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Chacina de Acari ajuda a entender desaparecimentos, diz especialista

Repro­dução: © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Caso começou a ser julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos


Pub­li­ca­do em 30/10/2023 — 08:03 Por Rafael Car­doso – Repórter da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Há duas sem­anas, a Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (CIDH) começou a jul­gar um crime que está sem respostas há 33 anos: a Chaci­na de Acari.

Em jul­ho de 1990, onze jovens da comu­nidade desa­pare­ce­r­am em Magé, na Baix­a­da Flu­mi­nense. Famil­iares das víti­mas pedem que o Esta­do brasileiro seja respon­s­abi­liza­do, já que um grupo de poli­ci­ais mil­itares e civis é sus­peito de ter sequestra­do e mata­do os jovens.

A procu­rado­ra de Justiça Eliane de Lima Pereira par­ticipou como peri­ta da audiên­cia que acon­te­ceu em Bogotá, na Colôm­bia. Ela falou com a Agên­cia Brasil sobre o anda­men­to do proces­so e a questão dos desa­parec­i­men­tos no país.

Além de ter exer­ci­do os car­gos de asses­so­ra de Dire­itos Humanos e Mino­rias do Min­istério Públi­co do Esta­do do Rio de Janeiro (MPRJ) e de coor­de­nado­ra do Pro­gra­ma de Local­iza­ção e Iden­ti­fi­cação de Desa­pare­ci­dos (PLID/MPRJ), Eliane desen­volve uma pesquisa de doutora­do que abor­da as chaci­nas de Acari e da Favela Nova Brasília (1994).

Segun­do a procu­rado­ra, a Chaci­na de Acari virou uma refer­ên­cia para todos os que anal­isam e debatem desa­parec­i­men­tos no Brasil, por envolver recortes claros de raça, gênero, idade, classe e ter­ritório.

“A déca­da de 1990 pode ser vista como uma tran­sição para o esta­do democráti­co de dire­ito. Nesse perío­do, tive­mos muitas vio­lações graves de dire­itos humanos. A Chaci­na de Acari tem traços que são visíveis ain­da hoje em out­ros casos. A maio­r­ia dos desa­pare­ci­dos é homem, jovem, negra e mora em ter­ritórios desprovi­dos de questões bási­cas de cidada­nia. Isso mostra clara­mente que exis­tem cat­e­go­rias mais vul­neráveis ao desa­parec­i­men­to.”

A procu­rado­ra usa como base os dados do Pro­gra­ma de Local­iza­ção e Iden­ti­fi­cação de Desa­pare­ci­dos (Plid). Eles são cole­ta­dos pelos min­istérios públi­cos de cada esta­do. Na últi­ma con­sul­ta, em 24 de out­ubro deste ano, foram reg­istra­dos 95.307 casos em todo o país. Entre as pes­soas declar­adas desa­pare­ci­das, 60% eram home­ns, 54% eram pre­tas ou par­das e 55% tin­ham entre 12 e 30 anos.

O Plid foi apre­sen­ta­do à Corte Inter­amer­i­cana como um exem­p­lo de políti­ca de enfrenta­men­to aos desa­parec­i­men­tos no Brasil.

“O pro­gra­ma foi cri­a­do em 2012 e lida com esse prob­le­ma como uma questão que ultra­pas­sa a esfera crim­i­nal. Alcançamos bons resul­ta­dos no Rio e assi­namos, em 2017, um acor­do de coop­er­ação téc­ni­ca que imple­men­tou o Sis­tema Nacional de Local­iza­ção e Iden­ti­fi­cação de Desa­pare­ci­dos (Sinalid)”, con­ta Eliane.

Julgamento internacional

Costa Rica- 29-10-2023 Fachada da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Foto mídias sociais.
Repro­dução: Sede da Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos, na Cos­ta Rica — Foto mídias soci­ais.

O caso de Acari foi lev­a­do à Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos em 2006. O proces­so ter­mi­nou com decisão em favor das víti­mas e recomen­dações ao Esta­do brasileiro. Entre elas, ofer­e­cer apoio psi­cológi­co às famílias das víti­mas, faz­er relatório sobre a atu­ação das milí­cias no Rio de Janeiro e esta­b­ele­cer políti­cas públi­cas e leis para evi­tar vio­lações de dire­itos humanos.

