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Comício símbolo das Diretas Já! completa 40 anos

Repro­dução: © CSB / FPA

Movimento marcou força de mobilização popular no Brasil


Pub­li­ca­do em 25/01/2024 — 06:43 Por Flávia Albu­querque — Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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Há 40 anos, no dia 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, cen­tro da cap­i­tal paulista, mais de 300 mil pes­soas se reu­ni­am durante o comí­cio pelo voto dire­to para pres­i­dente da Repúbli­ca. O even­to não só deu vis­i­bil­i­dade à cam­pan­ha para a imple­men­tação do voto pop­u­lar para a chefia do Poder Exec­u­ti­vo, con­heci­da como Dire­tas Já!, como ficou mar­ca­do na história como sím­bo­lo de grande mobi­liza­ção dos brasileiros, incluin­do políti­cos, artis­tas, esportis­tas e tra­bal­hadores de diver­sas cat­e­go­rias, con­tra a con­tinuidade da ditadu­ra civ­il-mil­i­tar, que se esten­dia des­de 1964.

Antes do even­to da Praça da Sé, os comí­cios para chamar a atenção dos brasileiros para o tema começaram com pou­ca par­tic­i­pação pop­u­lar. O vol­ume de par­tic­i­pantes só aumen­tou com o maior apoio políti­co e com o agrava­men­to da situ­ação econômi­ca, no começo de 1984.

A cam­pan­ha Dire­tas Já! foi ini­ci­a­da em 1983 a par­tir da pro­pos­ta de emen­da con­sti­tu­cional apre­sen­ta­da pelo dep­uta­do Dante de Oliveira. A pro­pos­ta alter­a­va o sis­tema de eleição insti­tuí­do pelos mil­itares, no qual um colé­gio eleitoral for­ma­do por par­la­mentares, escol­hi­dos pelo povo, ele­gia o pres­i­dente da Repúbli­ca.

Os primeiros comí­cios das Dire­tas Já! ocor­reram em março de 1983. Em jun­ho, uma frente supra­partidária reuniu os gov­er­nadores Leonel Brizo­la, do Rio de Janeiro, e Fran­co Mon­toro, de São Paulo, e o pres­i­dente nacional do Par­tido dos Tra­bal­hadores (PT), Luiz Iná­cio Lula da Sil­va. Out­ros gov­er­nadores se enga­jam ao movi­men­to, entre eles Waldir Pires (PMDB), da Bahia; Rober­to Mag­a­l­hães (PDS), de Per­nam­bu­co; José Richa (PMDB), do Paraná; e Ger­son Cama­ta (PMDB), do Espíri­to San­to.

A mobi­liza­ção con­tou com o apoio de várias insti­tu­ições, entre elas, a Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil (OAB), a União Nacional dos Estu­dantes (UNE), a Asso­ci­ação Brasileira de Impren­sa (ABI), a Con­fer­ên­cia Nacional dos Bis­pos do Brasil (CNBB) e a Cen­tral Úni­ca dos Tra­bal­hadores (CUT). Quase todos os setores da sociedade, de todas as class­es soci­ais, par­tic­i­param. A mobi­liza­ção pop­u­lar lev­ou mil­hares de pes­soas aos cer­ca de 30 comí­cios orga­ni­za­dos em 1983 e 1984.

Bases

Mes­mo com a der­ro­ta, no dia 25 de abril de 1984, da emen­da Dante de Oliveira, as bases para a democ­ra­cia já estavam for­madas. As lid­er­anças cap­i­talizaram a força do movi­men­to para con­vencer o colé­gio eleitoral a encer­rar a ditadu­ra. Emb­o­ra a mudança dese­ja­da não ten­ha ocor­ri­do ime­di­ata­mente, o movi­men­to Dire­tas Já! sinal­i­zou o iní­cio de uma trans­for­mação rumo à democ­ra­cia no Brasil.

O ex-vereador e ex-dep­uta­do estad­ual de São Paulo Adri­ano Dio­go (PT) era um dos respon­sáveis pela mobi­liza­ção e por arrecadar recur­sos para a real­iza­ção dos comí­cios. Ele con­ta que o movi­men­to começou em 1983 com um pequeno even­to na Praça Charles Muller, em frente ao Está­dio do Pacaem­bu. Antes dis­so, o can­dida­to a gov­er­nador de São Paulo na época, Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, havia sido der­ro­ta­do nas primeiras eleições às quais o PT con­cor­ria, em 1982. Eleições essas que ocor­reram depois da Lei da Anis­tia e per­mi­ti­am que o eleitor escol­hesse senadores, dep­uta­dos fed­erais e estad­u­ais, vereadores e gov­er­nadores.

