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Comissão pede ao CNJ correção de certidões de mortos pela ditadura

Repro­dução: © Antônio Cruz/AgênciA Brasil

Retificação consta em relatório de 2014 da Comissão da Verdade


Publicado em 30/08/2024 — 18:27 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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Recri­a­da no iní­cio de jul­ho deste ano, por meio de um despa­cho pres­i­den­cial, a Comis­são Espe­cial sobre Mor­tos e Desa­pare­ci­dos Políti­cos reto­mou seus tra­bal­hos ofi­cial­mente nes­ta sex­ta-feira (30), com uma cer­imô­nia solene que emo­cio­nou par­entes das víti­mas da vio­lên­cia das forças de repressão do Esta­do durante o regime mil­i­tar (1964–1985).

No even­to, a pres­i­den­ta do cole­gia­do, Eugê­nia Augus­to Gon­za­ga, e o min­istro dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, Sil­vio Almei­da, entre­garam ao rep­re­sen­tante do Con­sel­ho Nacional de Justiça (CNJ) um pedi­do ofi­cial para que a insti­tu­ição respon­sáv­el por, entre out­ras coisas, recomen­dar medi­das que aper­feiçoem o tra­bal­ho do sis­tema judi­ciário, aprove uma res­olução deter­mi­nan­do a cor­reção das cer­tidões de óbitos dos mor­tos e desa­pare­ci­dos políti­cos.

A reti­fi­cação dos reg­istros emi­ti­dos às famílias ao lon­go de anos é uma das 29 recomen­dações que a Comis­são Nacional da Ver­dade (CNV) incluiu no relatório que apre­sen­tou em 2014. O doc­u­men­to é fru­to do tra­bal­ho de dois anos e sete meses, durante os quais os mem­bros da CNV col­her­am depoi­men­tos e anal­is­aram doc­u­men­tos com o obje­ti­vo de “esclare­cer as graves vio­lações de dire­itos humanos” ocor­ri­das entre 18 de setem­bro de 1946 e 5 de out­ubro de 1988 e “efe­ti­var o dire­ito à memória e à ver­dade históri­ca”, pro­moven­do a rec­on­cil­i­ação nacional.

Brasília (DF), 30.08.2024 - Cerimônia de reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF), 30.08.2024 — Cer­imô­nia de rein­sta­lação da Comis­são Espe­cial sobre Mor­tos e Desa­pare­ci­dos Políti­cos. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Jun­to ao pedi­do ao CNJ, a pres­i­den­ta da comis­são espe­cial e o min­istro entre­garam cópia de um mod­e­lo de cer­tidão no qual o Esta­do recon­hece a morte não nat­ur­al, vio­len­ta, cau­sa­da por perseguição políti­ca pelas forças repres­si­vas do Esta­do. A pro­pos­ta, segun­do Sil­vio Almei­da, é que o CNJ deter­mine aos cartórios de todo o país que cor­ri­jam as cer­tidões de óbito indi­cadas pelo Min­istério dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia ou pela própria Comis­são Espe­cial sobre Mor­tos e Desa­pare­ci­dos Políti­cos.

“Esta parce­ria com o CNJ é muito impor­tante para poder­mos cumprir a recomen­dação da CNV inte­gral­mente, reti­f­i­can­do todos os assen­tos [cer­tidões] de óbito já recon­heci­dos”, disse a pres­i­den­ta da comis­são espe­cial à Agên­cia Brasil. Segun­do ela, em 407 dos 434 casos de mortes e desa­parec­i­men­tos que a CNV con­fir­mou em 2014, os ter­mos lavra­dos nos doc­u­men­tos não refletem a real causa dos óbitos. É o caso, por exem­p­lo, do doc­u­men­to entregue à família de Dinaelza Soares San­tana Coqueiro, a Maria Dina.

