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Congado é festa de almas e necessita de apoio público, diz antropólogo

Repro­dução: © Leonar­do Hen­rique Macha­do

De origem africana, manifestação pode se tornar patrimônio cultural


Pub­li­ca­do em 03/03/2024 — 11:03 Por Lety­cia Bond – Repórter da Agên­cia Brasil — São Paulo

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É pre­ciso ir à fes­ta para as quais se é con­vi­da­do, para que os out­ros ven­ham à sua, e que se ret­ribua a pre­sença dos con­vi­vas com ali­men­tos apeti­tosos. Não se viram as costas para a san­ta ou o san­to. Além dis­so, é bem capaz de você cruzar com alguém em uma rua, quan­do está na com­pan­hia dos com­pan­heiros, e o capitão se esque­cer de como é a letra de deter­mi­na­da canção, e vocês terem que ficar para­dos no lugar, sem poder prosseguir.

Estas são algu­mas das regras do con­ga­do, man­i­fes­tação do catoli­cis­mo pop­u­lar, que pode se tornar patrimônio cul­tur­al do Brasil, com reg­istro do Insti­tu­to do Patrimônio Históri­co e Artís­ti­co Nacional (Iphan), e tem relação com a cul­tura dos ban­tos, da África. O con­ga­do que, por vezes, assume o nome de reina­do, é práti­ca comum no inte­ri­or dos esta­dos de Minas Gerais, Goiás e São Paulo, geral­mente no segun­do semes­tre, para não coin­cidir com fes­tivi­dades como a Folia de Reis e perío­dos reli­giosos como a Quares­ma. Há, ain­da, reg­istros da fes­ta con­gadeira no Nordeste do país.

Congado, Festa de 2022, em Minas Gerais - Congado é uma festa de almas e necessita de apoio do poder público, diz antropólogo. Foto: Leo Cruz
Repro­dução: Fes­ta tem forte relação com São Bened­i­to e Nos­sa Sen­ho­ra do Rosário, diz o antropól­o­go Leonar­do Cruz Macha­do — Leo Cruz

Con­forme expli­ca o antropól­o­go Leonar­do Hen­rique Cruz Macha­do, o con­ga­do ou con­ga­da tem forte relação com São Bened­i­to e Nos­sa Sen­ho­ra do Rosário e se desta­ca por não ser medi­a­do por uma figu­ra como o páro­co. Uma imagem da san­ta teria surgi­do em uma pedra e, após a ten­ta­ti­va de várias pes­soas, sido removi­da por um negro escrav­iza­do, quan­do ele tocou um instru­men­to de per­cussão.

Há sete gru­pos de con­ga­do, sendo um deles prin­ci­pal o moçam­bique (ou maçam­bique), e eles se difer­en­ci­am pelas ves­ti­men­tas que seus inte­grantes usam e out­ros ele­men­tos, como o tipo de músi­ca que entoam, lig­a­do ao can­dombe. O maçam­bique, por exem­p­lo, can­ta algo que soa como um lamen­to. Os gru­pos são chama­dos de ter­no, guar­da ou corte, denom­i­nação que varia con­forme a região.

Para sair às ruas, os gru­pos de maçam­bique usam bran­co. E algu­mas guardas escol­hem colo­car tur­bantes e saiotes. Out­ras, que, em ger­al, tocam músi­cas mais ráp­i­das, vestem peças de roupa mais col­ori­das. Até mes­mo o pena­cho tem seu lugar, às vezes, reme­tendo aos povos indí­ge­nas. “Todas têm sua importân­cia, sua rit­u­alís­ti­ca”, pon­tua Macha­do, que deve exibir, no mês que vem, um doc­u­men­tário sobre o con­ga­do, via­bi­liza­do pela Lei Paulo Gus­ta­vo, de incen­ti­vo à cul­tura.

