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Chacina de Acari: parentes celebram condenação do Estado brasileiro

Há 34 anos, 11 pessoas desapareceram forçadamente de um sítio

Rafael Car­doso — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 17/12/2024 — 22:45
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2024 – Familiares das vítimas da Chacina de Acari e advogados que os representam fazem a leitura pública da sentença de condenação do Estado brasileiro no caso, divulgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Nas fileiras da frente, famil­iares das víti­mas da Chaci­na de Acari lem­bravam dos 34 anos de luta por justiça. Atrás deles, cadeiras vazias do que já foi o plenário do Supe­ri­or Tri­bunal Fed­er­al (STF), quan­do o Rio de Janeiro era cap­i­tal do país. Uma imagem sim­bóli­ca da ausên­cia de décadas das insti­tu­ições brasileiras na garan­tia dos dire­itos das víti­mas.

Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2024 – Familiares das vítimas da Chacina de Acari e advogados que os representam fazem a leitura pública da sentença de condenação do Estado brasileiro no caso, divulgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2024 – Leitu­ra públi­ca da sen­tença de con­de­nação do Esta­do brasileiro na Chaci­na de Acari. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Há duas sem­anas, a Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (Corte IDH) con­de­nou o Esta­do brasileiro pela omis­são em inves­ti­gar com seriedade os desa­parec­i­men­tos das 11 víti­mas em jul­ho de 1990. Tam­bém recon­heceu o impacto na inte­gri­dade dos famil­iares, em espe­cial nas “Mães de Acari”, que enfrentaram difer­entes tipos vio­lên­cia.

Uma delas, Edméia da Sil­va e a sobrin­ha Sheila da Con­ceição, foram assas­si­nadas depois que a primeira denun­ciou o envolvi­men­to de poli­ci­ais mil­itares no crime.

Na noite dessa terça-feira (17), foi fei­ta uma leitu­ra públi­ca da sen­tença no local onde hoje fun­ciona o Cen­tro Cul­tur­al da Justiça, no cen­tro da cidade.

Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2024 – Rosângela da Silva, filha da vítima Edméa da Silva Euzébio, participa da leitura pública da sentença de condenação do Estado brasileiro no caso da Chacina de Acari, divulgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: O irmão de Rosân­gela da Sil­va foi uma das víti­mas das chaci­na. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“Rece­bi com a maior sat­is­fação a decisão, mas demor­ou muito. São 34 anos. Fiquei sem mãe, sem irmão e sem cun­ha­da. E para a gente gan­har, teve que ir lá na Corte, porque o Esta­do brasileiro não fez nada. Sem­pre falou que já tin­ha arquiv­a­do, que não tin­ha cor­po, nem víti­ma, e que a gente não teria dire­ito a nada. Foi uma fal­ta de respeito muito grande com os famil­iares”, disse Rosân­gela da Sil­va, fil­ha de Edméia e irmã de Luís Hen­rique, ambos assas­si­na­dos.

“Um alívio. Meu fil­ho era mar­avil­hoso. Foi faz­er um pas­seio em Magé, acon­te­ceu de chegarem lá e levarem todo mun­do, dizen­do que eram da polí­cia. E nun­ca mais ninguém apare­ceu, vivo ou mor­to. Lev­ei décadas na esper­ança que ele voltasse e nun­ca voltou. E o Esta­do não fez nada para a gente, não nos aju­dou. E o tem­po foi pas­san­do. E a gente final­mente con­seguiu”, falou Ana Maria da Sil­va de Jesus Bra­ga, mãe de Antônio Car­los da Sil­va, uma das víti­mas.

O irmão de Vanine de Sousa Nasci­men­to, Wal­lace de Sousa Nasci­men­to, tin­ha 17 anos quan­do desa­pare­ceu. O sítio em Magé, na Baix­a­da Flu­mi­nense, onde ele e as out­ras 10 pes­soas foram vis­tas pela últi­ma vez, per­tence à família de Vanine. Ape­sar do trau­ma, ela man­teve o local intac­to, na esper­ança de que pudesse aju­dar nas inves­ti­gações.

“Man­ter o local ao lon­go de todos ess­es anos não foi fácil. Porque a cada momen­to que nós pisá­va­mos lá, tín­hamos que reviv­er tudo o que acon­te­ceu. Para a gente, sem­pre foi um peso muito grande. Man­tive­mos o local até mes­mo pen­san­do nas bus­cas, inves­ti­gações, à dis­posição da Justiça”, con­ta Vanine.

A sen­tença da CIDH mar­ca uma nova fase na vida da família.

Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2024 – Vanine de Souza Nascimento, irmã da vítima Walace de Souza Nascimento, participa da leitura pública da sentença de condenação do Estado brasileiro no caso da Chacina de Acari, divulgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Vanine Nasci­men­to diz que con­de­nação é um divi­sor de águas. Foto: Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

“É como um divi­sor de águas. Como se tivésse­mos adorme­ci­dos durante 34 anos e ago­ra des­per­ta­mos para viv­er uma nova história. Ver os nos­sos fale­cerem e não verem o des­fe­cho foi muito difí­cil. Ver­mos os nos­sos fil­hos e netos nascerem sem saber o que acon­te­ceu foi muito difí­cil. Res­gatar a nos­sa história dessa for­ma, com essa decisão da Corte, nos deixou muito felizes”, diz Vanine.

Sentença

A CIDH deter­mi­nou que o Esta­do brasileiro siga um con­jun­to de reparações em relação ao caso. Entre as medi­das, estão inves­ti­gar o desa­parec­i­men­to força­do das 11 pes­soas, bus­car os paradeiros, realizar um ato públi­co de recon­hec­i­men­to de respon­s­abil­i­dade, emi­tir cer­tidão de óbitos, cri­ar um espaço de memória na região e ofer­e­cer apoio médi­co e psi­cológi­co aos famil­iares das víti­mas.

Há tam­bém a exigên­cia de reparações finan­ceiras, com paga­men­to de ind­eniza­ções por danos mate­ri­ais e ima­te­ri­ais, tip­i­fi­cação do desa­parec­i­men­to força­do no orde­na­men­to jurídi­co brasileiro, e elab­o­ração de estu­do sobre a atu­ação de milí­cias e gru­pos de exter­mínio no Rio de Janeiro.

Segun­do o advo­ga­do Car­los Nicodemos, que atua no Pro­je­to Legal das Víti­mas da Chaci­na de Acari e responde pela defe­sa delas, está mar­ca­da para esta sem­ana uma reunião com os min­istérios dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia e o da Igual­dade Racial para plane­jar um crono­gra­ma de cumpri­men­to da decisão. O primeiro item das obri­gações foi cumpri­do nes­sa terça-feira, com a pub­li­cação da sen­tença em um jor­nal de grande cir­cu­lação.

“A sen­tença do caso Mães de Acari, além de descorti­nar a questão da vio­lên­cia estru­tur­al con­tra cri­anças, mul­heres, pes­soas pre­tas, que moram em fave­las e comu­nidades, e o prob­le­ma da segu­rança públi­ca, abre uma janela de opor­tu­nidades para o Esta­do brasileiro oper­ar uma série de ações de não repetição desse tipo de crime”, disse o advo­ga­do.

Rio de Janeiro (RJ) 17/12/2024 – O advogado Carlos Nicodemos participa da leitura pública da sentença de condenação do Estado brasileiro no caso da Chacina de Acari, divulgada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: O advo­ga­do Car­los Nicodemos diz que con­de­nação pode apri­morar punição para desa­parec­i­men­tos força­dos. Foto:Fernando Frazão/Agência Brasil

“Temos um abis­mo nor­ma­ti­vo no Brasil em relação aos desa­parec­i­men­tos força­dos, pela ausên­cia de uma tip­i­fi­cação do crime. Existe um pro­je­to de lei des­de 2011 que não avança. O Esta­do brasileiro pre­cisa recon­hecer o trata­do inter­na­cional desse tema, que apon­ta para um mecan­is­mo de mon­i­tora­men­to e con­t­role”.

Para Lúcia Xavier, fun­dado­ra da ONG Crio­la, a expec­ta­ti­va é que sen­tença da Corte Inter­amer­i­cana ajude a embasar out­ras ações e decisões judi­ci­ais em favor das víti­mas de desa­parec­i­men­tos força­dos no país.

“Para nós, que atu­amos no cam­po dos dire­itos humanos, sobre­tu­do no enfrenta­men­to ao racis­mo e à vio­lên­cia con­tra jovens, é uma pos­si­bil­i­dade muito grande de ter políti­cas de desa­parec­i­men­to, de inves­ti­gação e mais artic­u­lação entre os serviços públi­cos em favor dessas pes­soas”, disse Lúcia.

“O que a gente espera é que essa sen­tença seja basi­lar como foi a da Maria da Pen­ha, em relação à vio­lên­cia con­tra as mul­heres, e que se con­strua todo um arcabouço de atu­ação do Esta­do brasileiro em defe­sa dessa pop­u­lação”.

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