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Comissão reconhece Clarice Herzog como anistiada política

Repro­dução: © Lula Marques/ Agên­cia Brasil

Colegiado pediu desculpas à viúva de Vladimir Herzog


Publicado em 03/04/2024 — 14:36 Por Alex Rodrigues — Repórter da Agência Brasil — Brasília

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“Nen­hum Esta­do tem dire­ito de abusar de seu poder e inve­stir con­tra seus próprios cidadãos”. Com estas palavras, a pres­i­den­ta da Comis­são de Anis­tia, a advo­ga­da Enéa de Stutz e Almei­da, pro­feriu, nes­ta quar­ta-feira (3), um pedi­do de des­cul­pas do Esta­do brasileiro à jor­nal­ista e pub­lic­itária Clarice Her­zog, víti­ma da perseguição estatal durante o regime mil­i­tar (1964–1985).

A con­cessão da declar­ação de anis­ti­a­da políti­ca à viú­va do jor­nal­ista Vladimir Her­zog, tor­tu­ra­do e mor­to em out­ubro de 1975, nas dependên­cias do Depar­ta­men­to de Oper­ações de Infor­mações – Cen­tro de Oper­ações de Defe­sa Inter­na (DOI-Codi), do Exérci­to, em São Paulo, foi aprova­da por una­n­im­i­dade. O jul­ga­men­to do requer­i­men­to de anis­tia ocor­reu em con­jun­to com um sem­i­nário que a Comis­são de Leg­is­lação Par­tic­i­pa­ti­va da Câmara dos Dep­uta­dos real­i­zou para lem­brar os 60 anos do golpe civ­il-mil­i­tar de 1964.

Além de declarar Clarice anis­ti­a­da políti­ca e pedir des­cul­pas em nome do Esta­do brasileiro pela perseguição estatal que a jor­nal­ista e pub­lic­itária sofreu por anos, por con­tes­tar a ver­são ofi­cial de que seu mari­do havia se enfor­ca­do em uma sala do Doi-Codi enquan­to aguar­da­va para prestar depoi­men­to, a Comis­são de Anis­tia aprovou o paga­men­to de uma ind­eniza­ção equiv­a­lente a 390 salários mín­i­mos (cer­ca de R$ 550 mil), mas, com o teto legal, a viú­va rece­berá R$ 100 mil.

“A par­tir da análise con­jun­ta da nar­ra­ti­va, do mate­r­i­al pro­batório [reunido no proces­so] e do con­tex­to históri­co, são incon­testes os atos de exceção men­ciona­dos e a inequívo­ca moti­vação políti­ca dos mes­mos”, afir­mou a rela­to­ra do proces­so, a con­sel­heira Van­da Oliveira, ao pro­ferir seu voto. “Fica claro que a requer­ente [Clarice] sofreu pre­juí­zos decor­rentes da atu­ação da ditadu­ra mil­i­tar insta­l­a­da no Brasil em 1964, dev­i­do à pri­vação da con­vivên­cia famil­iar com seu mari­do, mor­to por moti­vação exclu­si­va­mente políti­ca”.

Segun­do as infor­mações apre­sen­tadas pelos rep­re­sen­tantes legais de Clarice, após assumir a direção de jor­nal­is­mo da TV Cul­tura, Vladimir Her­zog pas­sou a ser “hos­tiliza­do por inte­grar o Par­tido Comu­nista”. Na man­hã de 25 de out­ubro, ele se apre­sen­tou vol­un­tari­a­mente no DOI-Codi a fim de prestar esclarec­i­men­tos sobre sua atu­ação políti­ca e profis­sion­al. Horas mais tarde, Clarice rece­beu a infor­mação de que o mari­do tin­ha se mata­do.

“Des­de então, ela tem trava­do uma luta con­tínua e per­ma­nente para esclare­cer as cir­cun­stân­cias e os respon­sáveis pela morte de Vla­do. Viú­va aos 34 anos de idade, Clarice foi a primeira [pes­soa] a romper o silên­cio e diz­er “mataram o Vla­do”, con­duzin­do os dias seguintes à morte com inter­venções que davam cada vez mais vis­i­bil­i­dade ao que tin­ha acon­te­ci­do”, pon­tu­ou a con­sel­heira Van­da Oliveira.

