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Conferência dos Oceanos reunirá líderes na França na próxima semana

Sede do evento, França espera compromissos com Tratado do Alto-Mar

Vitor Abdala — Repórter da Agên­cia Brasil
Pub­li­ca­do em 06/06/2025 — 11:13
Rio de Janeiro
Mar de ressaca no Rio de Janeiro após ciclone extratropical ir para o oceano
Repro­dução: © Fer­nan­do Frazão/Agência Brasil

Cer­ca de 100 chefes de Esta­do e gov­er­no, além de 30 mil cien­tis­tas e rep­re­sen­tantes da sociedade civ­il de vários país­es se reúnem em Nice, no litoral sul da França, para a ter­ceira Con­fer­ên­cia das Nações Unidas sobre os Oceanos, que começa na segun­da-feira (9). O obje­ti­vo do encon­tro é for­t­ale­cer a gov­er­nança glob­al e acel­er­ar a imple­men­tação do Obje­ti­vo do Desen­volvi­men­to Sus­ten­táv­el (ODS) 14, que pre­vê a con­ser­vação e uso sus­ten­táv­el dos oceanos, dos mares e dos recur­sos mar­in­hos.

A França, coor­ga­ni­zado­ra do even­to deste ano, jun­to com a Cos­ta Rica, esta­b­ele­ceu oito pri­or­i­dades para a con­fer­ên­cia, entre elas atin­gir o mín­i­mo necessário de rat­i­fi­cação por 60 país­es para que o Trata­do de Bio­di­ver­si­dade em Áreas Além da Juris­dição Nacional (BBNJ), tam­bém con­heci­do com o Trata­do do Alto-Mar, que reg­u­la­men­ta o uso das chamadas águas inter­na­cionais.

O trata­do foi con­cluí­do em setem­bro de 2023 depois de 20 anos de nego­ci­ações e assi­na­do por 116 país­es, inclu­sive o Brasil. No entan­to, segun­do a orga­ni­za­ção inter­na­cional High Seas Alliance, ape­nas 31 deles rat­i­ficaram o acor­do, que, para entrar em vig­or, pre­cisa de pelo menos mais 29 rat­i­fi­cações.

Ain­da de acor­do com a High Seas Alliance, o Brasil é um dos país­es que ain­da não rat­i­ficaram o trata­do. O pres­i­dente da Repúbli­ca, Luiz Iná­cio Lula da Sil­va, está em visi­ta ofi­cial à França e par­tic­i­pará da aber­tu­ra da con­fer­ên­cia.

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Em entre­vista exclu­si­va à Agên­cia Brasil, o envi­a­do da Presidên­cia da França para a con­fer­ên­cia, o diplo­ma­ta Olivi­er Poivre D’Arvor, afir­mou que o gov­er­no francês espera aproveitar o encon­tro de líderes, em Nice, para garan­tir o com­pro­mis­so de rat­i­fi­cação de out­ros país­es.

Brasília (DF), 06/06/2025 - Conferência dos oceanos. Olivier Poivre D'Arvor, enviado da presidência francesa para a Conferência da ONU sobre os Oceanos. Foto: MEAE França/Divulgação
Repro­dução|: Diplo­ma­ta Olivi­er Poivre D’Arvor, espera aproveitar o encon­tro para garan­tir com­pro­mis­so de rat­i­fi­cação de out­ros país­es.  Foto: MEAE França/Divulgação

“Não se tem con­t­role sobre 50% da super­fí­cie glob­al, ou seja, 64% dos mares. O BBNJ ain­da não foi rat­i­fi­ca­do e a gente espera que, até o fim deste ano, pos­samos rat­i­ficá-lo”, afir­ma D’Arvor.

Conhecimento

Out­ra pri­or­i­dade france­sa é ampli­ar o con­hec­i­men­to cien­tí­fi­co acer­ca dos oceanos para que, com base nis­so, pos­sam ser tomadas decisões para sua con­ser­vação. Entre as ini­cia­ti­vas que serão lançadas em Nice está a mis­são Nep­tune, que pas­sará 15 anos explo­ran­do cien­tifi­ca­mente os mares de todo o mun­do.

“Será uma vas­ta mis­são de explo­ração glob­al dos oceanos pelos próx­i­mos 15 anos. Vários país­es da Europa e tam­bém Índia e Chi­na vão embar­car nes­sa mis­são. Vamos apre­sen­tar esse pro­je­to ao pres­i­dente Lula tam­bém e gostaríamos que o Brasil fos­se parte dessa mis­são. Então o primeiro resul­ta­do da con­fer­ên­cia para a gente é clara­mente con­hec­i­men­to”, afir­mou D’Arvor.

Um cen­tro de pesquisas inter­gov­er­na­men­tal, chama­do Mer­ca­tor, sedi­a­do na França, tam­bém será apre­sen­ta­do. O insti­tu­to reunirá dados e recur­sos tec­nológi­cos para aux­il­iar no entendi­men­to dos oceanos. Entre as platafor­mas do Mer­ca­tor está o EU Dig­i­tal Twin Ocean, um oceano vir­tu­al onde poderão ser tes­ta­dos cenários sobre os mares globais.