Em relação às fig­uras e respec­ti­vas funções den­tro de cada um dos gru­pos, o vilão ape­nas dança, não can­ta, e tem o papel de ir abrindo cam­in­hos. Acom­pan­ham-no o capitão, com seu bastão, os ban­deireiros, que, geral­mente, são uma dupla de dançadores, e os caix­eiros.

Congado, Festa de 2022, em Minas Gerais - Congado é uma festa de almas e necessita de apoio do poder público, diz antropólogo. Foto: Leonardo Henrique Machado
Repro­dução: No grupo Moçam­bique, exis­tem o rei e a rain­ha, que são coroa­d­os e têm títu­lo vitalí­cio — Leonar­do Hen­rique Macha­do

No maçam­bique, exis­tem tam­bém o rei e a rain­ha. “Pode ser a pes­soa mais sim­ples da comu­nidade, mas, naque­le dia, ele é rei. Quan­do a pes­soa é coroa­da, é rei pelo resto da vida, é um títu­lo vitalí­cio”, expli­ca Macha­do.

Entre os instru­men­tos, estão a san­fona, o reco-reco, o tam­borim, a caixa e o cavaquin­ho. Alguns deles são feitos com base no impro­vi­so, como lat­in­has con­tendo pedras, grãos ou con­tas, que acabam viran­do chocal­hos e reme­tem aos instru­men­tos que eram amar­ra­dos nos negros escrav­iza­dos para que não con­seguis­sem fugir em silên­cio e se lib­er­tar.

O patan­gome é out­ro instru­men­to que rev­ela a cria­tivi­dade dos gru­pos de con­ga­do. Ele é como se fos­se um chocal­ho de mão, feito por duas calotas de car­ro, geral­mente de kom­bi.

“O con­ga­do é uma fes­ta de almas, das almas dos negros que sofr­eram durante o perío­do da escravidão. E quem rege essa fes­ta, quem é a dona dela? Nos­sa Sen­ho­ra do Rosário, que teve que sur­gir do uni­ver­so bran­co, católi­co, para o sen­hor dos escravos perce­ber o sofri­men­to do negro. Antropo­logi­ca­mente, a fes­ta gira em torno dis­so”, esclarece Macha­do.

Para o antropól­o­go mineiro, o con­ga­do con­siste em um modo de vida. “Geral­mente, o con­gadeiro é nasci­do e cri­a­do no con­ga­do.”

“É uma coisa séria. Você está lidan­do com o sagra­do, está manip­u­lan­do ener­gias. Você tem os guias de cada grupo. Tem toda essa questão de respeito. Antiga­mente, quan­do pas­sa­va um grupo de con­ga­do, você não pas­sa­va na frente do grupo, porque se enten­dia que não se atrav­es­sa o cam­in­ho do san­to”, acres­cen­ta o pesquisador.

Preconceito

Macha­do afir­ma que, ain­da na atu­al­i­dade, o que mais dis­tan­cia o con­ga­do das pes­soas que o criti­cam é o pre­con­ceito. “Até mes­mo partin­do do próprio católi­co”, acres­cen­ta.

A fal­ta de ver­bas públi­cas para que as guardas man­ten­ham suas ativi­dades, que depen­dem das fes­tas entre elas, é out­ro pon­to que difi­cul­ta sua longev­i­dade. “No con­ga­do, um pre­cisa ir à fes­ta do out­ro, e vice-ver­sa. Isso é uma moe­da de tro­ca. A fes­ta do grande só é grande porque o pequeno vai lá faz­er a fes­ta do grande.”

Segun­do o antropól­o­go, cada fes­ta é fei­ta em uma data, para garan­tir essa dinâmi­ca. “Então, se a prefeitu­ra não aju­dar com trans­porte para um grupo via­jar a out­ra cidade, a out­ra cidade tam­bém não vai vir, e a fes­ta vai ser peque­na. Tem esse prob­le­ma. Ou não [o poder públi­co] não aju­da com os instru­men­tos, com um apoio para faz­er a fes­ta”, final­iza.

Edição: Nádia Fran­co

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