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Clubes de livros estimulam leitura, vínculos e pensamento crítico

Pesquisa mostra que mais da metade dos brasileiros não lê livros

Fran­ciel­ly Bar­bosa* — Estag­iária da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 15/12/2024 — 10:45
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro (RJ), 12/12/2024 - Suzana Vargas (vermelho) conduz Clube do Livro do CCBB-RJ com Frei Betto. Foto: Alexandre Brum/Clube do Livro CCBB-RJ
Repro­dução: © Alexan­dre Brum/Clube do Livro CCBB-RJ

Leito­ra insaciáv­el des­de a ado­lescên­cia, a escrito­ra, cordelista e poeta Jarid Arraes quis ir além da leitu­ra e da escri­ta em sua relação com os livros. O dese­jo de com­par­til­har seu inter­esse pela lit­er­atu­ra de hor­ror foi o que a lev­ou, no iní­cio deste ano, a fun­dar o Encruzil­ha­da, um clube de leitu­ra ded­i­ca­do a dis­cu­tir os mais diver­sos aspec­tos que uma boa história de ter­ror pode abor­dar.

“Que­ria mostrar para as pes­soas que muitas questões com­plexas, questões soci­ais e dis­cussões sobre a nos­sa existên­cia, foram rep­re­sen­tadas na lit­er­atu­ra de hor­ror. Então, criei o clube para me aprox­i­mar de out­ras pes­soas que tam­bém gostam de hor­ror, mas não só. No clube exis­tem muitas pes­soas que até então nun­ca tin­ham lido nada de hor­ror”.

São Paulo (SP), 13/12/2023 - A escritora e poeta Jarid Arraes. Foto: Biblioteca de São Paulo/Divulgação
Repro­dução: Para a escrito­ra e poeta Jarid Arraes os clubes de leitu­ra são impor­tantes porque cri­am comu­nidades de leitores que con­seguem ampli­ar o seu alcance e atrair novas pes­soas. Foto — Bib­liote­ca de São Paulo/Divulgação

Nasci­da em Juazeiro do Norte, no Ceará, a auto­ra de Rede­moin­ho em dia quenteHeroí­nas Negras Brasileiras em 15 cordéis e Cor­po des­feito com­par­til­ha que o cordel, a esco­la e a inter­net foram impor­tantes para o seu aces­so à lit­er­atu­ra. “Fui usan­do a inter­net para ter mais aces­so, porque na min­ha cidade não tin­ha livraria onde eu pudesse com­prar livros”.

Os clubes de leitu­ra, para a escrito­ra, são impor­tantes porque cri­am comu­nidades de leitores que con­seguem ampli­ar o seu alcance e atrair novas pes­soas. Isso porque quem não se inter­es­sa na mes­ma medi­da pela leitu­ra, ao ver pes­soas con­heci­das par­tic­i­pan­do de reuniões com out­ros leitores, pode se inter­es­sar e quer­er faz­er parte. “Para mim, então, a coisa mais impor­tante dos clubes de leitu­ra é o fator da comu­nidade”, afir­ma.

Clubes de leitura

Segun­do a pro­fes­so­ra do Depar­ta­men­to de Letras da Uni­ver­si­dade do Esta­do do Rio de Janeiro (Uerj), Mar­cia Lis­bôa Cos­ta de Oliveira, os clubes são his­tori­ca­mente espaços de encon­tro. Eles ocor­rem de for­ma cole­ti­va e dialóg­i­ca, mes­mo quan­do são orga­ni­za­dos por insti­tu­ições públi­cas ou pri­vadas.

“Os clubes de leitu­ra podem aprox­i­mar dos livros aque­les que atual­mente se posi­cionam como não-leitores. Ler com um grupo que se reúne a par­tir de cer­tas afinidades é um grande estí­mu­lo tam­bém ao desen­volvi­men­to de uma pos­tu­ra críti­ca diante dos tex­tos e do mun­do, pelo con­ta­to com difer­entes con­hec­i­men­tos e múlti­p­los pon­tos de vista”, ressalta.

Um exem­p­lo é o Clube de Leitu­ra do Cen­tro Cul­tur­al do Ban­co do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. O clube, cri­a­do durante a pan­demia, começou com um pequeno grupo de leitores em 2022. No ano seguinte, de acor­do com infor­mações do CCBB, a quan­ti­dade de públi­co cresceu 163%, chegan­do a 1.243 pes­soas. Entre março e novem­bro deste ano, foram aprox­i­mada­mente 1.100 pes­soas par­tic­i­pan­do dos encon­tros.

