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CNJ aponta dificuldade de acesso de adolescentes internos a documentos

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Estudo defende gratuidade para os que cumprem medida socioeducativa


Pub­li­ca­do em 13/12/2023 — 09:02 Por Luiz Clau­dio Fer­reira – Repórter da Agên­cia Brasil — Brasília

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À frente da sala de aula, o pro­fes­sor e sociól­o­go brasiliense Emer­son Fran­co, de 34 anos, mer­gul­ha na própria memória para ensi­nar. Ado­les­centes do sis­tema de resso­cial­iza­ção escu­tam a história do rapaz que, aos 15 anos (no ano de 2004), viu-se envolvi­do em fur­tos, foi apreen­di­do e, depois de adul­to, pre­so. Aos garo­tos, ele expli­ca o que apren­deu e diz que é pos­sív­el dar a vol­ta por cima. Quem sabe se tornar um pro­fes­sor como ele. 

Em uma das aulas, Emer­son fala sobre a neces­si­dade de con­hecer dire­itos ele­mentares, como o de ter um doc­u­men­to. “Eu tin­ha meu RG [doc­u­men­to de iden­ti­dade], cer­tidão de nasci­men­to, mas isso está longe de ser uma regra”, afir­mou, em entre­vista à Agên­cia Brasil.  Inclu­sive, a difi­cul­dade de ado­les­centes com doc­u­men­tação vai ao encon­tro de uma pesquisa divul­ga­da nes­ta quar­ta (13) pelo Con­sel­ho Nacional de Justiça (CNJ), inti­t­u­la­da Diag­nós­ti­co da Emis­são de Doc­u­men­tos Bási­cos no Sis­tema Socioe­d­uca­ti­vo: Atendi­men­to Ini­cial em Meio Fecha­do.

O lev­an­ta­men­to inédi­to rev­ela que seis unidades fed­er­a­ti­vas (Goiás, Alagoas, Espíri­to San­to, São Paulo, Dis­tri­to Fed­er­al e San­ta Cata­ri­na) têm pro­je­tos especí­fi­cos para emis­são de doc­u­men­tos para ado­les­centes envolvi­dos em atos infra­cionais. Não pro­por­cionar pro­gra­mas nesse sen­ti­do pode ger­ar impacto dire­to nas vidas de ado­les­centes e jovens, mostra a pesquisa. Segun­do o CNJ, cer­ca de 12 mil ado­les­centes cumprem medi­das em meio fecha­do, e mais de 117 mil em meio aber­to no Brasil.

A pesquisa foi real­iza­da entre out­ubro e dezem­bro de 2022 pelo pro­gra­ma Fazen­do Justiça, coor­de­na­do pelo CNJ em parce­ria com o Pro­gra­ma das Nações Unidas para o Desen­volvi­men­to (Pnud) para trans­for­mar a pri­vação de liber­dade.

Direito básico

Con­forme teste­munha o pro­fes­sor Emer­son Fran­co, que atual­mente é palestrante vol­un­tário no sis­tema socioe­d­uca­ti­vo, com o pro­je­to Papo Fran­co (que ele real­iza há sete anos), ain­da há, de fato, difi­cul­dades para que o ado­les­cente no cumpri­men­to da medi­da pos­sa obter a primeira doc­u­men­tação. “Da del­e­ga­cia para o sis­tema de inter­nação, acon­tece de sumir doc­u­men­tação de ado­les­cente ou mes­mo de chegar sem nen­hum tipo de doc­u­men­tação.”

Emer­son entende, porém, que, con­forme garan­tia do Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente (ECA), há mais atenção. “A  doc­u­men­tação é um dire­ito bási­co, inclu­sive de segu­rança, e para a pes­soa recon­quis­tar sua cidada­nia.”

Esse tema é abor­da­do nas palestras do pro­fes­sor Emer­son. “Eu sem­pre con­ver­so com os assis­tentes soci­ais e com os psicól­o­gos para saber como está a doc­u­men­tação de cada ado­les­cente. É bási­co para a pes­soa rece­ber algum tipo de bene­fí­cio ou pro­gressão.”

