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Centro MariAntonia expõe obras de presos políticos dos anos 60 e 70

Repro­dução: © CMA/USP

Mostra apresenta 41 trabalhos produzidos na ditadura militar


Pub­li­ca­do em 29/04/2023 — 14:11 Por Elaine Patri­cia Cruz – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

Se a arte serve para extravasar a cria­tivi­dade e provo­car reflexões, ela tam­bém tem um papel muito impor­tante como teste­munha da história. E é pen­san­do na arte não só como uma imagem, mas tam­bém como um doc­u­men­to para a memória de um país, que o Cen­tro MariAnto­nia da Uni­ver­si­dade de São Paulo (USP), na cap­i­tal paulista, inau­gurou esta sem­ana nova exposição: Imagem Teste­munho – Exper­iên­cias Artís­ti­cas de Pre­sos Políti­cos na Ditadu­ra Civ­il-Mil­i­tar. A mostra fica em car­taz até o dia 10 de dezem­bro.

A exposição apre­sen­ta 41 tra­bal­hos que foram pro­duzi­dos entre as décadas de 60 e 70 por pre­sos políti­cos da ditadu­ra mil­i­tar brasileira. Ess­es tra­bal­hos foram real­iza­dos em difer­entes presí­dios do esta­do de São Paulo, incluin­do alguns dos lugares mais vio­len­tos desse perío­do como o Depar­ta­men­to de Ordem Políti­ca e Social (DOPS). Entre as obras há desen­hos, cola­gens, xilo­gravuras, bil­hetes tro­ca­dos entre os encar­cer­a­dos, ano­tações e seri­grafias que foram reunidas pelo jor­nal­ista e ex-pre­so políti­co Alí­pio Freire e que ago­ra inte­gram o acer­vo do Memo­r­i­al da Resistên­cia.

“O Alí­pio ficou cin­co anos pre­so. Ele foi pre­so em 1969. Já antes, o Alí­pio tin­ha uma ativi­dade de artista plás­ti­co. No presí­dio, se jun­taram out­ras pes­soas tam­bém, como o Sér­gio Fer­ro. Lá, eles pas­saram a dis­cu­tir arte e a tra­bal­har com isso. Todas as tendên­cias mod­er­nas, como a pop art, tudo isso era moti­vo de dis­cussão dessas pes­soas. E eles não ficavam em um núcleo fecha­do: eles ampli­avam essa dis­cussão para todos da cela. Eu digo até que a cela do Alí­pio era um ateliê”, con­tou Rita Maria de Miran­da Sipahi, advo­ga­da, ex-pre­sa políti­ca e inte­grante da Comis­são da Anis­tia. Rita foi esposa de Alí­pio Freire (1945–2021), um dos artis­tas que são apre­sen­ta­dos na mostra.

São Paulo (SP) - Exposição em SP celebra 30 anos do Centro MariAntonia apresentando obras produzidas por presos políticos durante a ditadura militar. Foto: CMA/USP
Repro­dução: Mostra apre­sen­ta 41 tra­bal­hos pro­duzi­dos por pre­sos políti­cos durante a ditadu­ra mil­i­tar — CMA/USP, por CMA/USP

Acervo

Saben­do da importân­cia da preser­vação daque­la memória, Alí­pio começou a cole­tar todos ess­es tra­bal­hos que eram pro­duzi­dos den­tro das celas da ditadu­ra e mon­tou um rico acer­vo do perío­do com mais de 300 obras, que já foram exibidas em out­ras opor­tu­nidades. Uma delas, em 2013, no Memo­r­i­al da Resistên­cia, que foi chama­da de Insur­reições: expressões plás­ti­cas nos presí­dios políti­cos de São Paulo.

“Essa exposição é um recorte de uma coleção maior, que é uma coleção real­iza­da pelo Alí­pio Freire ao lon­go da sua vida e que con­tém em torno de 300 obras, des­de ima­gens até doc­u­men­tos, car­tas e recortes de jor­nais”, disse Priscila Arantes, curado­ra da exposição.

“Essa é uma exposição de arte atrav­es­sa­da pela questão políti­ca. É uma exposição teste­munho de uma ger­ação que viveu os anos duros da ditadu­ra civ­il-mil­i­tar. O que você encon­tra aqui são ima­gens pro­duzi­das por artis­tas ou por pes­soas que só desen­volver­am tra­bal­hos artís­ti­cos ou cria­tivos den­tro do espaço carcerário. São pes­soas que vêm de alas e par­tidos políti­cos diver­sos”, acres­cen­tou ela.

Os tra­bal­hos que foram pro­duzi­dos nesse perío­do retratam o cotid­i­ano na prisão, as relações entre os pre­sos, suas redes de apoio e a sol­i­dariedade cri­a­da den­tro e fora das prisões. As obras mostram diver­sas téc­ni­cas e foram feitas por meio de mate­ri­ais que eles con­seguiam den­tro do espaço pri­sion­al ou que lhes foram lev­adas por famil­iares e ami­gos.

