e out­ro na ciên­cia — Acer­vo do bió­grafo Hamil­ton Almei­da

“Toquem o Hino Nacional!” Essas foram as primeiras palavras que o padre brasileiro Rober­to Lan­dell de Moura (1861–1928) disse na inédi­ta demon­stração públi­ca de trans­mis­são de rádio, em 16 de jul­ho de 1899. A rev­e­lação é do escritor Hamil­ton Almei­da bió­grafo do inven­tor do rádio, graças a uma obsti­na­da pesquisa em jor­nais da época. O escritor ded­i­ca-se a desven­dar há 45 anos a vida daque­le brasileiro injustiça­do pela história e que ain­da pou­ca gente con­hece. 

Todos os detal­h­es sobre esse even­to históri­co, de caráter mundi­al, ain­da muito pouco recon­heci­do e que tem mais ele­men­tos de brasil­i­dade do que pode­ria se supor, estarão nas pági­nas do livro sobre o ousa­do padre, e que deve chegar às livrarias ain­da neste mês de jun­ho. Padre Lan­dell: o brasileiro que inven­tou o wire­less (edi­to­ra Insu­lar) é a quin­ta obra de Almei­da sobre o inven­tor. O even­to ocor­reu 23 anos antes da primeira trans­mis­são ofi­cial de rádio no Brasil, em 7 de Setem­bro de 1922.  A 100 dias do cen­tenário da rádio, con­hecer de onde vier­am as primeiras ondas que se espal­haram no ar aju­da a enten­der, neste sécu­lo 21, a dimen­são do feito pio­neiro dessa tec­nolo­gia.

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Aventura em São Paulo

Naque­le final de sécu­lo 19, o públi­co ficou boquiaber­to com as palavras e com o hino. Não havia dúvi­da de que aque­le 16 de jul­ho de 1899 sim­boliza­va a genial­i­dade humana. Hou­ve até quem chamasse de bruxaria. Mas era um padre que fazia a trans­mis­são de áudio entre o Colé­gio San­tana, de onde ele era páro­co, na zona norte de São Paulo, até a Ponte das Ban­deiras, a cer­ca de qua­tro quilômet­ros de dis­tân­cia. Aque­la data, de primeira demon­stração públi­ca de trans­mis­são radiofôni­ca, que vai com­ple­tar 123 anos.

Hamil­ton Almei­da bus­cou ras­tros e desven­dou lacu­nas da vida do inven­tor pelo Brasil e em out­ros país­es. Quan­do fazia fac­ul­dade de jor­nal­is­mo, ouviu de um pro­fes­sor chileno (Julio Zap­a­ta) que um padre brasileiro era o ver­dadeiro inven­tor do rádio e não o físi­co ital­iano Gugliel­mo Mar­coni, que criou o telé­grafo.

“Vi que a história do brasileiro esta­va incom­ple­ta e que ele era víti­ma de uma injustiça. Eu fui jun­tan­do as peças. Busquei cen­te­nas de pes­soas que tra­bal­haram e con­viver­am com ele, além dos doc­u­men­tos espal­ha­dos por muitos lugares”, afir­ma o bió­grafo.

 

Duas exper­iên­cias públi­cas de Lan­dell de Moura em São Paulo foram doc­u­men­tadas. A segun­da exper­iên­cia, no ano seguinte da primeira, foi pub­li­ca­da em ape­nas um veícu­lo, o Jor­nal do Comér­cio, do Rio de Janeiro,

padre Landell de Moura
Repro­dução: Cem anos do rádio no Brasil : Padre Lan­dell de Moura pro­duz­iu um equipa­men­to que deixou o públi­co boquiaber­to — Foto: Hamil­ton Almei­da

O primeiro livro pub­li­ca­do por Hamil­ton saiu nos anos 1980 em Por­to Ale­gre, ter­ra do Padre Lan­dell. Em 2004, o autor pub­li­cou obra na Ale­man­ha. Na obra mais recente, o autor resolveu desven­dar detal­h­es sobre o dia da trans­mis­são de rádio e tam­bém sobre a bus­ca do padre por paten­tear as descober­tas. “Quan­do ele colo­cou a voz em em uma onda de rádio, ele abriu a por­ta para as comu­ni­cações sem fio. E isso é lega­do para os nos­sos dias, como o tele­fone celu­lar. Ele fez descober­tas que acabaram geran­do uma série de out­ras descober­tas des­de então.