“Dali para frente, Clarice travou muitas lutas. A primeira con­tra a men­ti­ra for­ja­da pelo Exérci­to de que Vla­do havia cometi­do suicí­dio. ‘Mataram Vla­do’: uma frase que, não poden­do ser escri­ta pelos jor­nal­is­tas, pas­sou a cor­rer de boca em boca como uma sen­ha con­tra a farsa mon­ta­da pelos mil­itares. Clarice não recu­ou diante de ameaças anôn­i­mas que rece­beu por tele­fone. Nem com a con­stante vig­ilân­cia poli­cial mon­ta­da diante de sua casa”, acres­cen­tou a rela­to­ra, lem­bran­do que, já em 1978, em pleno regime de exceção, Clarice recor­reu à Justiça con­tra o Esta­do brasileiro e, em um fato históri­co, obteve uma sen­tença do juiz Már­cio José de Moraes con­de­nan­do o Esta­do pela morte de Vladimir e obrigando‑o a ind­enizar a família do jor­nal­ista. Em 2013, 38 anos após o crime, Clarice con­seguiu a reti­fi­cação do ates­ta­do de óbito, fazen­do con­star que seu mari­do foi mais uma víti­ma da vio­lên­cia do Esta­do brasileiro.

“A lon­ga resistên­cia de Clarice é uma luz que ilu­mi­na os erros que o país tem cometi­do diante da sua própria história. Ao ser tão deter­mi­na­da, ela aju­dou o Brasil, um país que se acos­tu­mou ao esquec­i­men­to e à impunidade”, afir­mou a rela­to­ra, lem­bran­do que out­ras pes­soas, como os jor­nal­is­tas Rodol­fo Kon­der e George Benig­no Duque Estra­da, que estavam nas dependên­cias do Doi-Codi no mes­mo dia, e o rabi­no Hen­ry Sobel, que se recu­sou a enter­rar Vla­do no espaço do cemitério israeli­ta des­ti­na­do aos sui­ci­das, entre out­ras, tam­bém pas­saram a ques­tionar aber­ta­mente a ver­são ofi­cial.

“Min­ha mãe nun­ca quis nen­hu­ma reparação finan­ceira”, desta­cou o engen­heiro Ivo Her­zog, fil­ho de Vla­do e Clarice e autor do requer­i­men­to de reparação à mãe, que, aos 82 anos e com Alzheimer, pre­cisa de cuida­dos espe­ci­ais.

“Min­ha mãe não que­ria que se pagasse pela morte do meu pai. Tomei a decisão de entrar com este proces­so porque ago­ra ela pre­cisa”, disse Ivo ao lem­brar um episó­dio com o escritor Marce­lo Rubens Pai­va, cujo pai, o ex-dep­uta­do fed­er­al Rubens Pai­va, tam­bém foi mor­to pelo regime.

Brasília (DF) 03-04-2024 Reunião da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania que concederam anistia à publicitária Clarice Herzog, perseguida pelos militares por pedir esclarecimentos sobre o assassinato de seu marido, o jornalista Vladimir Herzog. (Ivo Herzog, filho de Clarice Herzog chora durante seu discurso) Foto Lula Marques/ Agência Brasil
Repro­dução: Ivo Her­zog, fil­ho de Clarice Her­zog cho­ra durante seu dis­cur­so na Comis­são de Anis­tia– Lula Marques/ Agên­cia Brasil

“O Marce­lo Rubens Pai­va me disse: ‘teu pai, meu pai, eles não foram heróis. Foram víti­mas. As ver­dadeiras heroí­nas foram as com­pan­heiras deles. As mães, irmãs e tan­tas out­ras que dedicaram suas vidas, com cor­agem, à bus­ca pela ver­dade e justiça’. Agradeço esta hom­e­nagem da Comis­são de Anis­tia a Clarice Her­zog, uma destas heroí­nas. Ten­ho muito orgul­ho de ser fil­ho dela. E acho que todos deve­mos nos sen­tir muito priv­i­le­gia­dos em ter­mos tido Clarice e tan­tas out­ras heroí­nas ao nos­so redor, lutan­do pela democ­ra­cia neste país”.

Edição: Aline Leal

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