As reuniões ocor­rem com medi­ação e curado­ria de Suzana Var­gas, auto­ra de Leitu­ra: Uma Apren­diza­gem de Praz­er, que ressalta o poten­cial dos encon­tros como ativi­dade cul­tur­al.

“O obje­ti­vo é des­per­tar as pes­soas para o praz­er da leitu­ra. Sem­pre defen­di a tese que não impor­ta o suporte da leitu­ra, o impor­tante é que o leitor perce­ba que ler é praze­roso, que ler é uma questão de for­mação e apren­diza­gem”, desta­ca.

Ao lon­go de 2024, vários escritores pas­saram pelo CCBB, sendo os últi­mos autores Ita­mar Vieira Junior, de Torto Ara­doSal­var o Fogo e Dora­mar ou a odis­seia: Histórias;, Jef­fer­son Tenório, de Estela sem DeusO Aves­so da Pele e De onde eles vêm; e Frei Bet­to, de Jesus mil­i­tante: Evan­gel­ho e pro­je­to políti­co no Reino de Deus e Jesus rebelde: Mateus, o Evan­gel­ho da rup­tura.

“Acred­i­to muito na leitu­ra como praz­er, então, quan­do colo­camos a leitu­ra no CCBB, tan­to na for­ma de roda de leitu­ra como na for­ma de clube, esta­mos colo­can­do a leitu­ra como for­ma de laz­er den­tro de um cen­tro cul­tur­al”, desta­ca Var­gas.

Desafios

Con­forme a 6⁠ª edição da pesquisa Retratos da Leitu­ra no Brasil, o país teve uma redução de 6,7 mil­hões de leitores. Divul­ga­do em 2024, o lev­an­ta­men­to real­iza­do pelo Insti­tu­to Pró-Livro tam­bém trouxe que a pro­porção de não-leitores foi maior que a de leitores, pela primeira vez na série históri­ca. Nos três meses ante­ri­ores à pesquisa, 53% das pes­soas não ler­am nem parte de um livro — seja impres­so ou dig­i­tal — de qual­quer gênero, incluin­do livros didáti­cos e reli­giosos. Con­sideran­do ape­nas livros inteiros lidos no mes­mo perío­do, o per­centu­al foi de 27%.

Um dos prin­ci­pais desafios para a for­mação de leitores, segun­do Jar­rid Arraes, é jus­ta­mente o aces­so ao livro. “É con­seguirmos trans­for­mar a lit­er­atu­ra em algo inter­es­sante e acessív­el para todas as pes­soas, porque muitas têm ideia que os livros e a lit­er­atu­ra são coisas muito int­elec­tu­ais, muito inal­cançáveis e só pes­soas de deter­mi­na­da classe podem se rela­cionar com a lit­er­atu­ra”, diz. “Na ver­dade, acho que já temos muitos exem­p­los de pes­soas que cri­am lit­er­atu­ra que pode ser mais rela­cionáv­el com as pes­soas”, com­ple­ta.

A cordelista enfa­ti­za a neces­si­dade de demon­strar às pes­soas que elas podem se iden­ti­ficar com a lit­er­atu­ra, que tam­bém pode atu­ar como entreten­i­men­to e diver­ti­men­to.

“Pre­cisamos tirar a lit­er­atu­ra de um pedestal e pub­licar mais pes­soas com mais diver­si­dade, de difer­entes regiões do Brasil e que escrevem de maneiras difer­entes para exi­s­tir uma democ­ra­ti­za­ção da lit­er­atu­ra, começan­do pelo próprio mer­ca­do edi­to­r­i­al. Se não con­seguimos faz­er com que a lit­er­atu­ra seja comum e de todos no mer­ca­do edi­to­r­i­al, como vamos con­seguir faz­er isso em sociedade?”.

Além da iden­ti­fi­cação com a lit­er­atu­ra, Már­cia Oliveira apon­ta para fatores socioe­conômi­cos, ressaltan­do car­ac­terís­ti­cas do cotid­i­ano da maio­r­ia dos brasileiros. De acor­do com a pro­fes­so­ra, “quem tra­bal­ha muito, gan­ha pouco, pas­sa horas no deslo­ca­men­to entre casa e tra­bal­ho, tem pouco aces­so à edu­cação de qual­i­dade e a livros sem cus­to ou a baixo cus­to, sejam impres­sos ou dig­i­tais, difi­cil­mente se apro­pri­ará da leitu­ra, quan­do sequer lhe sobra tem­po para viv­er”.

Out­ro pon­to rel­e­vante para Már­cia é o aces­so à ren­da: ape­sar de exi­s­tirem clubes de leitu­ra em espaços que não exigem a aquisição de livros ou o paga­men­to de men­sal­i­dades para par­tic­i­par, faz­er parte deles ain­da deman­da tem­po dos leitores, nem sem­pre abun­dante.

