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Cientistas propõem criação de APA entre Noronha e Ceará

Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Exploração de petróleo ameaça biodiversidade no litoral do Nordeste


Pub­li­ca­do em 31/10/2023 — 07:29 Por Vitor Abdala – Repórter da Agên­cia Brasil — Taman­daré (PE)*

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Duas cadeias de montes e ban­cos sub­mer­sos no litoral nordeste do Brasil, for­madas por ativi­dades vul­câni­cas no assoal­ho do Oceano Atlân­ti­co, são foco de pre­ocu­pação de pesquisadores espe­cial­iza­dos na bio­di­ver­si­dade mar­in­ha. Dis­pos­tos para­le­la­mente às costas do Ceará e Rio Grande do Norte, ess­es aci­dentes geológi­cos se esten­dem por cer­ca de 1,3 mil quilômet­ros na margem equa­to­r­i­al brasileira. 

Ape­sar de se esten­derem por cen­te­nas de quilômet­ros, as cadeias têm ape­nas duas porções que rompem a super­fí­cie da água e bro­tam no oceano como ilhas: o Atol das Rocas e o arquipéla­go de Fer­nan­do de Noron­ha, ambas na cadeia de Fer­nan­do de Noron­ha. A cadeia Norte Brasileira, situ­a­da um pouco mais ao norte, é com­ple­ta­mente sub­m­er­sa.

30/10/2023 - APA - Ceará - Noronha. Vista do litoral do Nordeste visto pelo Google Earth. Foto: Print/Google Earth
Repro­dução: Cadeias de montes e ban­cos sub­mer­sos no litoral nordeste do Brasil — Print/Google Earth

Isso não faz mui­ta difer­ença para os pesquisadores porque, na ver­dade, é na parte sub­ma­ri­na que se encon­tra grande parte da bio­di­ver­si­dade mar­in­ha. Nos topos dos montes, ali­men­tadas por nutri­entes lev­a­dos do fun­do do oceano por ressurgên­cias (tipo de cor­rente mar­in­ha), exis­tem for­mações de corais que têm atraí­do a atenção de cien­tis­tas.

» Clique aqui e leia todas as reporta­gens da Agên­cia Brasil sobre os recifes de corais no litoral do Nordeste

E é jus­ta­mente essa parte sub­m­er­sa que está mais ameaça­da. Ela faz parte da chama­da Bacia Potiguar e foi incluí­da na 17ª roda­da de lic­i­tação para explo­ração de petróleo e gás da Agên­cia Nacional de Petróleo (ANP), real­iza­da em 2021.

Os blo­cos que se sobrepõem aos ban­cos vul­câni­cos de Guará, Sir­ius e Touros não rece­ber­am pro­postas de petrolíferas e, por isso, não foram leiloa­d­os. Mas o risco para a região prossegue, segun­do os cien­tis­tas envolvi­dos com as pesquisas de bio­di­ver­si­dade no Nordeste, já que alguns blo­cos con­tin­u­am sendo incluí­dos na Ofer­ta Per­ma­nente de Con­cessão (OPC) da ANP.

Segun­do a ANP, há inclu­sive empre­sas inter­es­sadas em arrematar blo­cos do setor SPOT-AP2, que se sobrepõe par­cial­mente aos ban­cos de corais, já na próx­i­ma sessão da OPC, que ocorre no dia 13 de dezem­bro.

30/10/2023, Blocos Exploratórios - Bacia Potiguar. Foto: ANP
Repro­dução: Blo­cos explo­ratórios na Bacia Potiguar que coin­ci­dem com os ban­cos sub­mer­sos — Imagem ANP

Área de Proteção Ambiental

Pesquisadores do Cen­tro Nacional de Pesquisa e Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade Mar­in­ha do Nordeste (Cepene), vin­cu­la­do ao Insti­tu­to Chico Mendes de Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade (ICM­Bio), e da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Per­nam­bu­co (UFPE) defen­d­em a cri­ação da Área de Pro­teção Ambi­en­tal (APA) dos Ban­cos de Noron­ha e Ceará.

Tamandaré (PE), 25/10/2023 - Monitoramento do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene) no recife Pirambu, na APA Costa dos Corais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Mon­i­tora­men­to do Cen­tro de Pesquisa e Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade Mar­in­ha do Nordeste no recife Piram­bu, em Taman­daré (PE) — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

A área pro­pos­ta pelos pesquisadores se estende por 22,7 mil­hões de hectares. “Vários dess­es ban­cos não têm nen­hum nív­el de pro­teção. Os úni­cos que têm são Atol das Rocas e Fer­nan­do de Noron­ha”, afir­ma Mau­ro Mai­da, pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Oceanografia da UFPE.