São Paulo (SP) - Exposição em SP celebra 30 anos do Centro MariAntonia apresentando obras produzidas por presos políticos durante a ditadura militar. Foto: CMA/USP
Repro­dução: Exposição em SP cel­e­bra 30 anos do Cen­tro MariAnto­nia apre­sen­tan­do obras pro­duzi­das por pre­sos políti­cos durante a ditadu­ra mil­i­tar. Foto: CMA/USP — CMA/USP

Entre as obras está uma  xilo­gravu­ra que  Aldo Arantes, pai da curado­ra da exposição, fez enquan­to esteve pre­so para pre­sen­tear a mãe dela. “Alguns tra­bal­hos são pre­sentes [para famil­iares e ami­gos]. Você tem tam­bém tra­bal­hos que eram tro­ca­dos entre celas. Mas você tem tam­bém tra­bal­hos que têm esse caráter políti­co como por exem­p­lo, os tra­bal­hos em xilo­gravu­ra do Artur Scav­one, em que a xilo­gravu­ra servia como um dis­pos­i­ti­vo de pan­fle­tagem políti­ca, de denún­cia dos maus tratos na prisão, de divul­gação da situ­ação políti­ca no Brasil e da opressão na época da ditadu­ra. Há tam­bém pro­duções que servi­am, por exem­p­lo, para cap­i­tan­ear recur­sos finan­ceiros para cole­gas e com­pan­heiros pagarem advo­ga­dos. Essa não é uma exposição grande no sen­ti­do de ter exces­so de tra­bal­hos, mas potente nesse sen­ti­do de traz­er essa plu­ral­i­dade, essa sin­gu­lar­i­dade de cada tra­bal­ho”, expli­cou a curado­ra.

Um dos destaques da exposição é uma série de tra­bal­hos desen­volvi­dos por Alí­pio a par­tir de uma fotografia e que ain­da hoje emo­cionam Rita Maria de Miran­da Sipahi. “Nes­sa exposição tem uma coisa lin­da e que rep­re­sen­ta o amor. Acho que hoje a amizade, o amor, ess­es val­ores todos que o Alí­pio preser­va­va, estão nes­sa exposição tam­bém. Cer­ta vez, o Alí­pio me fez um pre­sente a par­tir de uma fotografia que man­dei a ele. Ele pegou a fotografia e começou a tra­bal­har com ela, des­do­bran­do a fotografia em vários tra­bal­hos plás­ti­cos. Isso tem uma rep­re­sen­tação fortís­si­ma para mim. Eu ain­da não os vi colo­ca­dos na exposição. Então pen­so que isso ain­da vai me deixar toma­da por esse sen­ti­men­to que ele tin­ha taman­ho de amor”, disse em entre­vista à Agên­cia Brasil, pouco antes de vis­i­tar a mostra.

Para a advo­ga­da, essa arte pro­duzi­da pelos pre­sos políti­cos da ditadu­ra den­tro da celas foi tam­bém uma for­ma que eles encon­traram para trans­for­mar aque­le espaço, onde eles foram sub­meti­dos a inten­sas e traumáti­cas sessões de tor­turas e vio­lên­cias. “Essa questão é inter­es­sante porque foi uma for­ma de trans­for­mar aqui­lo que apri­siona — a prisão e o espaço da cela — em uma pos­si­bil­i­dade de liber­dade. A liber­dade não era con­ti­da naque­le espaço”.

Além dessas obras, a exposição tam­bém apre­sen­ta sete depoi­men­tos em vídeos pro­duzi­dos espe­cial­mente para a mostra. “Con­ta­mos aqui com sete vídeos inédi­tos que foram feitos para essa exposição e que foram muito impor­tantes para esse espaço de escu­ta na pesquisa cura­to­r­i­al”, disse Priscila.

São Paulo (SP) - Exposição em SP celebra 30 anos do Centro MariAntonia apresentando obras produzidas por presos políticos durante a ditadura militar. Foto: CMA/USP
Repro­dução: . Exposição gra­tui­ta fica aber­ta até janeiro de 2024. Foto — CMA/USP

30 anos do Centro MariAntonia

A mostra mar­ca a cel­e­bração dos 30 anos do Cen­tro Mari­Antô­nia, um espaço impor­tante de luta con­tra a ditadu­ra brasileira. “Essa exposição faz parte de um grupo de comem­o­rações dos 30 anos de luta do cen­tro MariAnto­nia, que é con­heci­do como espaço de luta con­tra a ditadu­ra. Essa exposição vem para faz­er parte desse coro de ações. Na ver­dade, ela inte­gra uma série de pro­gra­mações e con­ta tam­bém com mesas redondas e toda uma pro­gra­mação para­lela, onde a dis­cussão sobre a arte e a ditadu­ra na Améri­ca Lati­na serão dis­cu­ti­das”, detal­hou Priscila Arantes.