“Quan­do acabou a eleição, está­va­mos em uma situ­ação dificíli­ma. Então, o José Dirceu foi procu­rar o gov­er­nador Fran­co Mon­toro, mon­tou o comitê pelas dire­tas e o primeiro ato pelas eleições dire­tas foi esse pequeno comí­cio. Faço questão de diz­er que o José Dirceu foi um dos grandes orga­ni­zadores da cam­pan­ha pelas Dire­tas”, ressalta Adri­ano Dio­go, ao citar o ex-min­istro-chefe da Casa Civ­il do primeiro gov­er­no Lula.

Dio­go desta­cou que ape­sar de o gov­er­nador lib­er­ar os comí­cios, a orga­ni­za­ção pop­u­lar fica­va toda por con­ta do par­tido e que para chegar à Praça da Sé foi um logo cam­in­ho, com muito tra­bal­ho e artic­u­lação com os out­ros par­tidos que aderi­ram.

“Era um momen­to muito bom, porque ao mes­mo tem­po em que tín­hamos medo de que a ditadu­ra voltasse e nós fôsse­mos reprim­i­dos, porque já tín­hamos um pas­sa­do de perseguição, tín­hamos uma esper­ança muito grande. E quan­do falá­va­mos de eleições dire­tas para pres­i­dente, a pop­u­lação não acred­i­ta­va que ia acon­te­cer, mas rece­bia muito bem. Foi um perío­do muito inter­es­sante”, lem­brou.

Democracia Corinthiana

O mes­mo orgul­ho por ter par­tic­i­pa­do de um momen­to tão inten­so da história do Brasil é expres­sa­do pelo ex-dire­tor de fute­bol do Sport Club Corinthi­ans Paulista, Adil­son Mon­teiro Alves. Ele, que já era lig­a­do à políti­ca des­de a juven­tude, ao assumir o car­go quis levar con­si­go a con­sciên­cia políti­ca aos inte­grantes e jogadores do time. Foi então que nasceu a Democ­ra­cia Corinthi­ana. Com adesão de atle­tas de peso como Wladimir, Sócrates, Casagrande, Zé Maria, Zenon, entre out­ros, o fute­bol serviu como instru­men­to para engrossar a cam­pan­ha pelas Dire­tas Já e pela vol­ta da democ­ra­cia no Brasil.

“Quan­do eu fui con­vi­da­do para ser dire­tor de fute­bol, eu fui com min­ha exper­iên­cia políti­ca e disse aos jogadores que não era só fute­bol, que nós está­va­mos viven­do uma ditadu­ra e tín­hamos que par­tic­i­par dis­so, que eles eram pes­soas públi­cas e o que diziam era ouvi­do. Aos poucos eles foram enten­den­do e em 1982 nós par­tic­i­pamos da primeira eleição dire­ta para gov­er­nador e escreve­mos na camisa “Dia 15 vote”.

A estreia do uni­forme foi em jogo con­tra o Améri­ca, no Campe­ona­to Paulista, trans­mi­ti­do pela tele­visão em uma quar­ta-feira à noite. Mais tarde, hou­ve ain­da a faixa históri­ca que estam­pa­va a frase “Gan­har ou perder, mas sem­pre com democ­ra­cia”, exibi­da pelo time na final do jogo que definiria o bicam­pe­ona­to paulista em 1982/1983.

“A Democ­ra­cia Corinthi­ana foi muito impor­tante porque nós fomos a voz do esporte na luta con­tra o autori­taris­mo. Rompeu as fron­teiras do con­ser­vadoris­mo e por isso enfren­tou todo tipo de adver­si­dade. E foi sen­sa­cional par­tic­i­par do comí­cio. Tive­mos Bel­chior, Fafá de Belém e quem encer­rou foi Ger­al­do Van­dré, can­tan­do Para não diz­er que não falei das flo­res (tam­bém con­heci­da como Cam­in­han­do), enquan­to todos nós está­va­mos de mãos dadas no palanque. Foi emo­cio­nante”.