Mai­da está à frente do Sas­san­ga, um sis­tema de mon­i­tora­men­to remo­to de vídeos sub­mari­nos que vem mape­an­do a região. Segun­do ele, a área dos ban­cos de Noron­ha e Ceará con­tém for­mações com até 100% de cober­tu­ra de corais em alguns pon­tos não pro­te­gi­dos.

“É a maior cober­tu­ra viva de coral em um recife no Brasil. Ess­es ban­cos são recon­heci­da­mente impor­tantes pela ONU [Orga­ni­za­ção das Nações Unidas]. O gov­er­no tem que cri­ar uma unidade de con­ser­vação, senão vamos perder isso.”

Recen­te­mente, pesquisas com o Sas­san­ga encon­traram um recife de coral, antes descon­heci­do, ao sul de Fer­nan­do de Noron­ha.

“Só se imag­i­na­va que os recifes de Noron­ha fos­sem nos Dois Irmãos. A gente con­seguiu mapear esse [novo] recife, que tem 24 quilômet­ros quadra­dos (km²), local­iza­do a 50 met­ros de pro­fun­di­dade. É um dos maiores ban­cos de Mon­tas­trea cav­er­nosa [espé­cie de coral] do Brasil”, desta­ca.

Tamandaré (PE), 25/10/2023 - Coral Montastraea cavernosa no recife Pirambu, na APA Costa dos Corais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Coral Mon­tas­traea cav­er­nosa no recife Piram­bu, em Taman­daré (PE) — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Preservação

As pesquisas na região de Noron­ha tam­bém der­am origem a out­ra pro­pos­ta: proibir a pesca em partes do entorno do arquipéla­go para recu­per­ar a pop­u­lação de peix­es no local.

A ideia é que a APA dos Ban­cos de Noron­ha e Ceará ten­ha áreas fechadas para a pesca tam­bém, nos pon­tos dos recifes de corais, local­iza­dos nos ban­cos sub­mer­sos. Segun­do Mai­da, o mapea­men­to dos ban­cos deve ser con­cluí­do em uma expe­dição, a ser real­iza­da em janeiro.

Em segui­da, será ini­ci­a­do o proces­so para a cri­ação da APA, que depen­derá de autor­iza­ção do Min­istério do Meio Ambi­ente e da Presidên­cia da Repúbli­ca, segun­do o pesquisador.

O Brasil tem cer­ca de 20 unidades de con­ser­vação que pro­tegem ambi­entes reci­fais, sendo a Reser­va Biológ­i­ca de Atol das Rocas, cri­a­da em 1979, a mais anti­ga delas. Ape­sar dis­so, ape­nas uma peque­na parcela é total­mente pro­te­gi­da da ação do homem (pesca, tur­is­mo ou qual­quer tipo de explo­ração).

“Se você jun­tar todas as áreas pro­te­gi­das, onde você não pode pescar ou destru­ir habi­tat, a área é de um pequeno pon­to, em relação ao resto da Amazô­nia Azul. Nos out­ros lugares, você pode faz­er o que quis­er: pode matar tudo, pode destru­ir o recife de coral, pode faz­er o que quis­er”, aler­ta Mai­da.

Costa dos Corais

Tamandaré (PE), 25/10/2023 - Monitoramento do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene) no recife Pirambu, na APA Costa dos Corais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Mon­i­tora­men­to do Cepene no recife Piram­bu, em Taman­daré — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Na APA Cos­ta dos Corais, que se estende entre os litorais de Taman­daré, em Per­nam­bu­co, e a cap­i­tal alagoana, Maceió, existe uma peque­na área fecha­da para a pesca e o tur­is­mo.

Ali, des­de 1999, os pesquisadores vêm mon­i­toran­do o efeito dessa preser­vação para a saúde do recife de coral. “A gente teve uma mudança na estru­tu­ra do coral. Antes [do fechamen­to da área], tin­ha muito ouriço-do-mar. Os ouriços nat­u­ral­mente foram sumin­do por predação de lagos­ta, de out­ros bichos. A estru­tu­ra do ecos­sis­tema mudou muito. Sem falar na quan­ti­dade de peixe que tin­ha sum­i­do dos recifes daqui e que voltaram, como os budiões bico-verde [Scarus trispinosus, endêmi­ca do Brasil, em peri­go de extinção]”.