“O MariAnto­nia foi um pal­co muito impor­tante de resistên­cia polit­i­ca durante os anos da ditadu­ra. Sim­boliza a resistên­cia da uni­ver­si­dade ao autori­taris­mo no país. É um mon­u­men­to históri­co, tomba­do jus­ta­mente em função dess­es movi­men­tos estu­dan­tis e que resi­s­ti­ram ao arbítrio insta­l­a­do no país. Por out­ro lado, ness­es 30 anos, o Cen­tro MariAnto­nia se tornou um dos espaços de arte mais impor­tantes da cidade de São Paulo. Um espaço de reflexão sobre a arte, de exposição e de edu­cação sobre a arte. Nesse sen­ti­do, a exposição jun­ta ess­es dois fios de uma maneira extrema­mente opor­tu­na para comem­o­rar ess­es 30 anos”, expli­cou José Lira, pro­fes­sor da USP e dire­tor do Cen­tro MariAnto­nia.

Entre 1949 e 1968, o Cen­tro MariAnto­nia abrigou a Fac­ul­dade de Filosofia, Ciên­cias e Letras da USP, que atual­mente fica no Cam­pus do Butan­tã. Em out­ubro de 1968, a Rua Maria Anto­nia, onde o con­jun­to de edifí­cios está abri­ga­do, foi pal­co de uma das mais impor­tantes batal­has pela democ­ra­cia na ditadu­ra mil­i­tar. Esse episó­dio ficou con­heci­do como a Batal­ha da Maria Anto­nia e envolveu estu­dantes de posições ide­ológ­i­cas opostas e a polí­cia.

“A batal­ha da rua Maria Anto­nia foi o pon­to cul­mi­nante de uma insat­is­fação ger­al dos estu­dantes em relação à repressão e suas man­i­fes­tações e passeatas no cen­tro de São Paulo”, con­tou Lira.

“Por vol­ta de maio [de 1968], ess­es estu­dantes foram alvo de ataques vio­len­tos da polí­cia. Um estu­dante secun­darista foi mor­to e a par­tir desse episó­dio, eles decidi­ram ocu­par o pré­dio da Fac­ul­dade de Filosofia. Para tal, mon­tou-se um grande mutirão de estu­dantes, de várias fac­ul­dades da uni­ver­si­dade de São Paulo, não só de Filosofia, Ciên­cias e Letras, que pas­saram a residir e orga­ni­zar man­i­fes­tações a par­tir daqui jun­to com os estu­dantes de Arquite­tu­ra, Dire­ito, Med­i­c­i­na e da Politéc­ni­ca. Em out­ubro de 68, em função da repressão a um pedá­gio que eles fazi­am para arrecadar fun­dos, ini­ciou-se uma grande batal­ha entre os estu­dantes da USP e alguns estu­dantes da Uni­ver­si­dade Macken­zie, que fica do out­ro lado da rua. Esse episó­dio ter­mi­nou após dois dias de batal­has cam­pais, com que­bradeira gen­er­al­iza­da no pré­dio. O pré­dio foi par­cial­mente incen­di­a­do e logo em segui­da, toma­do da uni­ver­si­dade pelo gov­er­no do esta­do. Durante mais de 20 anos esse pré­dio foi alien­ado da uni­ver­si­dade. Só em 1993, por­tan­to há 30 anos, é que a USP final­mente gan­hou de vol­ta o pré­dio e decid­iu cri­ar esse espaço ded­i­ca­do à memória, arte e a cri­ação livre, ao pen­sa­men­to livre”, expli­cou o dire­tor do cen­tro.

Para ele, cel­e­brar os 30 anos do espaço com essa exposição é impor­tante não só para a con­strução de uma memória sobre aque­le perío­do, mas tam­bém para provo­car reflexões na sociedade atu­al. “Ela [exposição] traz tam­bém a força, uma memória da força da mobi­liza­ção social con­tra o arbítrio, con­tra o autori­taris­mo e con­tra a ditadu­ra. No momen­to em que os ataques aos dire­itos humanos são prat­i­ca­dos cotid­i­ana­mente, em suas múlti­plas for­mas — não mais daque­las for­mas típi­cas da ditadu­ra mas de for­mas igual­mente atrozes — uma exposição como essa sug­ere inúmeras pos­si­bil­i­dades de reflexão para o cidadão em ger­al”, disse.

Mais infor­mações sobre a exposição, que é gra­tui­ta, podem ser obti­das no site do cen­tro.

Edição: Aline Leal

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