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Com fluxo diário de 150 mil veículos, Ponte Rio-Niterói faz 50 anos

Repro­dução: © Tomaz Silva/Agência Brasil

Quatrocentas mil pessoas passam pela ponte diariamente


Pub­li­ca­do em 04/03/2024 — 07:30 Por Alana Gan­dra, Ana Cristi­na Cam­pos e Viní­cius Lis­boa — Repórteres da Agên­cia Brasil — Rio de Janeiro

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Qua­tro­cen­tas mil pes­soas em 150 mil veícu­los. Esse é o fluxo diário que atrav­es­sa os 13 quilômet­ros da Ponte-Rio Niterói, que com­ple­ta 50 anos de inau­gu­ração nes­ta segun­da-feira (4). Já con­sid­er­a­da a maior ponte do Hem­is­fério Sul e da Améri­ca Lati­na, ela é um tre­cho da BR-101 e uma lig­ação viária vital para o esta­do do Rio de Janeiro, encur­tan­do o cam­in­ho que antes exi­gia con­tornar a Baía de Gua­n­abara ou usar bal­sas.

O con­ceito de uma ponte sus­pen­sa entre os dois municí­pios data de 1875, mas somente em 1963 foi cri­a­do um grupo de tra­bal­ho para estu­dar um pro­je­to para a sua con­strução. Em 23 de agos­to de 1968, o gen­er­al Arthur Cos­ta e Sil­va, então pres­i­dente da ditadu­ra mil­i­tar, assi­nou decre­to autor­izan­do o pro­je­to de sua con­strução. Ape­sar de suces­si­vas ten­ta­ti­vas de mudança, até hoje é o dita­dor que dá o nome ofi­cial da Ponte Rio-Niterói, a Ponte Pres­i­dente Cos­ta e Sil­va.

Mar­co da engen­haria nacional, a ponte tem o maior vão em viga reta con­tínua do mun­do, o Vão Cen­tral, com 300 met­ros de com­pri­men­to e 72 met­ros de altura. Out­ro número que impres­siona é o total de 1.152 vigas ao lon­go de sua estru­tu­ra.

O pres­i­dente do Clube de Engen­haria, Mar­cio Girão, lem­bra que, antes de sua con­strução, para faz­er a trav­es­sia entre Rio de Janeiro e Niterói, lev­a­va-se mais de duas horas de espera, e o trans­porte de veícu­los era feito em bal­sas. Ele desta­ca que a maior parte da ponte foi desen­volvi­da com engen­haria nacional.

“Na época, a Noron­ha Engen­haria, sedi­a­da no Rio, é que preparou o pro­je­to. Depois, várias empre­sas nacionais, em con­sór­cio, con­struíram a ponte. Somente o vão cen­tral, que tin­ha a estru­tu­ra metáli­ca, teve o pro­je­to con­trata­do a uma empre­sa norte-amer­i­cana. A gente não tin­ha mui­ta exper­iên­cia nes­sa área. Mas todo o resto da ponte, em con­cre­to arma­do, foi todo feito pela engen­haria brasileira.”

Ponte Rio-Niterói (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Repro­dução: Ponte Rio-Niterói tem 1.152 vigas ao lon­go de sua estru­tu­ra — Tomaz Silva/Agência Brasil

A fir­ma Howard, Nee­dles, Tam­men and Bergen­dorf, dos Esta­dos Unidos, pro­je­tou o tre­cho dos vãos prin­ci­pais em estru­tu­ra de aço, incluin­do as fun­dações e os pilares. Os engen­heiros respon­sáveis pelo pro­je­to da ponte de con­cre­to foram Antônio Alves de Noron­ha Fil­ho e Ben­jamin Ernani Diaz, enquan­to o engen­heiro respon­sáv­el pela ponte de aço foi o amer­i­cano James Gra­ham.

Para Már­cio Girão, a Ponte Rio-Niterói é uma real­iza­ção impor­tante da engen­haria brasileira, que já foi uma das mais capazes do mun­do. O pres­i­dente do Clube de Engen­haria lamen­tou que a engen­haria nacional ten­ha caí­do muito de 1980 para cá. “Hou­ve uma destru­ição da engen­haria nacional, prin­ci­pal­mente a engen­haria con­sul­ti­va, ou de pro­je­tos, por fal­ta de políti­cas públi­cas. A engen­haria brasileira pre­cisa ser reala­van­ca­da. A engen­haria pre­cisa voltar”, defende.

