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Cordel embasa sentença que nega aplicação da Maria da Penha para homem

Repro­dução: © Mar­cel­lo Casal JrAgên­cia Brasil

Marido queria indenização e medida protetiva contra a mulher


Pub­li­ca­do em 07/08/2023 — 06:55 Por Flávia Albu­querque e Mara Régia di Per­na — Repórteres da Agên­cia Brasil — São Paulo e Brasília

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“E se aca­so for o homem que da mul­her apan­har, é vio­lên­cia domés­ti­ca, você pode me explicar? Tudo pode acon­te­cer no âmbito famil­iar, mas nesse caso é difer­ente, a lei é bas­tante clara por ser uma questão de gênero, somente a mul­her ampara. Se a mul­her for valente, o homem que livre a cara”. Este é o tre­cho de A Lei Maria da Pen­ha em Cordel, do artista cearense Tião Sim­pa­tia, cita­do pelo juiz paranaense Marce­lo Quintin durante o jul­ga­men­to de uma ação no qual o mari­do que­ria ind­eniza­ção e medi­da pro­te­ti­va con­tra a esposa. Quintin usou o tre­cho para embasar sua sen­tença, na qual negou a apli­cação da Lei Maria da Pen­ha, em 2019.

“Ape­sar de ser uma peça artís­ti­ca e cul­tur­al do Brasil, o Cordel tra­ta de for­ma detal­ha­da e traz infor­mações jurídi­cas. E aí eu pen­sei que pode­ria levar aque­la men­sagem de for­ma mais fácil pro juris­di­ciona­do. Eu citei o tre­cho que tra­ta de o homem não poder ser escor­ri­do pela Lei Maria da Pen­ha e aí a gente expli­ca que há a pro­teção de deter­mi­na­do seg­men­to da sociedade por ter isono­mia, de se agir de for­ma desigual para traz­er a ver­dadeira equidade”, expli­cou o juiz.

Segun­do ele, bas­ta tra­bal­har em uma vara crim­i­nal do país para saber que a maio­r­ia abso­lu­ta dos crimes que ocor­rem no Brasil hoje é de vio­lên­cia domés­ti­ca. Para o mag­istra­do, muitas vezes a sociedade ten­ta levar essa questão para o lado biológi­co ou para um seg­men­to políti­co, mas a real­i­dade brasileira é a de mul­heres que sofrem vio­lên­cia todos os dias. “Bas­ta vis­i­tar uma vara crim­i­nal e saber que isso é ver­dade. Todas as cam­pan­has que se fiz­erem a respeito desse assun­to são muito bem-vin­das e nós esta­mos jus­ta­mente no Agos­to Lilás, que lem­bra essa questão. Todas as ini­cia­ti­vas são de extrema importân­cia”, ressaltou.

Quintin con­tou que na época em que preferiu a decisão citan­do cordel, rece­beu muitas críti­cas de home­ns que o ques­tion­avam sobre a não existên­cia de leis que os pro­te­jam em situ­ações de vio­lên­cia domés­ti­ca. Segun­do ele, é necessário lem­brar que o homem tem pro­teção na leg­is­lação comum, do Códi­go Penal e de out­ras leis que já exis­tem. “Mas por con­ta dessa desigual­dade fáti­ca que enfrenta­mos diari­a­mente de mul­heres víti­mas todos os dias, temos uma lei especí­fi­ca e pro­te­ti­va desse seg­men­to social.

O juiz desta­cou que de 2019 para cá hou­ve mel­ho­rias na lei, como a punição para o crime de perseguição, tam­bém con­heci­do como stalk­er, para a vio­lên­cia psi­cológ­i­ca. Tam­bém hou­ve mel­ho­rias nas cam­pan­has feitas por diver­sas enti­dades da sociedade civ­il. “Mas o que nós pre­cisamos efe­ti­va­mente é de maior fis­cal­iza­ção e maior atendi­men­to às víti­mas de vio­lên­cia domés­ti­ca que estão nos rincões do país, naque­las cidades do inte­ri­or, em cidades onde o aces­so às autori­dades e aos seus dire­itos pro­pri­a­mente ditos fica difi­cul­ta­do. Ness­es lugares mais dis­tantes é onde vemos ocor­rer com mais fre­quên­cia vio­lên­cia de ares medievais con­tra mul­heres”, afir­mou Quintin.

De acor­do com o juiz, ape­sar de ter penas pre­vis­tas na lei, a fre­quên­cia dos fem­i­nicí­dios em casos de vio­lên­cia domés­ti­ca é muito maior do que os crimes de homicí­dio em out­ros cam­pos. Ele acred­i­ta que se não hou­ver uma ação ráp­i­da para ten­tar parar a vio­lên­cia domés­ti­ca no seu iní­cio, quan­do ain­da está no está­gio da ameaça psi­cológ­i­ca ou perseguição, o segun­do está­gio já será de vio­lên­cia físi­ca.

“Se nós não estancar­mos essa vio­lên­cia logo no iní­cio, ela vai se grad­uan­do de for­ma a chegar a um fem­i­nicí­dio. São várias as ocasiões em que isso acon­tece na vida real e nos deixa entris­te­ci­do. Eu tive o caso de um agres­sor que, no iní­cio, ameaça­va e fazia crimes mais leves. Acabou que ele ten­tou matar a com­pan­heira, foi a jul­ga­men­to, rece­beu uma pena muito leve, foi solto em duas sem­anas e con­sumou o homicí­dio que havia ten­ta­do lá atrás. Isso acon­tece com fre­quên­cia gigan­tesca, infe­liz­mente”.

 

 

Edição: Graça Adju­to

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