»Saiba mais em especial da Agência Brasil.

Diversidade

A pro­fes­so­ra de história Mary Zanin foi ao comí­cio de 25 de janeiro de 1984 com duas ami­gas e ressaltou que as três só perce­ber­am a grandiosi­dade do ato ao obser­varem tan­tas cat­e­go­rias de tra­bal­hadores, sindi­catos e par­tidos políti­cos mis­tu­ra­dos na Praça da Sé. “Eu já par­tic­i­pa­va das greves e assem­bleias dos met­alúr­gi­cos em 1980, 1981, acom­pan­han­do meu pai e meu irmão e aí fui começan­do a enten­der o movi­men­to que mex­ia muito comi­go, tan­to que depois fui estu­dar ciên­cia soci­ais”.

Ela lem­brou que o regime mil­i­tar já esta­va estreme­ci­do e que as eleições ante­ri­ores para gov­er­nador já havi­am mostra­do que o povo esta­va começan­do a se mex­er e a se recon­hecer como cidadãos com dire­itos, inclu­sive de votar. Para Mary, além da questão políti­ca havia a questão econômi­ca, já que esse setor tam­bém não ia bem. “O tra­bal­hador e as pes­soas mais pobres estavam todos descon­tentes com a econo­mia. Algu­mas pes­soas não enten­di­am a ditadu­ra e a políti­ca, mas perce­bi­am que estavam sem din­heiro, que tin­ha uma inflação alta e tudo isso lev­ou a essa bus­ca pela democ­ra­cia”.

Mary recor­da que ao começar a lecionar história fica­va emo­ciona­da ao abrir os livros didáti­cos no capí­tu­lo que trata­va desse perío­do e pen­sar que esta­va lá par­tic­i­pan­do e con­tribuin­do para a con­quista do dire­ito ao voto para pres­i­dente. “É um sen­ti­men­to bom de ter con­tribuí­do e de con­tin­uar con­tribuin­do, porque con­tin­uei par­tic­i­pan­do e, como pro­fes­so­ra, sem­pre esclare­cen­do. É emo­cio­nante ter feito parte dis­so”.

Naque­le perío­do, a jor­nal­ista Rosana Córnea tin­ha 21 anos, era bancária, esta­va estu­dan­do jor­nal­is­mo e acom­pan­hou a efer­vescên­cia do surg­i­men­to do movi­men­to sindi­cal e pelas Dire­tas Já com mui­ta esper­ança e crença de que as coisas iri­am mudar a par­tir dali. Ela par­ticipou do comí­cio de janeiro e do seguinte, em abril. Ape­sar da frus­tração pela não aprovação da emen­da Dante de Oliveira, ela recon­hece o grande avanço políti­co no país, porque ape­sar de as eleições de 1985 para pres­i­dente da Repúbli­ca terem sido indi­re­tas, em 1989 ela teve a chance de votar pela primeira vez para pres­i­dente.

“Foi uma época muito inter­es­sante e impor­tante de viv­er, tan­to para a for­mação profis­sion­al quan­to como cidadã. Não era uma mobi­liza­ção só da esquer­da, era mais amp­lo, perce­bíamos o envolvi­men­to até de quem não tin­ha par­tido nen­hum ou não par­tic­i­pa­va de nen­hum movi­men­to especí­fi­co, mas que foi acred­i­tan­do no exer­cí­cio da democ­ra­cia, da cidada­nia, por achar impor­tante poder escol­her o pres­i­dente do país. Era muito boni­to ver aque­le monte de gente e com ban­deiras do que quisessem”, pon­tu­ou.

Ao relem­brar e com­parar aque­le perío­do com os dias atu­ais, Rosana ressalta que a sen­sação é a de que nun­ca podemos perder o dese­jo de lutar pela democ­ra­cia, que deve ser um exer­cí­cio per­ma­nente e necessário.

“Bas­ta ver que temos obser­va­do a democ­ra­cia sendo ameaça­da con­stan­te­mente aqui no Brasil, em país­es da Améri­ca do Sul, na Améri­ca do Norte e em out­ros con­ti­nentes. Hoje eu vejo que aqui­lo foi muito impor­tante para eu con­tin­uar exerci­tan­do tudo isso”.

Edição: Aline Leal

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