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Chuvas no RS afetam vida de quilombolas e pequenos agricultores

Repro­dução: © Comu­ni­cação MPA

Isolamento, perdas de casas e de plantações estão entre os prejuízos


Publicado em 07/05/2024 — 07:48 Por Rafael Cardoso — Repórter da Agência Brasil — Brasília

Casas, galpões e cur­rais destruí­dos. Plan­tações inun­dadas e col­heitas per­di­das. Gal­in­has, por­cos e vacas lev­a­dos pela força das águas. Uma real­i­dade “triste e des­o­lado­ra”, afir­mam pequenos agricul­tores, assen­ta­dos e quilom­bo­las que lidam com as difer­entes per­das provo­cadas pelas chu­vas no Rio Grande do Sul. O esta­do vem sofren­do com enchentes e inun­dações há uma sem­ana.

Entre as regiões mais atingi­das estão o Vale do Rio Par­do e o Vale do Taquari, no cen­tro do esta­do. Miqueli Sturbelle Schi­avon mora no municí­pio de San­ta Cruz do Sul e está na direção estad­ual do Movi­men­to dos Pequenos Agricul­tores (MPA). Ele rela­ta que tra­bal­hadores e famílias vivem uma tragé­dia sem prece­dentes no cam­po.

“Os agricul­tores que estavam nas mar­gens dos rios Par­do, Taquari, Jacuí perder­am casas, ani­mais e máquinas. Out­ros ain­da nem con­seguem cal­cu­lar as per­das, porque não con­seguiram voltar para ver as pro­priedades. A chu­va tam­bém prej­u­di­cou tan­to as pro­duções de sub­sistên­cia, como aque­las voltadas para o mer­ca­do e a manutenção das famílias”, diz Miqueli. “Os agricul­tores das regiões mais altas sofrem com desliza­men­tos de ter­ra e soter­ra­men­tos de casas. Ain­da não exis­tem infor­mações muito conc­re­tas sobre mortes na área rur­al. E boa parte das pro­duções tam­bém foi lev­a­da pelas enx­ur­radas”.

Enquan­to lida com os estra­gos atu­ais, Miqueli tam­bém se pre­ocu­pa com o futuro da região depois que as chu­vas pas­sarem.

Chuvas no RS: impactos na vida de quilombolas e pequenos agricultores. - Miqueli Sturbelle. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Miqueli Sturbelle, da direção estad­ual do Movi­men­to dos Pequenos Agricul­tores — Foto Arqui­vo pes­soal

“Essas famílias nec­es­sari­a­mente vão pre­cis­ar de um apoio muito grande dos gov­er­nos fed­er­al, estad­ual e munic­i­pais para reestru­tu­rar as pro­priedades. Para com­pra ani­mais e equipa­men­tos. E tam­bém de apoio para manutenção das famílias com ali­men­tação, água e luz por um perío­do, porque perder­am prati­ca­mente tudo”.

Enquan­to essa aju­da não chega, a sol­i­dariedade entre viz­in­hos e out­ras for­mas de orga­ni­za­ção comu­nitária são fun­da­men­tais para min­i­mizar os prob­le­mas. A Comis­são Pas­toral da Ter­ra (CPT) é uma das insti­tu­ições que tem tido atu­ação deci­si­va em San­ta Cruz do Sul. Mau­rí­cio Queiroz tra­bal­ha na dio­cese local e é uma das lid­er­anças da CPT. As difi­cul­dades de loco­moção e de comu­ni­cação têm difi­cul­ta­do que o tra­bal­ho seja ampli­a­do para áreas próx­i­mas.

“Ain­da não con­seguimos vis­i­tar os agricul­tores que foram atingi­dos. Eu quase fiquei sem gasoli­na, porque os pos­tos não têm com­bustív­el. Pre­visão era que chegasse hoje, mas não acon­te­ceu. Esta­mos com difi­cul­dades de loco­moção e os aces­sos estão muito difí­ceis, com bar­ro e out­ras obstruções nas estradas”, con­ta Mau­rí­cio. “É algo que a gente nun­ca tin­ha vis­to antes. A água chegou a lugares que nem imag­i­na­va que pudesse chegar. Os pre­juí­zos são de todo tipo. Há impactos econômi­cos nos empreendi­men­tos e no comér­cio em ger­al. Agricul­tores perder­am casas, galpões, maquinário. E há a dor das famílias e das víti­mas, que a gente vai enten­der mel­hor quan­do pud­er visi­ta-las e ter uma dimen­são mel­hor do que acon­te­ceu”, con­ta Mau­rí­cio.