Out­ra fer­ra­men­ta cien­tí­fi­ca a ser apre­sen­ta­da na con­fer­ên­cia é o Starfish Barom­e­ter, um relatório anu­al sobre o esta­do dos oceanos, as pressões humanas sobre eles e seus impactos na sociedade.

“Ness­es cin­co dias em Nice, nos­so obje­ti­vo prin­ci­pal é primeiro con­hecer os oceanos. É difí­cil pro­te­ger algu­ma coisa se você não a con­hece. E, na ver­dade, a gente sabe muito pouco sobre eles”.

Out­ras pri­or­i­dades são a pro­moção da pesca sus­ten­táv­el, a pro­teção de 30% do oceano até 2030, a descar­boniza­ção do trans­porte marí­ti­mo, o com­bate à poluição plás­ti­ca, a mobi­liza­ção de finan­cia­men­to para a econo­mia azul sus­ten­táv­el e a gov­er­nança region­al para enfrentar os impactos da ele­vação do nív­el dos mares a comu­nidades costeiras.

Mudanças climáticas

Os oceanos são fun­da­men­tais para man­ter o equi­líbrio climáti­co no plan­e­ta. Por out­ro lado, eles tam­bém estão sofren­do com as mudanças climáti­cas. Uma quan­ti­dade sig­ni­fica­ti­va de calor da atmos­fera é absorvi­da pelos oceanos, cau­san­do seu aque­c­i­men­to e ameaçan­do sua bio­di­ver­si­dade.

Ess­es impactos, que podem diz­imar recifes de corais, causar dese­qui­líbrios ecos­sistêmi­cos e extin­guir espé­cies mais sen­síveis a mudanças ambi­en­tais, tam­bém serão sen­ti­dos dire­ta­mente pela humanidade, uma vez que está pre­vista uma ele­vação do nív­el dos oceanos. D’Arvor expli­ca que não será pos­sív­el evi­tar esse aumen­to do nív­el dos mares, mas existe a pos­si­bil­i­dade de se adap­tar a isso.

“Se adap­tar é ter uma visão, não nacional ou glob­al, mas uma per­spec­ti­va local e region­al. Então é muito impor­tante não ape­nas para chefes de Esta­do, mas tam­bém para prefeitos e gov­er­nadores. Provavel­mente ter­e­mos que mover algu­mas cidades, como é o caso da Indonésia, com sua cap­i­tal Jacar­ta. Provavel­mente muitas cidades do Brasil serão afe­tadas. Há alguns exem­p­los de cidades como Veneza e Nova York, onde algo poderá ser con­struí­do con­tra a ele­vação do nív­el do mar [como diques na entra­da de rios e baías]. E há exem­p­los de pop­u­lações que terão que ser movi­das três ou qua­tro quilômet­ros para longe do mar”, desta­ca o rep­re­sen­tante francês.

Out­ro impacto das mudanças climáti­cas nos oceanos são alter­ações em cor­rentes mar­in­has. Pesquisas mostram, por exem­p­lo, indí­cios de mod­i­fi­cações na Cir­cu­lação de Revolvi­men­to Merid­ion­al do Atlân­ti­co (Amoc), um impor­tante sis­tema de cor­rentes mar­in­has, respon­sáv­el por levar água quente ao Árti­co e traz­er água fria para os trópi­cos.

Cien­tis­tas acred­i­tam que o der­re­ti­men­to acel­er­a­do de geleiras na Groen­lân­dia tem dese­qui­li­bra­do o fun­ciona­men­to da cor­rente. Um pos­sív­el enfraque­c­i­men­to, ou até mes­mo colap­so desse sis­tema, provo­cará dese­qui­líbrio climáti­co em todo o mun­do, prin­ci­pal­mente nos con­ti­nentes atlân­ti­cos, como a Améri­ca do Sul e a Europa.

“O colap­so da Amoc é uma ameaça enorme. Infe­liz­mente não há nada a se faz­er. Temos ape­nas que obser­var essa situ­ação que é abso­lu­ta­mente dramáti­ca. Talvez pre­cise­mos con­fi­ar na ciên­cia, porque os cien­tis­tas nos aler­taram sobre esse fenô­meno, mas provavel­mente é muito tarde para evi­tar isso”, lamen­ta D’Arvor, que tam­bém é embaix­ador da França para os Polos e Assun­tos Marí­ti­mos.

Segun­do ele, é impor­tante usar a Con­fer­ên­cia dos Oceanos como uma preparação para a COP-30, que será real­iza­da em novem­bro, em Belém.

“A gente tem que tra­bal­har jun­tos na bio­di­ver­si­dade, nos oceanos e no cli­ma. Nos­so obje­ti­vo é real­mente preparar Belém para a questão dos oceanos. Os oceanos são um depósi­to de car­bono e é por isso que nos opo­mos à ideia de min­er­ação do fun­do dos mares. Se você começar a escav­ar esse depósi­to de car­bono [no fun­do dos mares], há risco de isso parar na atmos­fera. Então vamos ten­tar ser um pré-COP-30 muito ati­vo”.