Trabalhadores mortos

A grandiosi­dade cel­e­bra­da pela engen­haria tam­bém envolveu des­fe­chos trági­cos para muitos tra­bal­hadores respon­sáveis por ela. O pro­fes­sor aposen­ta­do do Pro­gra­ma de Engen­haria de Trans­portes do Insti­tu­to Alber­to Luiz Coim­bra de Pós-Grad­u­ação e Pesquisa de Engen­haria, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Ronal­do Bal­as­siano, tem memórias da fase final da con­strução.

Ain­da jovem, Ronal­do Bal­as­siano era calouro na uni­ver­si­dade e tin­ha um pro­fes­sor que dava con­sul­to­ria para a gigan­tesca obra.

“Ele con­ta­va para nós as coisas absur­das que acon­te­ci­am durante a con­strução. Era uma obra grande, pio­neira para nós, aqui no Brasil, em que mui­ta gente mor­reu. Alguns tra­bal­hadores mor­reram, inclu­sive conc­re­ta­dos den­tro dess­es pilares. É um fato sabido. Este foi um pon­to neg­a­ti­vo da con­strução”, avalia Bal­as­siano.

O pres­i­dente do Clube de Engen­haria, Mar­cio Girão, tam­bém apon­ta o lado trági­co da con­strução que teve ofi­cial­mente 33 mortes reg­istradas. Mas as esti­ma­ti­vas da época, não ofi­ci­ais, alcançavam 400 óbitos, incluin­do operários e engen­heiros, con­ta ele. “A gente sabe que o reg­istro ofi­cial sem­pre está aquém do real.”

AI‑5

Para a pro­fes­so­ra do Depar­ta­men­to de História da Uni­ver­si­dade Fed­er­al Flu­mi­nense (UFF) Saman­tha Viz Quadrat, um pon­to impor­tante na con­strução da ponte é que ela começa com o Ato Insti­tu­cional Número Cin­co (AI‑5) e ter­mi­na com o iní­cio da tran­sição no Brasil, em 1974. “Ela é con­struí­da ao lon­go do perío­do com maior índice de vio­lên­cia da ditadu­ra brasileira. A maior con­cen­tração de mor­tos e desa­pare­ci­dos foi no decor­rer de toda a con­strução da ponte”, apon­ta.

Nesse perío­do de maior vio­lên­cia, a his­to­ri­ado­ra con­ta que uma das for­mas de a ditadu­ra angari­ar aprovação pop­u­lar foi por meio da con­strução de grandes obras, como a Ponte Rio-Niterói, a Usi­na Hidrelétri­ca de Itaipu e a Rodovia Transamazôni­ca, que já eram uma pau­ta brasileira dis­cu­ti­da des­de o sécu­lo 19.

“Elas são tam­bém obras de pro­pa­gan­da, den­tro do con­tex­to de um país que vai para a frente. O próprio Médi­ci [ex-pres­i­dente da ditadu­ra mil­i­tar, de 1969 a 1974] fala que é a ponte do futuro, que o Brasil já está dan­do cer­to. A ponte entra den­tro desse con­tex­to.”

O AI‑5 foi elab­o­ra­do em 13 de dezem­bro de 1968, pelo então min­istro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Sil­va, e entrou em vig­or durante o gov­er­no do pres­i­dente Cos­ta e Sil­va, em respos­ta a fatos ante­ri­ores, como uma passea­ta de mais de 100 mil pes­soas no Rio de Janeiro em protesto con­tra o assas­si­na­to do estu­dante Edson Luís de Lima Souto por um inte­grante da Polí­cia Mil­i­tar. Esse foi o quin­to de 17 grandes decre­tos emi­ti­dos pela ditadu­ra mil­i­tar nos anos que se seguiram ao golpe de Esta­do de 1964, e é con­sid­er­a­do uma vitória dos mil­itares mais rad­i­cais, que exi­giam do gov­er­no poderes para elim­i­nar opos­i­tores por meio de medi­das como prisões, punição de dis­si­dentes, sus­pen­são de dire­itos políti­cos e cas­sação de mandatos.

Saman­tha lem­bra que esse foi um perío­do de grande repressão, de cen­sura prévia aos órgãos de comu­ni­cação e perseguição aos movi­men­tos operários e de tra­bal­hadores.