Na região met­ro­pol­i­tana de Por­to Ale­gre, a real­i­dade tam­bém é de iso­la­men­to e de destru­ição. Luiz Antônio Pasi­na­to é mem­bro da CPT local e tem tido mui­ta difi­cul­dade para se comu­nicar com agricul­tores e assen­ta­dos.

“Ten­tei faz­er con­ta­to com vários agricul­tores e eles não dão respos­ta. Cer­ta­mente, estão enfrentan­do essa enchente e ten­tan­do sal­var suas vidas. Porque roças e lavouras de hor­tifruti­granjeiros foram total­mente destruí­das. Toda essa região aqui foi afe­ta­da. Muitas famílias e pequenos agricul­tores plan­tam ver­duras para com­er­cializar nas feiras de Por­to Ale­gre. A maio­r­ia que tin­ha plan­tações de inver­no acabou per­den­do tudo e está iso­la­da por causa das estradas blo­queadas”, rela­ta Luiz Antônio.

O que já se esti­ma é que serão necessários mil­hões de reais para recon­stru­ir a infraestru­tu­ra dos municí­pios atingi­dos. Mas Luiz Antônio entende que é pre­ciso ir além e inve­stir no plane­ja­men­to para que desas­tres como esse não se repi­tam.

“Primeiro, pre­cisamos tra­bal­har a con­sci­en­ti­za­ção das pes­soas. Porque há muito nega­cionis­mo climáti­co. A gente vai ter que enfrentar com sabedo­ria e inteligên­cia os prob­le­mas. Pro­te­ger nos­so meio ambi­ente é uma questão-chave. E pre­cisamos dis­cu­tir que mod­e­lo de agri­cul­tura quer­e­mos implan­tar, que não deprede os man­an­ciais. Dis­cu­tir uma políti­ca habita­cional, prin­ci­pal­mente para as cidades que estão nas beiras dos rios e para as famílias que vivem em áreas de risco. E a sociedade civ­il tem que ser incluí­da nos comitês de geren­ci­a­men­to das bacias hidro­grá­fi­cas e nos debates ambi­en­tais”.

Tan­to o Movi­men­to dos Pequenos Agricul­tores quan­to a Comis­são Pas­toral da Ter­ra par­tic­i­pam da cam­pan­ha “Mis­são Sementes de Sol­i­dariedade: Emergên­cia”, lança­da em setem­bro de 2023, e reforça­da com os tem­po­rais de maio. Elas pedem doações para aju­dar aque­les que foram mais atingi­dos pelo desas­tre. Os val­ores podem ser des­ti­na­dos para a con­ta da Cári­tas Brasileira, por meio do PIX: 33654419/0010–07 (CNPJ) ou depósi­to bancário. Con­ta cor­rente 55.450–2, agên­cia 1248–3 (Ban­co do Brasil).

Impactos nos assentamentos

A direção estad­ual do Movi­men­to dos Tra­bal­hadores Rurais Sem Ter­ra (MST) tam­bém cal­cu­la um impacto grande para os que vivem nos assen­ta­men­tos da região met­ro­pol­i­tana. Cin­co deles ficaram sub­mer­sos em decor­rên­cia das chu­vas. Em Eldo­ra­do do Sul, estão nes­sa situ­ação os assen­ta­men­tos Inte­gração Gaúcha (IRGA), Apolônio de Car­val­ho e Con­quista Nonoaiense (IPZ). Em Nova San­ta Rita, os assen­ta­men­tos San­ta Rita de Cás­sia e do Sino. Pelo menos 420 famílias foram afe­tadas pelos alaga­men­tos.

Mauri­cio Roman, da direção estad­ual do MST, acred­i­ta que ain­da vai demor­ar mais de uma sem­ana para que os tra­bal­hadores pos­sam voltar para os assen­ta­men­tos e avaliar com pre­cisão o taman­ho dos pre­juí­zos.

Chuvas no RS: impactos na vida de quilombolas e pequenos agricultores. - Maurício Roman. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Mau­rí­cio Roman, da direção estad­ual do MST — Foto Arqui­vo pes­soal

“Assim que as águas baixarem e per­mi­tirem a nos­sa entra­da, que acred­i­ta­mos ser daqui a dez dias, decidi­mos pri­orizar a região de Eldo­ra­do. Para ten­tar sal­var a Cootap [Coop­er­a­ti­va dos Tra­bal­hadores Assen­ta­dos da Região de Por­to Ale­gre], que foi ala­ga­da. Não temos ain­da con­hec­i­men­to do que tin­ha lá den­tro e foi mol­ha­do, nem quan­to do estoque foi per­di­do”, expli­ca Mauri­cio Roman.

Sobre col­hei­ta e maquinário, é pos­sív­el esti­mar que o impacto tam­bém foi grande.