Petróleo

A min­er­ação em águas pro­fun­das é uma ativi­dade rel­a­ti­va­mente recente, mas bas­tante con­tro­ver­sa. Alguns país­es já se movem na direção da extração de minérios do leito dos oceanos. Mas out­ro recur­so encon­tra­do, prin­ci­pal­mente, no sub­so­lo dos mares vem sendo apon­ta­do como um dos prin­ci­pais respon­sáveis das mudanças climáti­cas: o petróleo.

A queima de com­bustíveis fós­seis, entre eles o petróleo, lança diari­a­mente toneladas de dióx­i­do de car­bono na atmos­fera, colab­o­ran­do para o aumen­to de sua tem­per­atu­ra. Este gás absorve o calor, evi­tan­do que ele escape para o espaço, ou seja, que ele saia da Ter­ra.

D’Arvor recon­hece que é difí­cil, para os país­es que depen­dem dos recur­sos de com­bustíveis fós­seis, aban­donar a extração de petróleo, mas diz que não é pos­sív­el con­tin­uar no rit­mo atu­al.

“Se a gente tem a con­sciên­cia de que não pode con­tin­uar assim porque, claro, é um suicí­dio, então a gente tem que definir jun­tos uma agen­da de tran­sição. Não uma agen­da impos­sív­el de ser fei­ta, mas algo real­ista. Algo como aban­donar a ener­gia fós­sil em 20 anos e desen­volver ener­gia ren­ováv­el. Nesse momen­to, metade dos recur­sos dos oceanos, em ter­mos finan­ceiros, vem do com­bustív­el fós­sil. Então sei que não é fácil para país­es como o Brasil ou a Arábia Sau­di­ta. Temos que clara­mente mudar nos­sos mod­e­los econômi­cos”.

Em 2017, a França aprovou a chama­da Lei Hulot, que, entre out­ras medi­das, proibiu novas frentes de explo­ração e pro­dução de petróleo em seu ter­ritório e o encer­ra­men­to, até 2040, das ativi­dades petrolíferas já em anda­men­to.

As descober­tas de grandes reser­vas de petróleo na Guiana e Suri­name e a expec­ta­ti­va em relação à Bacia da Foz do Ama­zonas têm lev­a­do a pressões para que a França reve­ja a lei, uma vez que seu ter­ritório sul-amer­i­cano, a Guiana France­sa, está local­iza­do jus­ta­mente entre Suri­name e o Amapá.

Em fevereiro deste ano, o min­istro francês para Ter­ritórios Ultra­mari­nos, Manuel Valls, defend­eu a reaber­tu­ra de frentes de explo­ração de petróleo na Guiana France­sa. O min­istro de Ener­gia, Marc Fer­rac­ci, e a min­is­tra de Tran­sição Ecológ­i­ca, Agnès Pan­nier-Runach­er, se opuser­am à pro­pos­ta.

“Essa é uma questão do min­istro de Ener­gia na França e de uma dis­cussão com seus cole­gas do Suri­name e de out­ros país­es. Mas isso é algo que será dis­cu­ti­do em Nice. Não pos­so diz­er qual será a decisão final, mas isso é algo que está sobre a mesa e haverá uma ocasião para que cada país desen­vol­va seus argu­men­tos”, disse D’Arvor.

Trump

O diplo­ma­ta francês tam­bém lamen­tou a ausên­cia do pres­i­dente dos Esta­dos Unidos, Don­ald Trump, em Nice, na próx­i­ma sem­ana.

“Para mim é difí­cil enten­der, porque os Esta­dos Unidos, um país que amo tan­to, decid­iu recusar as evidên­cias da ciên­cia. O sen­hor Trump infe­liz­mente não estará em Nice, onde ele seria muito bem-vin­do”, afir­mou D’Arvor. “Estou cer­to de que, em alguns anos, os Esta­dos Unidos estarão de vol­ta. De qual­quer for­ma, somos [a comu­nidade inter­na­cional] sufi­cien­te­mente impor­tantes e numerosos para tomar decisões impor­tantes para os oceanos”.

Ape­sar da ausên­cia de Trumpo, D’Arvor afir­mou que a França está orgul­hosa em rece­ber out­ros chefes de Esta­do, como o primeiro-min­istro da Groen­lân­dia, país afe­ta­do pelo der­re­ti­men­to de geleiras, Jens-Fred­erik Nielsen, e o pres­i­dente brasileiro.

“Esta­mos muito orgul­hosos de ter na con­fer­ên­cia o líder do seu país, pres­i­dente Lula, como chefe de Esta­do de um grande país que está lutan­do con­tra muitas questões climáti­cas globais, assim como con­tra prob­le­mas na Amazô­nia, e que está conosco na coal­izão dos oceanos para o futuro”.

A Con­fer­ên­cia dos Oceanos se estende até a próx­i­ma sex­ta-feira (13). As duas con­fer­ên­cias ante­ri­ores foram real­izadas em Nova York, nos EUA (em 2017), e em Lis­boa, em Por­tu­gal (em 2022).

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