Isenções

O estu­do do CNJ chama a atenção ain­da para o fato de que o aces­so à Cen­tral de Infor­mações do Reg­istro Civ­il (CRC), que é uti­liza­da para localizar reg­istros de nasci­men­to, está disponív­el em somente em seis esta­dos: Ama­zonas, Tocan­tins, Ceará, Per­nam­bu­co, Rio de Janeiro e San­ta Cata­ri­na.

Para obter a doc­u­men­tação, a maior parte dos esta­dos isen­ta gru­pos vul­ner­a­bi­liza­dos (como são os ado­les­centes em sis­tema de resso­cial­iza­ção) da taxa para a emis­são da segun­da via do RG. No entan­to, não ado­tam essa políti­ca os esta­dos do Acre, Ceará, de Mato Grosso do Sul, do Paraná, de Roraima, São Paulo e do Tocan­tins, segun­do o lev­an­ta­men­to.

Estratégias

Para o coor­de­nador do Depar­ta­men­to de Mon­i­tora­men­to e Fis­cal­iza­ção do Sis­tema Carcerário e do Sis­tema de Exe­cução de Medi­das Socioe­d­uca­ti­vas do CNJ, Luís Lan­fre­di, via­bi­lizar o aces­so à doc­u­men­tação civ­il de ado­les­centes no âmbito do sis­tema socioe­d­uca­ti­vo é medi­da cru­cial para super­ação de estig­mas e tam­bém para evi­tar méto­dos inva­sivos de iden­ti­fi­cação com­pul­sória. “O CNJ entende que o dire­ito à doc­u­men­tação é fun­da­men­tal porque via­bi­liza diver­sos out­ros dire­itos para o pleno exer­cí­cio da cidada­nia”, afir­mou Lan­fre­di, em tex­to divul­ga­do pelo con­sel­ho.

Para o juiz Edi­nal­do César San­tos Junior, tam­bém do CNJ, que atua na área socioe­d­uca­ti­va, uma das prin­ci­pais recomen­dações do estu­do é a real­iza­ção de con­vênios e o estí­mu­lo a leg­is­lações que garan­tam a gra­tu­idade da doc­u­men­tação para jovens e ado­les­centes em cumpri­men­to de medi­da socioe­d­uca­ti­va. A gra­tu­idade e a facil­i­dade de aces­so são estraté­gias indi­cadas no estu­do.

“O relatório é um chama­do à ação. Nós, como sociedade, temos a respon­s­abil­i­dade de agir com base nes­sas descober­tas para garan­tir que cada ado­les­cente e jovem ten­ha aces­so irrestri­to aos doc­u­men­tos que são fun­da­men­tais para o exer­cí­cio pleno da cidada­nia”, ressaltou o juiz.

Entre as estraté­gias para enfrentar tal situ­ação, desta­ca-se a neces­si­dade de reforçar, na edu­cação dos ado­les­centes, uma com­preen­são apro­fun­da­da do papel dos doc­u­men­tos e sua conexão com os dire­itos bási­cos. É pre­ciso “enten­der a função de cada um dos doc­u­men­tos a ser emi­ti­do, a relação dess­es doc­u­men­tos com o exer­cí­cio dos dire­itos civis, políti­cos, soci­ais e cul­tur­ais, bem como o aces­so per­ma­nente às infor­mações e aos doc­u­men­tos emi­ti­dos”, diz o lev­an­ta­men­to.

Mobi­lizar os ado­les­centes para bus­carem iden­ti­fi­cação e se sen­tirem como plenos em dire­itos de cidada­nia pode ser o primeiro pas­so para a mudança de rumo, enfa­ti­za o pro­fes­sor Emer­son Fran­co. As lem­branças de garo­to e de ex-deten­to não estão omi­ti­das. “Bus­co con­sci­en­ti­zar para que eles não façam as coisas erradas que eu fiz. Falar com eles é uma mis­são de vida para mim”, desabafa. Uma mis­são de um homem livre, com crachá de pro­fes­sor e iden­ti­dade ren­o­va­da.

Edição: Nádia Fran­co

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