“Nós ain­da tín­hamos uma pro­jeção de col­her arroz. Porque como sofre­mos a primeira enchente em novem­bro, plan­ta­mos fora da janela agrí­co­la, e está­va­mos em fase de col­her ess­es grãos. Já sabe­mos que mais de 50% dessa pro­dução foi prej­u­di­ca­da. Perdemos algu­mas máquinas, alguns cam­in­hões, que eram muito impor­tantes para o movi­men­to na con­strução dos vales, no lev­an­ta­men­to de água, na pro­dução do arroz. Lamen­tavel­mente, sabe­mos que hou­ve um pre­juí­zo em grande parte da estru­tu­ra, mas ain­da vamos dimen­sion­ar a gravi­dade”, diz o diri­gente do MST.

O movi­men­to está orga­ni­zan­do uma cam­pan­ha de apoio à pop­u­lação do cam­po e de sol­i­dariedade às famílias atingi­das nos assen­ta­men­tos. Para con­tribuir finan­ceira­mente, as doações podem ser feitas pelo pix: [email protected].

Comunidades quilombolas

Quem vive nos quilom­bos, sofre fre­quente­mente com os dese­qui­líbrios climáti­cos e con­vive his­tori­ca­mente com difer­entes impactos neg­a­tivos cau­sa­dos pelas chu­vas. Essa é a avali­ação de Rober­to Potá­cio Rosa, mem­bro fun­dador da Fed­er­ação das Comu­nidades Tradi­cionais Quilom­bo­las do Rio Grande do Sul.

Ele vive na comu­nidade de São Miguel, no municí­pio de Restin­ga Seca, na região cen­tral do esta­do. Ape­sar do iso­la­men­to e das difi­cul­dades de comu­ni­cação, diz que os impactos não foram tão grandes como nos quilom­bos de out­ras partes do esta­do.

“Sabe­mos que as comu­nidades quilom­bo­las urbanas, na região met­ro­pol­i­tana de Por­to Ale­gre, em Canoas, Chá­cara das Rosas e out­ras ali per­to estão em situ­ação grave. Há mora­dias sub­m­er­sas e pes­soas em abri­gos. No inte­ri­or, temos pou­cas infor­mações, porque esta­mos sem con­ta­to. Não temos uma qual­i­dade de sinal lá para poder faz­er a dev­i­da comu­ni­cação. Mas é uma situ­ação muito pre­ocu­pante”, diz Potá­cio.

Chuvas no RS: impactos na vida de quilombolas e pequenos agricultores. - Roberto Potácio, líder quilombola. Foto: Arquivo Pessoal
Repro­dução: Rober­to Potá­cio, líder quilom­bo­la do Rio Grande do Sul — Foto Arqui­vo pes­soal

Para o líder comu­nitário, real­i­dades extremas como as de ago­ra deix­am ain­da mais em evidên­cia a situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade dos povos quilom­bo­las. Além da pre­ocu­pação com os desa­pare­ci­dos, há um impacto econômi­co ime­di­a­to nas famílias.

“A maio­r­ia da econo­mia de sub­sistên­cia das comu­nidades vem das aposen­ta­do­rias. São poucos os que têm carteira de tra­bal­ho assi­na­da. Então, há um impacto orça­men­tário em toda a comu­nidade com esse iso­la­men­to, porque essas pes­soas não con­seguem se loco­mover, tra­bal­har, ficam sem rece­ber um tostão, não têm paga­men­to para dar con­ta das neces­si­dades”, avalia Potá­cio. “Tam­bém temos impactos na parte ali­men­tí­cia, de saúde, edu­cação. E o deses­pero daque­les que não estão con­seguin­do falar com os famil­iares. Esper­amos que este­jam todos bem, que essa tem­pes­tade não ten­ha ceifa­do muitas vidas”.

O Min­istério da Igual­dade Racial infor­mou que está mon­i­toran­do a situ­ação, espe­cial­mente em comu­nidades quilom­bo­las, ciganas e povos tradi­cionais de matriz africana e de ter­reiros atingi­dos pelas enchentes. Garan­tiu que tem artic­u­la­do com out­ros min­istérios e movi­men­tos soci­ais o envio de ces­tas bási­cas e itens de primeira neces­si­dade.

Segun­do a pas­ta, o Rio Grande do Sul tem mais de 7 mil famílias quilom­bo­las e aprox­i­mada­mente 1–300 famílias de comu­nidades tradi­cionais de matriz africana e ter­reiros. E muitas delas estão ilhadas, sem aces­so à água, ener­gia e ali­men­to.

Edição: Graça Adju­to

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