“A obra é con­struí­da den­tro desse quadro de vio­lên­cia, em que não se tin­ha como faz­er denún­cias sobre questões tra­bal­his­tas. As pop­u­lações dire­ta­mente atingi­das pela ponte não têm a quem recor­rer É uma obra que, de fato, vem de cima para baixo”, diz a pro­fes­so­ra.

Mudança de nome

Se a história vin­cu­la­da ao perío­do autoritário não pode ser muda­da, o nome Pres­i­dente Cos­ta e Sil­va foi alvo de difer­entes ini­cia­ti­vas nos últi­mos anos. Em 2012, aten­den­do a pedi­do de movi­men­tos de dire­itos humanos, o dep­uta­do fed­er­al Chico Alen­car (PSOL-RJ) apre­sen­tou pro­je­to pro­pon­do a mudança do nome da ponte para o do sociól­o­go Her­bert de Souza, o Bet­inho.

Em entre­vista à Agên­cia Brasil, Chico Alen­car disse que a mudança do nome para o do sociól­o­go se jus­ti­fi­ca­va por “ser uma pes­soa cuja vida foi ded­i­ca­da a con­stru­ir pontes entre os que têm fome e os saci­a­dos, entre os sen­síveis e os insen­síveis, entre os que têm con­sciên­cia dos sen­ti­men­tos do mun­do e os que não têm, para dar uma dimen­são nova à políti­ca, com esse respal­do social”.

Rio de Janeiro (RJ), 27/02/2024 – Ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói) completa 50 anos. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: Ponte Rio-Niterói com­ple­ta 50 anos nes­ta segun­da-feira — Tomaz Silva/Agência Brasil

Ape­sar dis­so, o par­la­men­tar admite que há muitos obstácu­los. O pro­je­to já tem um pare­cer na Comis­são de Con­sti­tu­ição e Justiça (CCJ), da dep­uta­da Talíria Petrone (PSOL-RJ). “Mas eu sei que, para pas­sar, se já era difí­cil na época, ain­da é mais difí­cil ago­ra, que a Câmara mudou, e o Con­gres­so ficou mais con­ser­vador ain­da.”

Out­ra ten­ta­ti­va de mudança foi por via judi­cial, mas, em janeiro de 2015, a Justiça Fed­er­al no Rio de Janeiro negou pedi­do for­mu­la­do pelo Min­istério Públi­co Fed­er­al (MPF). Segun­do a decisão, a medi­da dev­e­ria ser deci­di­da pela sociedade, de for­ma cole­ti­va, por meio de seus rep­re­sen­tantes no Leg­isla­ti­vo.

Em maio de 2021, foi pro­to­co­la­do na Câmara Fed­er­al pro­je­to de lei do dep­uta­do fed­er­al Chico D’Angelo (PDT-RJ), pedin­do que a ponte pas­sasse a se chamar Ponte Ator Paulo Gus­ta­vo, para hom­e­nagear o ator que nasceu em Niterói e mor­reu de covid-19 naque­le mês, em um hos­pi­tal do Rio.

A his­to­ri­ado­ra Saman­tha Viz Quadrat con­sid­era lamen­táv­el que ain­da haja hom­e­na­gens públi­cas, em espaços públi­cos, a dita­dores. “A ditadu­ra não merece hom­e­nagem de nen­hum tipo em local públi­co, seja uni­ver­si­dade, esco­la, rua, ain­da mais uma con­strução como a da Ponte Rio-Niterói, que é uma obra rep­re­sen­ta­ti­va do que a ditadu­ra foi em ter­mos de vio­lên­cia, de repressão, de perseguição aos tra­bal­hadores, de más condições de tra­bal­ho, de cen­sura.”

Melhorias

Com o obje­ti­vo de pro­por­cionar maior segu­rança ao usuário, muitas mel­ho­rias foram efe­t­u­adas ao lon­go destes 50 anos. No ano 2000, por exem­p­lo, o asfal­to no vão cen­tral foi sub­sti­tuí­do por um piso de con­cre­to de ele­va­da resistên­cia, enquan­to a super­estru­tu­ra metáli­ca foi reforça­da inter­na­mente.

Em 2004, o Insti­tu­to Alber­to Luiz Coim­bra de Pós-Grad­u­ação e Pesquisa de Engen­haria (Coppe/UFRJ) desen­volveu para a rodovia os aten­u­adores dinâmi­cos sin­croniza­dos (ADS). Esse é um con­jun­to de mas­sa e mola de 32 peças e pesos de grandes pro­porções que fun­ciona como um amorte­cedor para a estru­tu­ra do vão cen­tral. Em even­tos com fortes ven­tos, a ponte teve uma redução de 90% de sua oscilação.