Aos 63 anos, Bin­ho Mendes hoje está aposen­ta­do e não pre­cisa mais pescar para sobre­viv­er, mas con­tin­ua jogan­do suas tar­rafas nas pra­ias de Taman­daré, para com­ple­men­tar suas refeições. Muitas vezes, recorre ao recife para prov­i­den­ciar seu pesca­do.

“Faz 20 e poucos anos que essa área tá proibi­da. Os pescadores respeitam a área, porque a gente sabe que assim não aca­ba com as pop­u­lações dos peix­es”, afir­mou o pescador, enquan­to arras­ta­va sua peque­na canoa, car­rega­da com sardinhas, de vol­ta à areia da pra­ia de Taman­daré.

Cepene

Tamandaré (PE), 25/10/2023 - O oceanógrafo Leonardo Messias coordena o Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), na APA Costa dos Corais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: O oceanó­grafo Leonar­do Mes­sias coor­de­na o Cen­tro de Pesquisa e Con­ser­vação da Bio­di­ver­si­dade Mar­in­ha do Nordeste (Cepene) — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

A área fecha­da para a pesca e o tur­is­mo fica em frente à sede do Cepene, órgão gov­er­na­men­tal volta­do para as pesquisas de con­ser­vação da bio­di­ver­si­dade mar­in­ha do Nordeste.

O cen­tro de pesquisas, cri­a­do em 1983, como um suces­sor da Esco­la de Pesca de Taman­daré, tin­ha ini­cial­mente a função de desen­volver a ativi­dade pesqueira no Nordeste.

Dez anos depois, com a chega­da de pesquisadores da UFPE, o cen­tro começou a desen­volver ações de pesquisa, con­ser­vação e mane­jo dos recifes de coral. Foi nes­sa época, em 1993, que começou a movi­men­tação para a cri­ação da APA Cos­ta dos Corais.

“Existe um proces­so de extinção das espé­cies [mar­in­has]. Várias espé­cies de peix­es, crustáceos, inver­te­bra­dos em ger­al estão ameaçadas de extinção. Os ecos­sis­temas de corais são muito diver­sos. Apre­sen­tam diver­si­dade de peix­es, lagostas, camarões, molus­cos, além dos mamífer­os e das tar­taru­gas tam­bém. Então, hoje uma das funções do cen­tro de pesquisa é pro­mover, desen­volver ações de pesquisa e mon­i­tora­men­to, e tam­bém pro­por ati­tudes de recu­per­ação tan­to das espé­cies como dos ambi­entes”, expli­ca o coor­de­nador do Cepene, Leonar­do Mes­sias.

Tamandaré (PE), 25/10/2023 - O Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), na APA Costa dos Corais. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Repro­dução: Sede do Cepene, em Taman­daré — Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

ANP

Por meio de nota, a ANP infor­mou que a agên­cia segue uma res­olução do Con­sel­ho Nacional de Políti­ca Energéti­ca (CNPE), que esta­b­elece que a out­or­ga de áreas levará em con­sid­er­ação estu­dos de avali­ação ambi­en­tais de bacias sed­i­menta­res.

“Alter­na­ti­va­mente, para as áreas cujos estu­dos ain­da não ten­ham sido con­cluí­dos, as avali­ações sobre pos­síveis restrições ambi­en­tais serão sus­ten­tadas por man­i­fes­tação con­jun­ta do Min­istério de Minas e Ener­gia (MME) e do Min­istério do Meio Ambi­ente (MMA). É impor­tante destacar que a aprovação de inclusão dos blo­cos pelos min­istérios nas rodadas de lic­i­tações não sig­nifi­ca aprovação táci­ta para o licen­ci­a­men­to ambi­en­tal”, diz a nota da ANP.

De acor­do com a agên­cia, qual­quer ativi­dade de explo­ração ou pro­dução exi­girá um detal­ha­do proces­so de licen­ci­a­men­to ambi­en­tal.

“O licen­ci­a­men­to ambi­en­tal real­iza­do pelos órgãos ambi­en­tais com­pe­tentes é condição obri­gatória para a real­iza­ção de qual­quer ativi­dade em um blo­co sob con­tra­to”.

*A equipe da Agên­cia Brasil via­jou a con­vite da Fun­dação Grupo Boticário 

Edição: Denise Griesinger

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