“No Brasil, os livros sem­pre foram e ain­da são para poucos. Con­stru­ir uma cul­tura de leitu­ra pode­ria ser uma grande trans­for­mação, mas isso leva tem­po. Pre­cisamos de políti­cas de esta­do que fomentem o aces­so à leitu­ra e garan­tam a disponi­bil­i­dade de mate­ri­ais, para além da leitu­ra esco­lar, assim como da mobi­liza­ção da sociedade civ­il orga­ni­za­da para ten­tar mudar o cenário atu­al, em que quase metade da pop­u­lação brasileira não tem o dire­ito à leitu­ra garan­ti­do”, avalia.

Segun­do o 9º Painel de Vare­jo de Livros no Brasil, pro­duzi­do pelo Sindi­ca­to Nacional dos Edi­tores de Livros (SNEL), o preço médio do livro no país subiu 12,20%, atingin­do R$ 51,48. Em com­para­ção, o salário mín­i­mo em 2024 é de R$ 1.412,00

Incentivo à leitura

A pesquisa real­iza­da pelo Insti­tu­to Pró-Livro em 208 municí­pios tam­bém trouxe dados sobre o con­sumo de livros com relação à iden­ti­dade de gênero, idade e região. Os resul­ta­dos indicam que maio­r­ia dos leitores cor­re­sponde ao gênero fem­i­ni­no (50,4%), sendo a faixa etária de 11 a 13 anos a que mais lê (81%). Nesse pon­to, o relatório apon­ta que livros didáti­cos tam­bém foram con­sid­er­a­dos para a inves­ti­gação, poden­do ser um dos motivos para a maior pro­porção de leitores com essa idade.

Quan­to ao aspec­to geográ­fi­co, a Região Sul apre­sen­tou a maior pro­porção de leitores (53%). Em segui­da, surgem as regiões Norte (48%), Cen­tro-Oeste (47%), Sud­este (46%) e Nordeste (43%), desta­can­do-se com a menor quan­ti­dade.

“É difí­cil explicar essa difer­ença, ten­do em vista a com­plex­i­dade dos fatores envolvi­dos, porém, é notória a dis­pari­dade entre as regiões brasileiras. Essa pode ser uma pista para o entendi­men­to da dis­tribuição entre leitores e não-leitores no Brasil. A Região Sul, em con­trapon­to à Região Nordeste, apre­sen­ta um dos mais baixos índices de anal­fa­betismo do país (3%) e tem a ter­ceira maior ren­da per capi­ta média do país”, obser­va Már­cia.

Diante dos dados apre­sen­ta­dos pela pesquisa, a pro­fes­so­ra reforça a neces­si­dade de políti­cas de esta­do voltadas para o fomen­to à leitu­ra, com foco, prin­ci­pal­mente, na for­mação de pro­fes­sores, bib­liotecários e agentes de leitu­ra, além da importân­cia de pro­gra­mas de imple­men­tação de bib­liote­cas públi­cas e de ampli­ação dos acer­vos literários em esco­las. “Assim como espaços comu­nitários de difer­entes per­fis, além de cam­pan­has de val­oriza­ção da leitu­ra como fonte de praz­er e aces­so a difer­entes for­mas de con­hec­i­men­to”.

Pro­fes­so­ra do Insti­tu­to de Letras da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF), Ana Isabel Borges afir­ma que “qual­quer ativi­dade que aprox­ime as pes­soas à leitu­ra é pos­i­ti­va, sem dúvi­da”, incluin­do os clubes de leitu­ra. “Acred­i­to que os clubes de leitu­ra podem fun­cionar bem, se con­seguirem reunir pes­soas para con­ver­sar sobre o que estão lendo. Não bas­ta infor­mar ‘estou lendo isso’ ou ‘estou lendo aqui­lo’: é pre­ciso tro­car ideias”.

Em entre­vista à reportagem, a pesquisado­ra traz que, para que o número de leitores no Brasil cresça e volte a ser supe­ri­or à quan­ti­dade de não-leitores, é pre­ciso ofer­e­cer mel­hores condições de vida, como jor­nadas de tra­bal­ho de, no máx­i­mo, oito horas diárias, salários que cor­re­spon­dam ao atu­al cus­to de vida e “um pouco de segu­rança no futuro”, para diminuir os níveis de ansiedade e estresse entre os brasileiros. “Sem ócio não existe leitu­ra nem out­ro uso não ‘pro­du­ti­vo’ do tem­po, é só tra­bal­har e dormir”, con­clui.

*Estag­iária sob super­visão de Viní­cius Lis­boa

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