Rio de Janeiro (RJ), 27/02/2024 – Ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói) completa 50 anos. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Repro­dução: VPonte Rio-Niterói é con­sid­er­a­da a maior do Hem­is­fério Sul e da Améri­ca Lati­na  — Tomaz Silva/Agência Brasil

No ano de 2009, depois de efe­t­u­a­dos estu­dos de segu­rança viária, a ponte gan­hou um reor­de­na­men­to de faixas, que aumen­taram de três para qua­tro, o que con­tribuiu para ampli­ar sua capaci­dade opera­cional. Em 2016, já sob admin­is­tração da Eco­ponte, a praça de pedá­gio foi aumen­ta­da, a via gan­hou ilu­mi­nação de LED e lame­las antio­fus­cant­es, sis­tema que uti­liza defen­sas metáli­cas para elim­i­nar o ofus­ca­men­to durante a noite cau­sa­do pela ilu­mi­nação dos faróis.

No dia 1º de jun­ho de 1995, foi fei­ta a primeira con­cor­rên­cia para con­cessão da admin­is­tração da Ponte Rio-Niterói à ini­cia­ti­va pri­va­da, ven­ci­da pelo con­sór­cio Ponte S/A, empre­sa do Grupo CCR. Essa foi a primeira grande estru­tu­ra rodoviária con­ce­di­da para o setor pri­va­do no país. Des­de 2015, porém, a ponte está con­ce­di­da à Eco­ponte.

Movimento pendular

Além de faz­er parte da história do Brasil e ser um mar­co de sua engen­haria, a Ponte Rio-Niterói tam­bém é parte da roti­na de mil­hares de moradores da região met­ro­pol­i­tana do Rio de Janeiro. A fotó­grafa Iane Filgueiras, de 34 anos, con­stru­iu sua car­reira profis­sion­al indo e voltan­do na ponte diari­a­mente, des­de que era estag­iária, em 2009. Morado­ra de São Gonça­lo, cidade da região met­ro­pol­i­tana, ela tra­bal­ha na zona norte do Rio.

“Min­ha relação com a ponte é de amor e ódio como todo mun­do que atrav­es­sa a ponte diari­a­mente. Acho uma con­strução incrív­el com uma exten­são ina­cred­itáv­el sobre a baía. Vi muitas vezes o sol nascer e se pôr. Tam­bém já peguei muito tem­po­ral em que a ponte bal­ança. Mas é uma difi­cul­dade ter trân­si­to todo dia, com 40 min­u­tos para atrav­es­sar a ponte”, con­ta Iane.

A cir­cu­lação inten­sa é fis­cal­iza­da diari­a­mente pela Polí­cia Rodoviária Fed­er­al (PRF), que usa sis­temas de videomon­i­tora­men­to, recur­sos tec­nológi­cos como drones e câmeras de alta res­olução para o acom­pan­hamen­to de todo o tre­cho sob sua com­petên­cia.

“Fisi­ca­mente há uma del­e­ga­cia e uma unidade opera­cional ao lon­go de toda a ponte, são aten­di­dos cidadãos durante todo o dia, veícu­los são fis­cal­iza­dos, há o com­bate ao crime, com um tra­bal­ho inces­sante de inteligên­cia é pos­sív­el hoje ter diver­sas ten­ta­ti­vas crim­i­nosas frustradas sem grande impacto na flu­idez do trân­si­to e risco à sociedade que trafe­ga pela via”, desta­ca nota da PRF.

As ocor­rên­cias que envolvem a ponte são as mais vari­adas que se pode imag­i­nar. Uma das mais inusi­tadas ocor­reu em 14 de novem­bro de 2022, quan­do o navio graneleiro São Luiz, anco­ra­do des­de 2016 na Baía de Gua­n­abara, col­id­iu com a estru­tu­ra, levan­do ao fechamen­to da via nos dois sen­ti­dos até que sua inte­gri­dade fos­se avali­a­da. O con­ges­tion­a­men­to provo­ca­do pelo aci­dente super­ou 19 quilômet­ros na primeira hora do fechamen­to. A via sen­ti­do Niterói foi lib­er­a­da três horas depois, mas a movi­men­tação no sen­ti­do Rio de Janeiro ficou restri­ta a duas pis­tas até o dia seguinte, para reparos no guar­da-cor­po.

Edição: Juliana Andrade

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