Lan­dell, segun­do expli­ca o bió­grafo, paten­teou o rádio no Brasil e nos Esta­dos Unidos. “Eu con­segui apro­fun­dar uma série de aspec­tos nes­sa nova pesquisa. Tem uma infor­mação tam­bém que eu con­sidero muito impor­tante é que a invenção dele nos Esta­dos Unidos foi recon­heci­da por out­ros inven­tores. Con­segui encon­trar provas dis­so (e estão no livro)”.

padre Landell de Moura
Repro­dução: Cem anos do rádio no Brasil : Padre Lan­dell de Moura pro­duz­iu um equipa­men­to que deixou o públi­co boquiaber­to — Foto: Hamil­ton Almei­da

O escritor expli­ca que Lan­dell que­ria con­tin­uar pesquisan­do. Por isso, ele bus­cou cor­rer para paten­tear a descober­ta. Ele não tin­ha recur­sos da igre­ja ou públi­co para isso. “Ele solic­i­tou recur­so, mas ninguém deu apoio nen­hum. Nun­ca gan­hou nen­hum din­heiro. Ape­nas perdeu, na ver­dade. Ele saiu dos Esta­dos Unidos endi­vi­da­do porque foi para lá com a intenção de ficar um ano (em 1901). Mas acabou fican­do três anos e meio”. Para o inven­to, ele con­seguiu din­heiro empresta­do com um com­er­ciante de Nova Iorque e ficou deven­do uma peque­na for­tu­na que só con­seguiu pagar anos depois. A dívi­da era de US$ 4 mil. “Seria o equiv­a­lente a hoje uns R$ 600 mil”.

 

Ciência e fé

padre Landell de Moura
Repro­dução: Cem anos do rádio no Brasil : bió­grafo desco­briu reg­istros da invenção do rádio pelo padre Lan­dell de Moura — Acer­vo do bió­grafo Hamil­ton Almei­da

Difer­ente­mente de out­ros inven­tores con­tem­porâ­neos de Lan­dell, como Alber­to San­tos Dumont, que tin­ha seus próprios recur­sos, o padre vivia com o pires na mão. “Ninguém deu atenção real­mente para o que ele fazia. Além dis­so, padre cien­tista não era bem vis­to den­tro da igre­ja nem fora dela”.

Era um momen­to históri­co tam­bém de iní­cio da repúbli­ca no Brasil e tam­bém com a con­quista do esta­do laico. Ciên­cia para um lado, fé para o out­ro. Mas não era nis­so que Lan­dell acred­i­ta­va. Ele acha­va que os dois cam­pos pode­ri­am con­viv­er e inter­a­gir. “O padre esta­va um pé em cada lado. Mas tem declar­ações dele que ele acha­va que religião e ciên­cia eram com­patíveis”.

Curioso desde antes de padre

Lan­dell, quan­do tin­ha 16 anos de idade, antes de ser padre, criou uma espé­cie de tele­fone. O meni­no era curioso e gosta­va de ler sobre tudo, de tele­co­mu­ni­cações à astrono­mia. “Ele  exami­na­va ani­mais mor­tos e tin­ha um inter­esse vari­a­do, em biolo­gia, físi­ca, astronomia…Ao mes­mo tem­po, ele tin­ha uma vocação reli­giosa tam­bém por influên­cia da família”.

Tan­to que quan­do Lan­dell foi para Roma aju­dar no sem­i­nário, ele tam­bém bus­cou estu­dar físi­ca e quími­ca na Uni­ver­si­dade Gre­go­ri­ana. Foram duas for­mações ao mes­mo tem­po. “Brigavam com ele tam­bém por causa dessa situ­ação de ser padre e cien­tista. Quan­do ele inven­tou o rádio, pediu licença para voltar ao Brasil e ir aos Esta­dos Unidos”.

Empreendedor

Seis jor­nais der­am destaque ao inven­to com a exper­iên­cia de 1899. Três veícu­los em São Paulo e out­ros três no Rio de Janeiro. “Era uma novi­dade, mas não foi o sufi­ciente para traduzir em patrocínio que é o que ele pre­cisa­va. Ele investiu nis­so, mas infe­liz­mente não teve resul­ta­do para con­tin­uar pesquisan­do. Acabou fican­do mar­gin­al­iza­do assim na história”, afir­ma.