A Comis­são enten­deu que essas recomen­dações não foram cumpri­das e pas­sou o caso para a Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos em 2022.

A primeira audiên­cia públi­ca acon­te­ceu no dia 12 de out­ubro. O Esta­do brasileiro fez um recon­hec­i­men­to par­cial de respon­s­abil­i­dade sobre o caso, volta­do especi­fi­ca­mente pelos assas­si­natos de Edméa da Sil­va Euzébio, líder do movi­men­to Mães de Acari, e de sua sobrin­ha Sheila da Con­ceição, em 1993. O movi­men­to ficou con­heci­do pela ação das mães dos desa­pare­ci­dos que pas­saram a inves­ti­gar, reunir provas e cobrar providên­cia das autori­dades.

O Brasil admi­tiu que não cumpriu com a obri­gação de solu­cionar os assas­si­natos das duas mul­heres em pra­zo aceitáv­el, depois da denún­cia do Min­istério Públi­co em 2011. Mas em relação ao desa­parec­i­men­to dos 11 jovens em 1990, o país disse que hou­ve esforço do poder públi­co nas bus­cas e que o caso não pode­ria ser enquadra­do na cat­e­go­ria “desa­parec­i­men­to força­do”, por fal­ta de pro­va de par­tic­i­pação de poli­ci­ais no crime.

A próx­i­ma eta­pa do jul­ga­men­to é a entre­ga das ale­gações finais por escrito das duas partes do proces­so. Isso deve ser feito no pra­zo de um mês a con­tar dessa audiên­cia de 12 de out­ubro. Ain­da não existe pre­visão para a sen­tença, mas a expec­ta­ti­va é de que ela ocor­ra em 2024.

Desaparecimento forçado

O ter­mo “desa­parec­i­men­to força­do” ain­da não é tip­i­fi­ca­do como um crime especí­fi­co no Brasil. O Sena­do aprovou, em 2013, um pro­je­to sobre o tema (PLS 245/2011) que foi remeti­do para a Câmara dos Dep­uta­dos. Duas comis­sões aprovaram o tex­to, mas até hoje ele não virou lei.

O con­ceito de desa­parec­i­men­to força­do foi esta­b­ele­ci­do pela Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos na con­venção real­iza­da em Belém, no Pará, em 1994. Ele é definido como:

Pri­vação de liber­dade de uma pes­soa ou mais pes­soas, seja de que for­ma for, prat­i­ca­da por agentes do Esta­do ou por pes­soas ou gru­pos de pes­soas que atuem com autor­iza­ção, apoio ou con­sen­ti­men­to do Esta­do, segui­da de fal­ta de infor­mação ou da recusa em recon­hecer a pri­vação de liber­dade, ou infor­mar sobre o paradeiro da pes­soa, impedin­do assim o exer­cí­cio dos recur­sos legais e das garan­tias proces­suais per­ti­nentes.

A procu­rado­ra Eliane Pereira diz que o país está em desacor­do com as nor­mas e com­pro­mis­sos jurídi­cos inter­na­cionais. Aprovar a tip­i­fi­cação legal do crime seria fun­da­men­tal para impedir que casos de vio­lên­cia e desa­parec­i­men­to como os de Acari ficas­sem impunes.

“Des­de 1998, o Esta­do brasileiro assum­iu o com­pro­mis­so de se sub­me­ter à juris­dição obri­gatória da Corte Inter­amer­i­cana. Em 2010, na sen­tença do caso Gomes Lund [desa­pare­ci­do na ditadu­ra], a Corte deter­mi­nou que o país dev­e­ria ado­tar providên­cias para tip­i­ficar o deli­to de desa­parec­i­men­to força­do. E nada foi feito até hoje. Do pon­to de vista práti­co, temos prob­le­mas de inves­ti­gação dess­es crimes, pois é muito mais prováv­el que ocor­ra uma situ­ação de impunidade do que con­seguir, pela lei atu­al, uma con­de­nação de um homicí­dio sem o cor­po”, expli­cou a procu­rado­ra.

Edição: Denise Griesinger

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