“Até hoje, não sabe­mos como nos­sos par­entes mor­reram e onde foram sepul­ta­dos. No ates­ta­do de óbito da min­ha irmã, por exem­p­lo, os espaços des­ti­na­dos a infor­mar a causa da morte e o local onde ela está enter­ra­da con­tém ape­nas uma refer­ên­cia à Lei 9.140 [que, em 1995, recon­heceu como mor­tas os desa­pare­ci­dos políti­cos entre setem­bro de 1961 e agos­to de 1979]”, acres­cen­tou Diva Soares San­tana, cuja irmã, Dinaelza, e o cun­hado, Vandick Rei­d­ner Pereira Coqueiro, foram mor­tos por mil­itares durante a repressão à Guer­ril­ha do Aragua­ia, no Pará.

Dina e o mari­do eram estu­dantes uni­ver­sitários na Bahia, tin­ham pouco mais de 20 anos de idade, mil­i­tavam no movi­men­to estu­dan­til e, ao se tornarem alvos de perseguição políti­ca, em 1974, pas­saram a atu­ar na clan­des­tinidade.

“Eles tiver­am que aban­donar suas famílias, os estu­dos e fugir. Ela se des­pediu da família com uma car­ta, pedin­do que não nos pre­ocupásse­mos e não os procurásse­mos. Só em 1979, após a Lei da Anis­tia, soube­mos, por uma entre­vista com o [ex-dep­uta­do fed­er­al] José Genoíno que a Dinaelza e o Vandick estavam entre os estu­dantes pre­sos no Aragua­ia, resistin­do à ditadu­ra mil­i­tar”, detal­hou Diva, acres­cen­tan­do que sua mãe viveu por mais 37 anos, até 2016, con­vic­ta de que a fil­ha regres­saria.

“Durante todo este tem­po, min­ha mãe morou no mes­mo endereço por crer que a fil­ha voltaria; que a qual­quer hora min­ha irmã bate­ria na por­ta. Mas a Dinaelza foi mor­ta pela vio­lên­cia do Esta­do brasileiro. E ter isso recon­heci­do em um doc­u­men­to ofi­cial é impor­tante, inclu­sive para o país. Para demon­strar que hou­ve e há brasileiros dis­pos­tos a lutar e a dar suas vidas pela liber­dade e pela democ­ra­cia”, con­cluiu Diva sobre a importân­cia da revisão das cer­tidões de óbito.

Brasília (DF), 30.08.2024 - O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Silvio Almeida participa de cerimônia de reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Repro­dução: Brasília (DF), 30.08.2024 — O min­istro dos Dire­itos Humanos e da Cidada­nia, Sil­vio Almei­da, par­tic­i­pa de cer­imô­nia de rein­sta­lação da Comis­são Espe­cial sobre Mor­tos e Desa­pare­ci­dos Políti­cos. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Emo­ciona­do, o min­istro dos Dire­itos Humanos e Cidada­nia, Sil­vio Almei­da, cele­brou o acor­do para reti­fi­cação das cer­tidões de óbito e a rein­sta­lação da Comis­são Espe­cial sobre Mor­tos e Desa­pare­ci­dos Políti­cos, cujos tra­bal­hos foram inter­rompi­dos em 30 de dezem­bro de 2022, às vésperas da posse da atu­al gestão fed­er­al. De acor­do com o min­istro, a cor­reção dos reg­istros civis era uma medi­da há muito esper­a­da, sobre a qual ele teve opor­tu­nidade de con­ver­sar pre­vi­a­mente com o pres­i­dente do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF), Luís Rober­to Bar­roso.

“A Comis­são Espe­cial é retoma­da com respal­do do pres­i­dente da Repúbli­ca [Luiz Iná­cio Lula da Sil­va] e é fru­to de uma con­cer­tação [acor­do] entre os poderes da Repúbli­ca. Esper­amos colo­can­do a comis­são em uma nova fase, na qual pos­sa ampli­ar seus tra­bal­hos. E decidi­mos cumprir inte­gral­mente a recomen­dação da CNV […] É necessário recon­hecer a condição de desa­pare­ci­dos políti­cos das pes­soas”, comen­tou o min­istro.

Edição: Car­oli­na Pimentel

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