 

padre Landell de Moura
Repro­dução: Cem anos do rádio no Brasil: história do padre Lan­dell de Moura foi reg­istra­da no começo do sécu­lo 20 pelo New York Her­ald (jor­nal veic­u­la­do entre 1825 e 1924) — Acer­vo do bió­grafo Hamil­ton Almei­da

“Quan­do ele veio da Itália para o Brasil, ele tin­ha uma ideia de que era pos­sív­el faz­er comu­ni­cação pelo ar. Naque­le momen­to só exis­tia o telé­grafo”. Almei­da expli­ca que o inven­tor demor­ou mais de 10 anos para desen­volver o equipa­men­to. Lan­dell voltou ao Brasil em 1886. Os reg­istros mostram que em 1893, ape­sar dos pedi­dos para a igre­ja, ele não con­seguiu recur­sos. Em 1895, o ital­iano Mar­coni apre­sen­tou o telé­grafo. “Mas a difer­ença fun­da­men­tal é que Lan­dell con­seguiu trans­mi­tir a voz”.

Em 1899, ele con­vi­dou empresários em São Paulo para apre­sen­tar a novi­dade, da capela de San­ta Cruz, mais pre­cisa­mente do Colé­gio San­tana, ele con­seguiu trans­mi­tir os sons até a Ponte das Ban­deiras, sobre o Rio Tietê. “Depois ele fez a mes­ma exper­iên­cia em direção à Aveni­da Paulista. Ele teve a pre­sença do côn­sul britâni­co que assis­tiu à demon­stração”.

Gênio esquecido

O bió­grafo lamen­ta que até hoje Lan­del­ll de Moura não tem a fama que pode­ria ter, inclu­sive inter­na­cional­mente. Tam­bém por isso, o bió­grafo entende, que diante dessa injustiça, pas­sou a se dedicar a perseguir os ras­tros da fan­tás­ti­ca história do padre. Para o novo livro, foi aos Esta­dos Unidos e pesquisou tam­bém na Itália atrás das pis­tas. “Cheguei a con­tratar uma pesquisado­ra na bib­liote­ca de Nova Iorque para me aju­dar. Assim foi se jun­tan­do esse que­bra-cabeça. Às vezes, nos livros da igre­ja ele não escrevia nada”.

Por isso, con­ver­sar com teste­munhas fez as peças se juntarem. Como todas já fale­ce­r­am, os livros ten­tarão faz­er justiça ao inven­tor. “Para os fiéis da igre­ja não era algo sim­páti­co porque ele fugia do tradi­cional de ficar lá só den­tro da igre­ja. Mas ele tin­ha essa capaci­dade int­elec­tu­al de cri­ar”. Mas voz pelo ar pare­cia coisa do demônio, apon­tavam aque­les que davam de ombros para a ciên­cia.

Nos Esta­dos Unidos, ele bus­cou paten­tear o rádio, o rádio por ondas de luz e um telé­grafo. “Mas ele não ficou lá para com­er­cializar. Ele quis voltar, mas ficou endi­vi­da­do. Infe­liz­mente, no caso dele, o obscu­ran­tismo venceu. Caso tivesse vin­ga­do a história do padre brasileiro, o Brasil pode­ria estar na van­guar­da da indus­tri­al­iza­ção do apar­el­ho”.

Depois do rádio, ele começou a estu­dar out­ros temas fora das tele­co­mu­ni­cações e da religião, incluin­do psi­colo­gia e out­ras ciên­cias. Mas ele con­tin­u­a­va sendo admoes­ta­do pelo bis­po. Padre Lan­dell mor­reu em 1928, víti­ma da tuber­cu­lose, aos 67 anos. “Ele fuma­va. Não se agasal­ha­va naque­le frio de Por­to Ale­gre. Ele dizia que dava a roupa para os pobres. Ele esta­va muito triste mes­mo”. A vaci­na da tuber­cu­lose havia sido descober­ta naque­la déca­da, mas não a tem­po de sal­var o homem que se dedi­cou a Deus e à ciên­cia ao mes­mo tem­po

 

Série de reportagens

Em comem­o­ração aos cem anos do rádio no Brasil, com­ple­ta­dos em 7 de setem­bro de 2022, a Agên­cia Brasil  pub­li­ca uma série de 10 reporta­gens sobre as prin­ci­pais curiosi­dades históri­c­as do rádio brasileiro.

O cen­tenário do rádio no país tam­bém será cel­e­bra­do com ações mul­ti­platafor­ma em out­ros veícu­los da EBC, como a Radioagên­cia e a Rádio MEC  que trans­mi­tirá, diari­a­mente, inter­pro­gra­mas com entre­vis­tas e pesquisas de acer­vo para abor­dar diver­sos aspec­tos históri­cos rela­ciona­dos ao veícu­lo. A ideia é res­gatar per­son­al­i­dades, pro­gra­mas e emis­so­ras mar­cantes pre­sentes na memória afe­ti­va dos ouvintes.

Edição: Alessan­dra Esteves

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